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Ministério das Comunicações lança edital para novas rádios educativas em 311 cidades

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O Ministério das Comunicações lançou o edital de seleção pública para inscrição das entidades interessadas em executar o serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada (FM), com finalidade exclusivamente educativa, em 311 municípios das cinco regiões do país.

O Ministério das Comunicações lançou o edital de seleção pública para inscrição das entidades interessadas em executar o serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada (FM), com finalidade exclusivamente educativa, em 311 municípios das cinco regiões do país.

Confira os detalhes do edital e a lista de municípios contemplados neste link.

“As rádios educativas democratizam a comunicação e levam cultura e educação a todos os lugares do país. Precisamos dar agilidade e incentivar que essas emissoras estejam presentes no maior número de localidades possível”, afirmou o ministro das Comunicações, Juscelino Filho.

Este é o primeiro edital do Plano Nacional de Outorgas (PNO) de Rádios Educativas lançado no último dia 18. Ainda há previsão de lançamento de mais três editais até 2026.

Poderão participar do processo seletivo as pessoas jurídicas de direito público interno, as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada, com sede no Brasil e credenciadas pelo Ministério da Educação, e as fundações de direito privado cujos estatutos não contrariem o Código Brasileiro de Telecomunicações e legislação correlata.

A inscrição deverá ser feita, obrigatoriamente, pela Plataforma de Cidadania Digital, por meio do endereço eletrônico: https://www.gov.br/pt-br/servicos/participar-de-edital-para-executar-servicos-de-radio-educativa.

A entidade interessada terá até o dia 21 de março de 2025 para efetuar sua inscrição e encaminhar a documentação exigida para cada localidade de interesse.

Fonte: MCOM


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Viagem aos porões da Inteligência Artificial

Uma legião de precarizados ensina a IA das Big Techs a eliminar conteúdo abjeto das redes sociais. Convivem com o trauma e insalubridade, no Sul Global. Ganham pouquíssimo. Não podem organizar-se. Seu mundo permanece oculto


Por Adio Dinika, no Noema | Tradução: Glauco Faria

Uma tela embaçada aparece diante de nossos olhos, acompanhada de uma mensagem enganosamente inócua de “conteúdo sensível” com um emoji de olho riscado. O design suave e o ícone lúdico do aviso desmentem a gravidade do que está por trás. Com um movimento casual de nossos dedos, passamos por ele, nossos feeds são atualizados com vídeos de gatos e fotos de férias. Mas nas sombras de nossa utopia digital, uma realidade diferente se desenrola.

Em armazéns apertados e mal iluminados em todo o mundo, um exército de trabalhadores invisíveis se debruça sobre telas que piscam. Seus olhos se esforçam, com os dedos pairando sobre os teclados, enquanto confrontam os impulsos mais obscuros da humanidade – alguns mais obscuros do que seus pesadelos mais loucos. Eles não conseguem desviar o olhar. Não podem rolar a tela. Para esses trabalhadores, não há aviso de gatilho.


Os gigantes da tecnologia alardeiam o poder da IA na moderação de conteúdo, pintando imagens de algoritmos oniscientes que mantêm nossos espaços digitais seguros. Eles sugerem uma visão utópica de máquinas que vasculham incansavelmente os detritos digitais, protegendo-nos do pior da Web.

Mas essa é uma mentira reconfortante.

A realidade é muito mais humana e muito mais preocupante. Essa narrativa serve a vários propósitos: ameniza as preocupações dos usuários com relação à segurança on-line, justifica os enormes lucros que essas empresas obtêm e desvia a responsabilidade – afinal, como você pode culpar um algoritmo?

No entanto, os sistemas de IA atuais não são nem de longe capazes de entender as nuances da comunicação humana, muito menos de fazer julgamentos éticos complexos sobre o conteúdo. O sarcasmo, o contexto cultural e as formas sutis de discurso de ódio muitas vezes passam despercebidos até mesmo pelos algoritmos mais sofisticados.

E, embora a moderação automatizada de conteúdo possa, até certo ponto, ser implementada para idiomas mais comuns, o conteúdo em idiomas com poucos recursos normalmente exige o recrutamento de moderadores de conteúdo dos países em que o idioma é falado, devido às suas habilidades linguísticas.

Por trás de quase todas as decisões de IA, um ser humano tem a tarefa de fazer a chamada final e arcar com o ônus do julgamento – não um salvador baseado em silício. A IA geralmente é um primeiro filtro bruto. Veja as lojas supostamente automatizadas da Amazon, por exemplo: Foi relatado pelo The Information que, em vez de sistemas avançados de IA, a Amazon contava com cerca de 1.000 funcionários, principalmente na Índia, para rastrear manualmente os clientes e registrar suas compras.

A Amazon disse à AP e a outros que contratou trabalhadores para assistir a vídeos para validar as pessoas que faziam compras, mas negou que tivesse contratado 1.000 pessoas ou a implicação de que os trabalhadores monitoravam os compradores ao vivo. Da mesma forma, o assistente M “alimentado por IA” do Facebook é mais humano do que software. E assim, a ilusão da capacidade da IA é frequentemente mantida à custa de trabalho humano oculto.


“Éramos os zeladores da Internet”, disse-me Botlhokwa Ranta, 29 anos, uma ex-moderadora de conteúdo da África do Sul que agora mora em Nairóbi, no Quênia, dois anos depois que seu contrato com a Sama foi rescindido. Falando de sua casa, sua voz estava pesada quando ela continuou. “Nós limpamos a bagunça para que todos os outros possam desfrutar de um mundo on-line higienizado.”

E assim, enquanto dormimos, muitos trabalham. Enquanto compartilhamos, esses trabalhadores protegem. Enquanto nos conectamos, eles enfrentam a desconexão entre nossa experiência on-line com curadoria e a realidade da natureza humana crua e sem filtros.

O verniz brilhante do setor de tecnologia esconde uma realidade humana crua que se estende por todo o mundo. Dos arredores de Nairóbi aos apartamentos lotados de Manila, das comunidades de refugiados sírios no Líbano às comunidades de imigrantes na Alemanha e aos call centers de Casablanca, uma vasta rede de trabalhadores invisíveis alimenta nosso mundo digital. As histórias desses trabalhadores geralmente são uma tapeçaria de trauma, exploração e resiliência, que revelam o verdadeiro custo de nosso futuro impulsionado pela IA.

Podemos ficar maravilhados com os chatbots e os sistemas automatizados que Sam Altman e sua turma exaltam, mas isso esconde as questões urgentes que estão abaixo da superfície: Será que nossos sistemas de IA divinos servirão apenas como uma cortina de fumaça, ocultando uma realidade humana angustiante?

Em nossa busca incessante pelo avanço tecnológico, devemos nos perguntar: qual é o preço que estamos dispostos a pagar por nossa conveniência digital? E nessa corrida rumo a um futuro automatizado, será que estamos deixando nossa humanidade na poeira?

A história de Abrha

Em fevereiro de 2021, o mundo de Abrha se despedaçou quando sua cidade em Tigray ficou sob fogo das forças de defesa da Etiópia e da Eritreia no conflito de Tigray, o conflito mais mortal dos dias atuais, que foi corretamente chamado de genocídio, de acordo com um relatório do New Lines Institute, com sede nos EUA.

Com apenas uma pequena mochila e todo o dinheiro que conseguiu pegar, Abrha, então com 26 anos, fugiu para Nairóbi, no Quênia, deixando para trás um negócio próspero, uma família e amigos que não conseguiram escapar. Enquanto Tigray sofria com ofechamento da internet por mais de dois anos imposto pelo governo da Etiópia, ele passou meses em uma agonizante incerteza sobre o destino de sua família.

Então, em uma cruel ironia, Abrha foi recrutado pela filial queniana da Sama, uma empresa sediada em São Francisco que se apresenta como um provedor ético de dados de treinamento de IA, porque a empresa precisava de pessoas fluentes em tigrínia e amárico, idiomas do conflito do qual ele acabara de fugir, para moderar o conteúdo originado principalmente desse mesmo conflito.

Cinco dias por semana, oito horas por dia, Abrha ficava sentado no depósito da Sama em Nairóbi, moderando conteúdo do mesmo conflito do qual ele havia escapado – às vezes até mesmo um bombardeio em sua cidade natal. Cada dia trazia uma enxurrada de discursos de ódio dirigidos aos Tigrayans e o medo de que o próximo cadáver fosse o de seu pai, a próxima vítima de estupro fosse sua irmã.

Um dilema ético também pesava sobre ele: Como ele poderia permanecer neutro em um conflito em que ele e seu povo eram as vítimas? Como ele poderia rotular o conteúdo de retaliação gerado por seu povo como discurso de ódio? A pressão se tornou insuportável.

Embora Abrha detestasse fumar, ele se tornou um fumante inveterado que sempre tinha um cigarro na mão enquanto navegava nesse campo minado digital de trauma – cada tragada era uma tentativa inútil de aliviar a dor do sofrimento de seu povo.

O horror de seu trabalho atingiu um pico devastador quando Abrha se deparou com o corpo de seu primo enquanto moderava o conteúdo. Foi um lembrete brutal dos riscos muito reais e pessoais do conflito que ele estava sendo forçado a testemunhar diariamente por meio de uma tela de computador.

Depois que ele e outros moderadores de conteúdo tiveram seus contratos rescindidos pela Sama, Abrha se viu em uma situação terrível. Incapaz de conseguir outro emprego em Nairóbi, ele teve que lidar com seu trauma sozinho, sem o apoio ou os recursos de que precisava desesperadamente. O peso de suas experiências como moderador de conteúdo, juntamente com os efeitos persistentes da fuga do conflito, afetou muito sua saúde mental e sua estabilidade financeira.

Apesar de a situação em Tigray continuar precária após a guerra, Abrha sentiu que não tinha outra opção a não ser voltar para sua terra natal. Ele fez a difícil jornada de volta há alguns meses, na esperança de reconstruir sua vida a partir das cinzas do conflito e da exploração. Sua história serve como um forte lembrete do impacto duradouro do trabalho de moderação de conteúdo e da vulnerabilidade daqueles que o realizam, muitas vezes longe de casa e dos sistemas de apoio.

A realidade de pesadelo de Kings

Tendo crescido em Kibera, uma das maiores favelas do mundo, Kings, 34 anos, que insistiu que Noema usasse apenas seu primeiro nome para discutir livremente assuntos pessoais de saúde, sonhava com uma vida melhor para sua jovem família. Como muitos jovens criados na favela de Nairóbi, ele estava desempregado.

Quando a Sama o chamou, Kings viu nisso a sua chance de entrar no mundo da tecnologia. Começando como anotador de dados, que os rotulava e os categorizava para treinar sistemas de IA, ele ficou entusiasmado, apesar do salário baixo. Quando a empresa ofereceu promovê-lo a moderador de conteúdo com um pequeno aumento de salário, ele aproveitou a oportunidade, sem saber das implicações da decisão.

Kings logo se viu confrontado com um conteúdo que o assombrava dia e noite. O pior era o que eles codificavam como CSAM, ou material de abuso sexual infantil. Dia após dia, ele examinava textos, fotos e vídeos que retratavam vividamente a violação de crianças. “Vi vídeos de vaginas de crianças se rasgando por causa do abuso”, contou ele, com a voz vazia. “Toda vez que eu fechava os olhos em casa, era só isso que eu via.”

O trauma infectou todos os aspectos da vida de Kings. Aos 32 anos, ele tinha dificuldade de ter intimidade com sua esposa; imagens de crianças abusadas atormentavam sua mente. O suporte à saúde mental da empresa era extremamente inadequado, disse Kings. Os conselheiros pareciam não estar preparados para lidar com a profundidade de seu trauma.

Por fim, a tensão se tornou excessiva. A esposa de Kings, incapaz de lidar com a privação sexual e as mudanças em seu comportamento, o deixou. Quando Kings deixou a Sama, ele era uma casca de seu antigo eu – quebrado mental e financeiramente – e seus sonhos de uma vida melhor foram destruídos por um trabalho que ele achava que seria sua salvação.

Perdendo a fé na humanidade

A história de Ranta começa na pequena cidade sul-africana de Diepkloof, onde a vida se move em ciclos previsíveis. Mãe aos 21 anos, ela tinha 27 quando conversamos e refletiu sobre a dura realidade enfrentada por muitas mulheres jovens em sua comunidade: seis em cada dez meninas já tinham engravidado aos 21 anos, entrando em um mundo onde as perspectivas de emprego já são escassas e a maternidade solteira as torna ainda mais esquivas.

Quando a Sama começou a recrutar, prometendo uma vida melhor para ela e seu filho, Ranta viu isso como sua passagem para um futuro melhor. Ela se candidatou e logo se viu em Nairóbi, longe de tudo o que lhe era familiar. As promessas se desfizeram rapidamente após sua chegada. O apoio para reencontrar seu filho, que ela havia deixado na África do Sul, nunca se concretizou como prometido.

Quando ela perguntou sobre isso, os representantes da empresa lhe disseram que não poderiam mais cobrir o custo total, como prometido inicialmente, e ofereceram apenas um apoio parcial, a ser deduzido de seu salário. As tentativas de conseguir uma audiência oficial com a Sama não tiveram êxito, e fontes não oficiais citaram como motivo os processos judiciais em andamento com os trabalhadores.

Quando a irmã de Ranta faleceu, ela disse que seu chefe lhe deu alguns dias de folga, mas não a deixou mudar para fluxos de conteúdo menos traumáticos quando ela voltou a moderar o conteúdo, mesmo havendo uma vaga. Era como se esperassem que ela e outros funcionários operassem como máquinas, capazes de desligar um programa e iniciar outro à vontade.

As coisas chegaram a um ponto crítico durante uma gravidez complicada. Ela não teve permissão para ficar em repouso na cama, conforme ordenado por seu médico, e apenas quatro meses depois de dar à luz sua segunda filha, a criança foi hospitalizada.

Ela então ficou sabendo que a empresa havia parado de fazer contribuições para o plano de saúde logo depois que ela começou a trabalhar, apesar de ter continuado a deduzir o valor de seu salário. Agora, ela estava sobrecarregada, com contas que não tinha condições de pagar.

A função de Ranta envolvia a moderação de conteúdo relacionado a abuso sexual feminino, xenofobia, discurso de ódio, racismo e violência doméstica, principalmente de sua terra natal, a África do Sul e a Nigéria. Embora reconhecesse a importância de seu trabalho, ela lamentava a falta de aconselhamento psicológico, treinamento e apoio adequados.

Ranta se viu perdendo a fé na humanidade. “Vi coisas que nunca pensei que fossem possíveis”, ela me disse. “Como os seres humanos podem afirmar que são a espécie inteligente depois do que vi?”

O CEO da Sama expressou arrependimento por ter assinado o contrato de moderação de conteúdo com a Meta.

O representante também disse que a companhia oferecia “’soluções técnicas para limitar ao máximo a exposição a material gráfico”. No entanto, as experiências compartilhadas por trabalhadores como Abrha, Kings e Ranta pintam um quadro totalmente diferente, sugerindo uma lacuna significativa entre as políticas declaradas da Meta e as realidades vividas pelos moderadores de conteúdo.

Perspectivas globais: Lutas semelhantes entre fronteiras

As experiências de Abrha, Kings e Ranta não são incidentes isolados. Somente no Quênia, conversei com mais de 20 trabalhadores que compartilharam histórias semelhantes. Em todo o mundo, em países como Alemanha, Venezuela, Colômbia, Síria e Líbano, os trabalhadores de dados com quem conversamos como parte de nosso projeto Data Workers Inquiry nos disseram que enfrentaram desafios semelhantes.

Na Alemanha, apesar de todos os seus programas para ajudar os recém-chegados, os imigrantes com status incerto ainda acabam em funções como a de Abrha, revisando o conteúdo de seus países de origem. A situação precária dos vistos desses trabalhadores acrescentou uma camada de vulnerabilidade. Muitos nos disseram que, apesar de enfrentarem a exploração, sentiam-se incapazes de se manifestar publicamente. Como o emprego deles está vinculado ao visto, há o risco de serem demitidos e deportados.

Na Venezuela e na Colômbia, a instabilidade econômica leva muitos a procurar trabalho no setor de dados. Embora nem sempre estejam diretamente envolvidos na moderação de conteúdo, muitos anotadores de dados costumam trabalhar com conjuntos de dados desafiadores que podem afetar negativamente seu bem-estar mental.

A realidade geralmente não corresponde ao que foi anunciado. Mesmo que os trabalhadores de dados na Síria e os refugiados sírios no Líbano não estejam moderando o conteúdo, o trabalho deles muitas vezes se cruza com resquícios digitais do conflito que vivenciaram ou do qual fugiram, acrescentando uma camada de tensão emocional aos seus trabalhos já exigentes.

O uso generalizado de acordos de não divulgação (NDAs) é mais uma camada na dinâmica de poder desigual que envolve esses indivíduos vulneráveis. Esses acordos, exigidos como parte dos contratos de trabalho dos trabalhadores, silenciam os trabalhadores e mantêm suas lutas ocultas da opinião pública.

A ameaça implícita desses NDAs geralmente se estende além do período de emprego, lançando uma longa sombra sobre a vida dos trabalhadores mesmo depois que eles deixam seus empregos. Muitos trabalhadores que falaram conosco insistiram no anonimato por medo de repercussões legais.

Esses trabalhadores, em lugares como Bogotá, Berlim, Caracas e Damasco, relataram que se sentiam abandonados pelas empresas que lucravam com seu trabalho. Os chamados “programas de bem-estar” oferecidos pela Sama muitas vezes não estavam preparados para lidar com o trauma profundo que esses trabalhadores estavam sofrendo, disseram-me os funcionários.

Suas histórias deixam claro que, por trás da fachada elegante de nosso mundo digital, há uma força de trabalho oculta que carrega fardos emocionais imensos, para que não precisemos fazer isso. Suas experiências levantam questões urgentes sobre as implicações éticas do trabalho com dados e o custo humano da manutenção de nossa infraestrutura digital. A natureza global desse problema ressalta uma verdade preocupante: a exploração dos trabalhadores de dados não é um bug, é uma característica sistêmica do setor.

É uma teia global de luta, tecida pelos gigantes da tecnologia e mantida pelo silêncio daqueles que estão presos nela, conforme documentado por Mophat Okinyi e Richard Mathenge, ex-moderadores de conteúdo e agora co-pesquisadores em nosso projeto Data Workers’ Inquiry. Os dois viram esses padrões se repetirem em uma série de empresas diferentes em vários países. Suas experiências, tanto como trabalhadores quanto agora como defensores, ressaltam a natureza global dessa exploração.

O trauma por trás da tela

Antes de viajar para o Quênia, eu achava que entendia os desafios enfrentados pelos profissionais de dados por meio de minhas conversas on-line com alguns deles. Entretanto, ao chegar, me deparei com histórias de depravação individual e institucional que me deixaram com traumas secundários e pesadelos por semanas. Mas para os próprios trabalhadores de dados, o trauma se manifesta de duas formas principais: trauma direto do próprio trabalho e problemas sistêmicos que agravam o trauma.

1. Trauma direto

Todos os dias, os moderadores de conteúdo são forçados a enfrentar os cantos mais obscuros da humanidade. Eles atravessam um pântano tóxico de violência, discurso de ódio, abuso sexual e imagens gráficas.

Essa exposição constante a conteúdo perturbador cobra seu preço. “Isso vai além do que torna as pessoas humanas”, disse-me Kings. “É como ser forçado a beber veneno todos os dias, sabendo que está matando você, mas não pode parar porque é o seu trabalho.” As imagens e os vídeos permanecem depois do trabalho, assombrando seus sonhos e se infiltrando em suas vidas pessoais.

Muitos moderadores relatam sintomas de estresse pós-traumático e trauma vicário: pesadelos, flashbacks e ansiedade grave são comuns. Alguns desenvolvem uma desconfiança profunda em relação ao mundo ao seu redor, mudada para sempre pela exposição constante à crueldade humana. Como um funcionário me disse: “Entrei nesse trabalho acreditando na bondade básica das pessoas. Agora, não tenho mais certeza se acredito em alguma coisa. Se as pessoas podem fazer isso, então o que há para acreditar?”

Quando o turno termina, o trauma segue esses trabalhadores para casa. Para Kings e Okinyi, como para tantos outros, seus relacionamentos desmoronaram sob o peso do que eles viram, mas não puderam falar. Os filhos crescem com pais emocionalmente distantes, os parceiros se afastam e o trabalhador fica isolado em sua dor.

Muitos moderadores relatam uma mudança fundamental em sua visão de mundo. Eles se tornam hipervigilantes, vendo ameaças em potencial em toda parte. Okinyi mencionou como um de seus ex-colegas teve de se mudar da cidade para a zona rural, menos movimentada, devido à paranoia de possíveis explosões de violência. Em um zine que ela criou para o Data Workers Inquiry sobre as moderadoras de conteúdo da Sama, uma das entrevistadas de Ranta falou sobre como o trabalho a fazia questionar constantemente seu valor e sua capacidade de ser mãe de seus filhos.

2. Problemas sistêmicos

Além do trauma imediato do conteúdo em si, os moderadores enfrentam uma enxurrada de problemas sistêmicos que exacerbam seu sofrimento:

  • Insegurança no emprego: Muitos moderadores, especialmente aqueles em situações de vida precárias, como refugiados ou migrantes econômicos, vivem com medo constante de perder seus empregos. Esse medo geralmente os impede de falar sobre suas condições de trabalho ou de buscar ajuda. As empresas geralmente exploram essa vulnerabilidade.
  • Falta de apoio à saúde mental: Embora as empresas divulguem seus programas de bem-estar, a realidade fica muito aquém. Como Kings experimentou, o aconselhamento fornecido geralmente é inadequado, com terapeutas mal equipados para lidar com o trauma exclusivo da moderação de conteúdo. As sessões geralmente são breves e não tratam de traumas mais subjacentes e profundos.
  • Métricas de desempenho irrealistas: Os moderadores geralmente precisam revisar centenas de peças de conteúdo por hora. Esse ritmo incessante não deixa tempo para processar o material perturbador que viram, forçando-os a reprimir suas emoções. O foco na quantidade em detrimento da qualidade não afeta apenas a precisão da moderação, mas também exacerba o ônus psicológico do trabalho. Como Abrha me disse: “Imagine ter que assistir a um vídeo de alguém sendo morto e depois passar imediatamente para a próxima publicação. Não há tempo para respirar, muito menos para processar o que vimos.”
  • Vigilância constante: Como se o conteúdo em si não fosse estressante o suficiente, os moderadores são constantemente monitorados. Praticamente todas as decisões e, essencialmente, todos os segundos de seu turno são examinados, acrescentando mais uma camada de pressão a um trabalho que já é desgastante. Essa vigilância se estende aos intervalos para ir ao banheiro, ao tempo ocioso entre as tarefas e até mesmo às expressões faciais durante a revisão do conteúdo. Os supervisores monitoram os funcionários por meio de software de rastreamento de computador, câmeras e, em alguns casos, observação física. Eles tendem a prestar atenção nas expressões faciais para avaliar as reações dos funcionários e garantir que eles mantenham um nível de distanciamento ou “profissionalismo” enquanto analisam o conteúdo perturbador. Como resultado, os trabalhadores me disseram que sentiam que não conseguiam nem reagir naturalmente ao conteúdo perturbador que estavam vendo. Os funcionários recebiam uma hora de intervalo por dia para todas as suas necessidades externas (comer, alongar-se, ir ao banheiro). Qualquer tempo adicional dedicado a essas ou outras atividades não relacionadas ao trabalho seria examinado e o tempo seria acrescentado aos seus turnos. Abrha também mencionou que os trabalhadores tinham que colocar seus telefones em armários, isolando-os ainda mais e limitando sua capacidade de se comunicar com o mundo exterior durante seus turnos.

E as repercussões vão além da família: Os amigos se afastam, incapazes de se relacionar com a nova e sombria perspectiva de vida do moderador; as interações sociais se tornam tensas, pois os funcionários lutam para participar de conversas “normais” depois de passar seus dias imersos no pior do comportamento humano.

Em essência, o trauma da moderação de conteúdo remodela toda a dinâmica familiar e as redes sociais, criando um ciclo de isolamento e sofrimento que se estende muito além do indivíduo.

Traumatizando Humanos para Criar Sistemas “Inteligentes”

Talvez a ironia mais cruel seja que estamos traumatizando as pessoas para criar a ilusão de inteligência mecânica. O trauma infligido aos moderadores humanos é justificado pela promessa de futuros sistemas de IA que não exigirão intervenção humana. No entanto, o seu desenvolvimento exige mais trabalho humano e muitas vezes o sacrifício da saúde mental dos trabalhadores.

Além disso, o foco no desenvolvimento da IA ​​desvia frequentemente recursos e atenção da melhoria das condições dos trabalhadores humanos. As empresas investem bilhões em algoritmos de aprendizado de máquina enquanto negligenciam as necessidades básicas de saúde mental de seus moderadores humanos.

A ilusão da IA ​​distancia os usuários da realidade da moderação de conteúdo, assim como a pecuária industrial nos distancia do tratamento de galinhas poedeiras. Esta ignorância voluntária e coletiva permite que a exploração continue sem controle. A narrativa da IA ​​é uma cortina de fumaça que obscurece uma prática trabalhista profundamente antiética que troca o bem-estar humano por uma fachada de progresso tecnológico.

Trabalhadores digitais do mundo, levantem-se!

Perante a exploração e o trauma, os trabalhadores de dados não têm sido passivos. Em todo o mundo, têm tentado sindicalizar-se, mas os seus esforços têm sido frequentemente dificultados por vários intervenientes. No Quênia, os trabalhadores formaram o Sindicato Africano de Moderadores de Conteúdo, um esforço ambicioso para unir trabalhadores de diferentes países africanos.

Mathenge, que também faz parte da liderança do sindicato, disse-me que acredita ter sido demitido do seu papel de líder de equipe devido às suas atividades sindicais. Esta retaliação enviou uma mensagem assustadora a outros trabalhadores que consideravam se organizar.

A luta pelos direitos dos trabalhadores ganhou recentemente uma força jurídica significativa. Em 20 de janeiro, um tribunal queniano decidiu que a Meta poderia ser processada no país por demitir dezenas de moderadores de conteúdo por meio de sua contratada, Sama. O tribunal manteve decisões anteriores de que a Meta poderia ser julgada por estas demissões e poderia ser processada no Quênia por possíveis más condições de trabalho.

A última decisão tem implicações potencialmente de longo alcance na forma como a gigante da tecnologia trabalha com os seus moderadores de conteúdo em todo o mundo. Também marca um avanço significativo na batalha contínua pelo tratamento justo e pelo reconhecimento dos direitos dos trabalhadores de dados.

Os obstáculos continuam além do nível da empresa. As organizações empregam táticas de combate aos sindicatos, muitas vezes despedindo trabalhadores que fazem campanha pela sindicalização, disse Mathenge. Durante conversas com trabalhadores, jornalistas e representantes da sociedade civil no espaço de trabalho digital queniano, surgiram rumores de altos funcionários do governo exigindo subornos para registar formalmente o sindicato, acrescentando outra camada de complexidade ao processo de sindicalização.

Talvez o mais bizarro, de acordo com um funcionário da organização cívica liderada por jovens Siasa Place, quando os trabalhadores no Quênia tentaram formar seu próprio sindicato, eles foram instruídos a se juntar ao sindicato dos correios e telecomunicações, uma sugestão que ignora as grandes diferenças entre essas indústrias e os desafios únicos enfrentados pelos trabalhadores de dados de hoje.

Apesar desses contratempos, os trabalhadores continuaram a encontrar maneiras inovadoras de se organizar e defender seus direitos. Okinyi, junto com Mathenge e Kings, formaram a Techworker Community Africa, uma organização não governamental focada em fazer lobby contra práticas tecnológicas prejudiciais, como exploração de mão de obra.

Outras organizações também se apresentaram para ajudar os trabalhadores, como a Siasa Place, e advogados de direitos digitais como Mercy Mutemi fizeram uma petição ao parlamento queniano para investigar as condições de trabalho em empresas de IA.

Um caminho para IA ética e práticas trabalhistas justas

Protocolos de saúde mental em todo o setor

Precisamos de uma abordagem abrangente e em todo o setor para suporte à saúde mental. Com base em minha pesquisa e conversas com trabalhadores, proponho uma abordagem multifacetada não oferecida pelos sistemas de suporte existentes.

Muitos programas empresariais existentes são frequentemente “programas de bem-estar” superficiais que não abordam o trauma profundo vivenciado pelos trabalhadores de dados. Eles podem incluir sessões ocasionais em grupo ou acesso a serviços gerais de aconselhamento, mas geralmente são insuficientes e não personalizados.

Minha abordagem proposta inclui sessões obrigatórias e regulares de aconselhamento com terapeutas treinados especificamente em traumas relacionados ao trabalho de dados. Além disso, as empresas devem implementar check-ins regulares de saúde mental, fornecer acesso a suporte de crise 24 horas por dia, 7 dias por semana, e oferecer serviços de terapia de longo prazo, que estão amplamente ausentes nas configurações atuais.

Fundamentalmente, esses serviços devem ser culturalmente competentes, reconhecendo as diversas origens dos trabalhadores de dados globalmente. Este é um afastamento significativo da abordagem atual de tamanho único que muitas vezes deixa de considerar os contextos culturais dos trabalhadores em lugares como Nairóbi, Manila ou Bogotá. O sistema proposto ofereceria suporte nos idiomas nativos dos trabalhadores e seria sensível às nuances culturais que cercam a saúde mental — aspectos extremamente ausentes em muitos programas existentes.

Além disso, diferentemente do sistema atual, onde o suporte à saúde mental geralmente termina com o emprego, esta nova abordagem estenderia o suporte além da permanência no trabalho, reconhecendo os impactos duradouros deste tipo de ocupação. Esta abordagem abrangente, de longo prazo e culturalmente sensível, representa uma mudança fundamental do suporte simbólico e muitas vezes ineficaz à saúde mental oferecido aos trabalhadores de dados atualmente.

Implementação do “Trauma Cap”

Assim como temos limites de exposição à radiação para trabalhadores nucleares, precisamos de limites de exposição ao trauma para trabalhadores de dados. Este “trauma cap” estabeleceria limites rígidos sobre a quantidade e o tipo de conteúdo perturbador ao qual um trabalhador pode ser exposto dentro de um determinado período de tempo.

A implementação poderia envolver a rotação de trabalhadores entre conteúdo de alto e baixo impacto, pausas obrigatórias após exposição a material particularmente traumático, limites em dias consecutivos de trabalho com conteúdo perturbador e a alocação de “licença para trauma” anual para recuperação da saúde mental.

Precisamos de um sistema que rastreie não apenas a quantidade de conteúdo revisado, mas um que leve em conta o impacto emocional. Por exemplo, um vídeo de violência extrema deve contar mais para o limite de um trabalhador do que uma postagem de spam.

Órgão de supervisão independente

A autorregulamentação por empresas de tecnologia provou ser insuficiente; é essencialmente confiar o galinheiro a um chacal. Precisamos de um órgão independente com o poder de auditar, aplicar padrões e impor penalidades quando necessário.

Este órgão de supervisão deve consistir em especialistas em ética, ex-trabalhadores de dados, profissionais de saúde mental e especialistas em direitos humanos. Ele deve ter autoridade para conduzir inspeções não anunciadas de instalações de trabalho de dados, definir e aplicar padrões de toda a indústria para condições de trabalho e suporte de saúde mental, e fornecer um canal seguro para os trabalhadores relatarem violações sem medo de retaliação. Fundamentalmente, qualquer órgão de supervisão deve incluir as vozes de atuais e ex-trabalhadores de dados que realmente entendam os desafios desse trabalho.

O papel dos consumidores e do público na demanda por mudanças

Embora as reformas do setor e a supervisão regulatória sejam cruciais, o poder da pressão pública não pode ser exagerado. Como consumidores de conteúdo digital e participantes de espaços online, todos nós temos um papel a desempenhar na demanda por práticas mais éticas. Isso envolve consumo informado, educando-nos sobre o custo humano por trás da moderação de conteúdo.

Antes de compartilhar conteúdo, especialmente material potencialmente perturbador, devemos considerar o moderador que pode ter que revisá-lo. Essa conscientização pode influenciar nossas decisões sobre o que postamos ou compartilhamos. Devemos exigir transparência das empresas de tecnologia sobre suas práticas de moderação de conteúdo.

Podemos usar as próprias plataformas das empresas para responsabilizá-las, fazendo perguntas públicas sobre as condições dos trabalhadores e o suporte à saúde mental. Devemos apoiar as empresas que priorizam práticas trabalhistas éticas e considerar boicotar aquelas que não o fazem.

Além disso, à medida que as ferramentas de IA se tornam cada vez mais prevalentes em nosso cenário digital, também devemos nos educar sobre os custos ocultos por trás dessas tecnologias aparentemente milagrosas. Ferramentas como ChatGPT e DALL-E são o produto de imenso trabalho humano e compromissos éticos.

Esses sistemas de IA são construídos nas costas de inúmeros indivíduos invisíveis: moderadores de conteúdo expostos a material traumático, rotuladores de dados trabalhando longas horas por baixos salários e artistas cujos trabalhos criativos foram explorados sem consentimento ou compensação. Além do custo humano impressionante, o pedágio ambiental dessas tecnologias é alarmante e frequentemente esquecido.

Do consumo massivo de energia dos data centers às montanhas de lixo eletrônico geradas, a pegada ecológica da IA ​​é uma questão crítica que exige nossa atenção e ação imediatas. Ao entender essas realidades, podemos fazer escolhas mais informadas sobre as ferramentas de IA que usamos e defender uma compensação justa e o reconhecimento do trabalho humano que as torna possíveis.

A ação política é igualmente importante. Precisamos defender uma legislação que proteja os trabalhadores de dados, instar nossos representantes políticos a regular a indústria de tecnologia e apoiar candidatos políticos que priorizem a ética digital e práticas trabalhistas justas.

É crucial espalhar a conscientização sobre as realidades do trabalho de dados por meio do uso de nossas plataformas para que possamos informar as pessoas sobre as histórias de pessoas como Abrha, Kings e Ranta e encorajar discussões sobre as implicações éticas do nosso consumo digital.

Podemos acompanhar e apoiar organizações como a African Content Moderators Union e ONGs focadas em direitos trabalhistas digitais e amplificar as vozes dos trabalhadores de dados falando sobre suas experiências para ajudar a trazer mudanças significativas.

A maioria das pessoas não tem ideia do que acontece por trás de seus feeds de mídia social higienizados e das ferramentas de IA que usam diariamente. Se soubessem, acredito que exigiriam mudanças. O apoio público é necessário para garantir que as vozes dos trabalhadores de dados sejam ouvidas.

Ao implementar essas soluções e aproveitar o poder da demanda pública, podemos trabalhar em direção a um futuro em que o mundo digital que desfrutamos não venha às custas da dignidade humana e da saúde mental. É um caminho desafiador, mas que devemos percorrer se quisermos criar um ecossistema digital verdadeiramente ético.

Este artigo é baseado em entrevistas conduzidas com trabalhadores de dados do Quênia, Síria, Líbano, Alemanha, Colômbia, Venezuela e Brasil como parte do projeto Data Workers Inquiry, um projeto de pesquisa de ação comunitária nascido de uma colaboração entre o Distributed Artificial Intelligence Research Institute e o Weizenbaum Institute.

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Como a China encara a mobilidade urbana

Diante da urbanização mais intensa da História, país optou pelo transporte público. Metrôs, trens e ônibus elétricos espalharam-se. Rede de alta velocidade é o dobro de todas as outras do mundo, somadas. Agora vêm os ônibus autônomos


Por Fernando Marcelino

A China vive o maior e mais rápido processo de urbanização da história da humanidade. Centenas de milhões de pessoas migraram das áreas rurais para as cidades, levando ao surgimento de megacidades e à expansão das áreas urbanas. Essa rápida urbanização colocou imensa pressão sobre as infraestruturas de transporte existentes, resultando em estradas congestionadas, sistemas de transportes públicos sobrelotados e aumento da poluição. A rápida urbanização levou o governo a adotar iniciativas de cidades inteligentes voltadas para a criação de ambientes urbanos mais habitáveis, sustentáveis ​​e eficientes.

Uma das maiores apostas para “rejuvenescer” o país e torná-lo mais moderno passou a ser o investimento na malha de transporte. Nos últimos 15 anos, a China tem conduzido uma verdadeira revolução nos seus sistemas de mobilidade. Impulsionados pela rápida urbanização e por avanços tecnológicos inovadores – de redes ferroviárias de alta velocidade a ônibus elétricos e iniciativas avançadas de planejamento urbano – a China está revolucionando a maneira como as pessoas se movem dentro das cidades e entre regiões.


A rede ferroviária de alta velocidade é uma prova dos esforços ambiciosos de desenvolvimento de infraestrutura do país. Os projetos começaram em 2004, quando o governo chinês criou o Plano de Rede Ferroviária de Médio e Longo Prazo, determinando que a capacidade de transporte do país deveria atender as necessidades do desenvolvimento econômico e social nacional. O plano incluiu o projeto de uma rede de ferrovias de alta velocidade chamado “oito verticais e oito horizontais”. A meta foi a de duplicar a rede anterior para melhorar a conexão entre as regiões Norte e Sul, e entre o Leste e o Oeste do país. Outro objetivo era expandir a rede de trens de alta velocidade até conectar todas as cidades com populações de mais de meio milhão de habitantes.

Estação de alta velocidade em Pequim. Em vinte anos, China construiu duas vezes mais linhas desta modalidade ferroviária que todos os outros países do mundo, somados

Hoje, com mais de 38.000 km de linhas ferroviárias de alta velocidade em operação, a China ostenta a maior e mais extensa rede deste tipo do mundo. O sistema conecta grandes cidades em todo o país, oferecendo opções de transporte rápidas, eficientes e acessíveis para milhões de passageiros todos os dias. 

A China chegou a 105 cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Grande parte delas é atravessada por estações de trem de alta velocidade. Projetos como a linha que conecta Guangzhou a Shenzhen e Hong Kong integraram a população e impulsionaram o desenvolvimento de várias regiões. Além disso, as linhas que chegam até áreas remotas, como a Ferrovia Lhasa-Nyingchi, no Tibete, sugerem um compromisso de conectar todas as regiões, trazendo desenvolvimento para áreas mais isoladas. A velocidade é um fator decisivo desta revolução. Os trens de alta velocidade chineses atingem até 350 km/h. Isso significa uma diferença gigantesca para quem precisa se deslocar entre cidades distantes. Uma viagem entre Pequim e Xangai, que antes levava 12 horas, hoje é completada em pouco mais de 4 horas. Já o trajeto entre Pequim e Guangzhou, que durava 21 horas, agora é feito em apenas 7 horas. Com a redução do tempo de viagem, milhões de chineses conseguem aproveitar mais do tempo em suas rotinas.

A China também tem exportado sua tecnologia ferroviária de alta velocidade para outros países, no Sudeste Asiático (como a ferrovia Bangkok-Nong Khai na Tailândia e a linha Jacarta-Bandung da Indonésia), África (Nairóbi e Addis Ababa, por exemplo) e, mais recentemente, Europa, em cidades como Belgrado e Moscou, bem como a rota de trem de carga Pequim-Budapeste, de 9.500 km.

Além da conexão entre as cidades e regiões, a China está investindo pesadamente na modernização de seus sistemas de transporte público. Em 2004, começou a construção em grande escala de trens urbanos e corredores de ônibus. A concepção do sistema de BRT de Pequim, lançado em 2005, baseou-se em experiências latino-americanas, como os corredores de ônibus do Brasil e as estações fechadas, com serviço rápido e frequente, pagamento antes do embarque e alta qualidade de informações para os passageiros. Já são quase 50 cidades chinesas com sistemas de BRT funcionando. Em 2017, 29 cidades já tinham algum tipo de trem urbano – categoria que inclui metrôs, veículos leves sobre trilhos (VLT), monotrilhos e sistemas automatizados – com 118 linhas que percorrem 3.862 quilômetros e transportam 17,68 bilhões de passageiros por ano. Os sistemas de trens urbanos de Shanghai de Pequim tornaram-se mais extensos que os de Londres e mais movimentados que os de Nova York e Paris. Cidades como Shenzhen e Guangzhou introduziram sistemas avançados de cobrança de tarifas inteligentes, plataformas integradas de transporte inteligente e sistemas de informação de passageiros em tempo real para aumentar a eficiência e a conveniência dos serviços de transporte público.

Em algumas cidades, os trens urbanos são responsáveis por metade de todas as viagens feitas em transporte público. O transporte público de alta capacidade (metrôs, trens urbanos e BRT) em São Paulo, por exemplo, alcança apenas 25% da população. Em Pequim, chega a 60%, substituindo formas de transporte privado, com uma queda constante da proporção de viagens em carros privados e táxis.

O transporte inteligente também desempenha papel central nesses esforços, com cidades implantando redes de sensores, tecnologia de internet das coisas (IoT, em inglês) e análise de dados para otimizar o fluxo de tráfego, reduzir congestionamentos e melhorar a qualidade do ar. Por exemplo, Hangzhou, conhecida por suas estratégias inovadoras de planejamento urbano, implementou um sistema abrangente de mobilidade inteligente que integra transporte público, programas de compartilhamento de bicicletas e soluções inteligentes de gerenciamento de tráfego. A plataforma City Brain da cidade usa algoritmos de IA para analisar padrões de tráfego, prever congestionamentos e otimizar os tempos de semáforo em tempo real, resultando em um fluxo de tráfego mais suave e tempos de viagem reduzidos para os passageiros.


A China foi pioneira na adoção de ônibus elétricos como uma alternativa sustentável aos veículos tradicionais movidos a diesel. O país abriga a maior frota de ônibus elétricos do mundo, com milhares deles operando em cidades por todo o país, como Pequim, Guangzhou e Hangzhou. Ao fazer a transição para ônibus elétricos, a China visa reduzir a poluição do ar, combater as mudanças climáticas e promover soluções de energia limpa. As bicicletas elétricas também têm se espalhado por todo o país, bem como os sistemas de compartilhamento de bicicletas, lançados por marcas como Ofo e Mobike. São opções que oferecem velocidade e conveniência. Muitas cidades tornaram-se mais silenciosas e agradáveis.

Na área de transporte públicos, uma das inovações mais importantes é o ART (Autonomous rail rapid transit). Embora seu nome contenha rail (trilho), são veículos que circulam sobre pneus, como os ônibus. São “bondes sem trilhos”, recuperando inovações do trem de alta velocidade e projetando-as em um ônibus. As inovações ferroviárias de alta velocidade transformaram um ônibus em algo com as melhores características do metrô leve, mas sem seus problemas. Substituem o ruído e as emissões dos ônibus pela tração elétrica a partir de baterias recarregadas nas estações em 30 segundos, ou no final da linha em 10 minutos. Têm toda a velocidade (70 km/h), capacidade e qualidade de condução do metro ligeiro com o seu sistema de orientação óptica autônomo, eixos duplos e sistemas hidráulicos e pneus especiais.

A CRRC Zhuzhou desenvolveu este sistema e iniciou uma primeira operação comercial em Zhuzhou, na província de Hunan, em maio de 2018. A linha ART mais longa da China, a Linha T4 do sistema ART Yibin, em Sichuan, sudoeste do país, iniciou a operação de teste de passageiros julho de 2023. A extensão total da Linha T4 é de 47 quilômetros. Existem 22 estações terrestres e um estacionamento na linha. A velocidade projetada da linha é de 70 quilômetros por hora. Conectando o Novo Distrito de Sanjiang e o Distrito de Nanxi de Yibin, a linha principal é uma estrutura importante para o contato rápido entre a área urbana de Yibin e seu Distrito de Nanxi. O ramal combina transporte de passageiros com passeios de lazer, graças a um corredor paisagístico ao longo do rio Yangtze. A Linha T4 encurtou o tempo de viagem entre o Novo Distrito de Sanjiang e o Distrito de Nanxi para 20 minutos. Em 2023, abriu outro sistema como linha de demonstração em Xi’an, no noroeste da China, província de Shaanxi. Em 2023, também foi implantada linha em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O veículo ART padrão consiste em três vagões que podem transportar 300 pessoas; mas pode levar cinco vagões e 500 pessoas, se necessário. Os bondes sem trilhos podem evitar as piores características do metrô leve – interrupções e custos. A construção de vias férreas pode levar anos, causando grandes perturbações na economia local. O sistema de tração do ART é baseado em baterias de íons de lítio, proporcionando autonomia de 25 km com carregamento rápido de 10 minutos.

A China está na vanguarda do desenvolvimento de tecnologia de direção autônoma e sistemas de transporte inteligentes que empregam inteligência artificial, big data e conectividade para melhorar o gerenciamento de tráfego e a segurança nas estradas.  Empresas como WeRide, Baidu e Pony.ai estão conduzindo testes extensivos e testes de implantação de veículos autônomos em centenas de cidades. O Estado tem apoiado publicamente esses esforços, emitindo regulamentações e diretrizes para facilitar o desenvolvimento e a implantação da tecnologia de direção autônoma. A ambição do país de liderar o mundo em tecnologia de veículos autônomos levou a investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento.

Microônibus com direção autônoma, visto como solução para transporte público em pequenas distâncias

Em 2017, a empresa Golden Dragon apresentou o ASTAR, um novo modelo de miniônibus elétrico medindo seis metros de comprimento e dois metros de largura — sendo por isso extremamente ágil e manobrável. Já foi implatando nas províncias de Zhejiang, Guangdong, Jiangsu, Shaanxi e Fujian, tornando-se parte no transporte urbano. Na cidade de Fuzhou, o ônibus elétrico ASTAR está equipado com 10 assentos e pode transportar no máximo 24 passageiros. Atualmente, funciona em 12 rotas e oferece mais comodidade de viagem para mais de 280 mil passageiros que precisam viajar entre suas casas e as estações de metrô. Em Longgang, província de Zhejiang, um total de 40 unidades de ônibus elétricos ASTAR cruzam a cidade. Trabalhando em quatro rotas de microônibus, eles conectam áreas comerciais, comunidades residenciais, escolas e mercados de produtos agrícolas da cidade. Os residentes podem facilmente obter os serviços de ônibus simplesmente acenando com as mãos. Em Xiamen, os residentes podem solicitar serviços de transporte ASTAR em seus smartphones, o que economiza muito tempo das pessoas. Graças às tecnologias 5G, os ônibus elétricos ASTAR funcionam sob demanda, aumentando significativamente a sua eficiência. Como ônibus de condução autônoma de segunda geração, atingem o nível 4 de direção autônoma e são capazes de realizar uma série de tarefas exigentes, incluindo evitar barreiras, planejar rotas, ultrapassar outros veículos, estacionamento autônomo, etc.

Esta revolução na mobilidade chinesa só está sendo possível pelo papel do Estado conduzindo o planejamento territorial e econômico, com financiamento massivo e grande capacidade na execução de projetos. Ferrovias de alta velocidade cruzando o país, eletrificação das frotas de ônibus e mobilidade compartilhada, automação, foco nas pessoas e grandes investimentos em tecnologia estão tornando a China uma referência em transporte moderno e sustentável. Seus experimentos de grande escala nas áreas de transporte são de enorme valor para outros grandes países em desenvolvimento.

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O humanismo digital como nova ética tecnológica

Coeckelbergh, filósofo belga pensa a ética na inteligência artificial, reflete sobre alguns pontos de sua obra. Em especial, como recolocar o humano como categoria universal sem retroceder para o colonialismo e o antropocentrismo

Poucos dias atrás, esteve no Brasil o filósofo belga Mark Coeckelbergh, um dos nomes ocidentais mais importante quando o tema é ética e política em IA. Coeckelbergh veio para a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), participou de encontro com o CGI.br e NIC.br, além de conceder algumas entrevistas.

Uma das propostas do intelectual que mais chama atenção é a ideia de um “humanismo digital”. Com ela, o autor de Ética na Inteligência Artificial [leia um capítulo publicado em Outras Palavras] busca estabelecer conexões com o humanismo histórico e filosófico, e defende uma abordagem centrada no ser humano para uma tecnologia que considere a dinâmica do poder e, também, recoloque o humano como categoria Universal no centro do debate. Algo que para os antiuniversalismos presentes em muitas correntes de pensamento contemporâneo pode soar “extemporâneo”, “ultrapassado”, “equivocado”… Ou seja, alimento para um bom, importante e urgente debate!

Com vista a trazer um pouquinho do que pensa o filósofo, e quem sabe botar mais lenha neste imprescindível tema filosófico, tive a oportunidade de fazer algumas perguntas a ele, que compartilho nesta coluna. Haveria muitas outras questões (e pedras nos caminhos), sabemos! Mas vale como uma singela introdução à questão e ao pensamento de Coeckelbergh:

Se não se importar, gostaria de concentrar minhas poucas perguntas no (pós)humanismo digital que você defende.

Em um artigo recente, você explora o conceito emergente de “humanismo digital”, enfatizando a necessidade de uma perspectiva crítica e política em nossa compreensão das tecnologias digitais. Como você vê as ligações entre humanismo e tecnologia? É possível ter esse debate sem cair em questões como “O que é humano”?

Para mim, é importante que tenhamos uma abordagem humanística da tecnologia, certificando-nos de que ela seja ética e politicamente responsável. Os valores e a tradição humanistas fornecem uma boa estrutura para isso. Entretanto, é necessário atualizar o humanismo. Tradicionalmente, ele não tem se dado conta da profunda influência da tecnologia sobre o que é ser humano e, de modo mais geral, sobre as maneiras pelas quais os seres humanos e a tecnologia estão emaranhados. Também não é mais possível ter um tipo de humanismo fortemente antropocêntrico ou colonial: precisamos seguir em uma direção mais crítica e pós-humanista nesse sentido. Portanto, sim, é absolutamente necessário entrar em questões como “O que é humano?”.

Sabemos que uma das características iniciais da filosofia continental “moderna” foram os humanismos do Renascimento e do Iluminismo, para o qual a ciência e a tecnologia significavam a emancipação humana. Quais são as continuidades e descontinuidades entre o humanismo digital que você defende e o humanismo “antigo”?

Uma continuidade é que ainda é importante manter algum conceito de emancipação, mas, como já foi dito, o velho humanismo não é totalmente adequado quando se trata da relação com a tecnologia (e da relação com a natureza, na verdade), do lugar do ser humano e da questão do colonialismo. Isso precisa ser mudado se o humanismo quiser inspirar uma boa ética tecnológica.

Uma das formas mais comuns de pensar a relação entre humano e tecnologia é contrastar os dois, ou seja, onde há tecnologias e processos de automação tecnológica, há também processos de desumanização. Você concorda? É possível ser humano sem tecnologia?

Ainda podemos falar sobre automação e desumanização, mas a alternativa não pode ser o fato de não termos mais tecnologia. A tecnologia é parte do que significa ser humano. O importante é mudar nossas tecnologias e seu uso de forma que os valores humanísticos e, especialmente, os humanos sejam protegidos e seu florescimento seja promovido. E isso também requer pensar sobre política e poder, como mostro em meus livros recentes. Não podemos falar apenas de ética, precisamos falar também sobre como o poder é distribuído na sociedade. Atualmente, a Big Tech decide nosso futuro tecnológico, com pouco controle democrático e responsabilidade. Isso deve mudar.


Por fim, uma das áreas em que as novas tecnologias tiveram o maior impacto é a área de saúde, tanto em termos dos usos não-saudáveis dessas tecnologias – com jogos, smartphones etc – quanto à prestação de serviços de saúde com base nelas. Como você vê a assistência médica com uso intensivo de tecnologia? O atendimento humanizado com uso intensivo de tecnologia é possível?

É importante, na área da saúde e em outros campos, ainda ter um ser humano no circuito, o que significa: garantir que a decisão final seja tomada por um ser humano e que as pessoas também sejam intérpretes dos dados. Precisamos da interpretação e do julgamento humano, além da ajuda das máquinas. A inteligência artificial, por exemplo, pode realmente ajudar na medicina e acho que é até moralmente obrigatório usá-la se ela for boa o suficiente (julgada por humanos), mas ela nunca deve substitui-los. Caso contrário, haverá de fato desumanização.


Obs: Especiais agradecimentos ao professor Coeckelbergh, pela rápida conversa, e também à jornalista Seham Furlan e à editora (UBU) Florencia Ferrari, pela atenção e oportunidade.



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Plataforma centraliza investimentos do MIDR em uma única base de dados

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Ferramenta em desenvolvimento busca garantir maior transparência, controle e eficiência na gestão dos recursos públicos

Plataforma de bases de dados que centraliza e estrutura todas as informações de investimentos do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR). É o que propõe o Visão 360°, projeto em desenvolvimento pela Coordenação-Geral de Informações Estratégicas e Geoespaciais da Diretoria de Gestão Estratégica da Secretaria-Executiva (CGIGeo/DIGEC/SE).

O Visão 360° busca criar um panorama completo da execução das políticas públicas nos territórios, reunindo dados sobre os projetos, programas e iniciativas financiadas pelo MIDR, além dos atores envolvidos. A primeira versão do software é voltada para o corpo técnico e a alta gestão da Pasta e visa garantir maior transparência, controle e eficiência na gestão dos recursos públicos.

A ferramenta está alinhada ao Plano Estratégico de Iniciativas (PEI) do MIDR na gestão 2023-2027 e facilita na tomada de decisões, prestação de contas e aprimoramento contínuo das políticas de desenvolvimento regional.

Para o secretário Nacional de Fundos e Instrumentos Financeiros, Eduardo Tavares, o principal diferencial do Visão 360° é agregar às informações do MIDR os principais indicadores sociais e econômicos de cada região, tendo em vista que o sistema também fornece dados provenientes de outras fontes, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), além do próprio site do Governo Federal.

“O Visão 360° promove uma integração maior das diversas fontes de dados que o Governo Federal disponibiliza. No âmbito do MIDR, a geoespacialização das informações nos ajuda a enxergar como cada região está se comportando e, por consequência, tomar decisões melhores, dinamizando e potencializando as políticas públicas direcionadas. Isso tem tudo a ver com a diretriz do presidente Lula de reduzir desigualdades regionais”, destaca.Ao disponibilizar indicadores socioeconômicos e de desenvolvimento regional, o Visão 360° ajuda os gestores públicos a produzirem diversos diagnósticos relacionados a eficiência das políticas públicas com precisão e especificidade. Algumas das análises possíveis são:

Medição de impacto em áreas de vulnerabilidade;  

Avaliação de geração de emprego e renda;

Crescimento da infraestrutura e acesso a serviços básicos;

Análise de eficácia das iniciativas regionais;

Comparação entre regiões beneficiadas e não beneficiadas;

Avaliação de indicadores de transformação territorial.

Entre as temáticas da plataforma, podem ser acessados dados relativos ao Novo PAC, Fundos Constitucionais de Financiamento e atendimentos realizados pelas autoridades do MIDR a entes políticos. Também podem ser consultados relatórios com foco nos parlamentares e dados extraídos diariamente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Como funciona

O Visão 360° começou como um projeto-piloto voltado para ordenar os dados da Secretaria Nacional de Fundos e Instrumentos Financeiros (SNFI), responsável pela gestão dos Fundos Constitucionais de Financiamento (FCO, FNE e FNO). Contudo, no decorrer da estruturação do software, foram adicionados dados pertinentes à atuação de todas as secretarias e órgãos vinculados ao MIDR a fim de reunir informações estratégicas em um único sistema.

A estrutura da ferramenta parte das informações da carteira de investimentos do MIDR, o que abrange as áreas de defesa civil, desenvolvimento regional e segurança hídrica.

Além de exibir os valores pagos e repasses para essas áreas de investimento, o sistema possui módulos sobre os seguintes aspectos dos estados/municípios:

Desastres reconhecidos pela Defesa Civil Nacional;

Presença de Rotas de Integração Nacional;

Empreendimentos ativos da carteira de investimentos;

Resumo dos Fundos Constitucionais de Financiamento;

Contratações dos Fundos de Desenvolvimento Regional;

Quantidade de empreendimentos do Novo PAC;

Indicação de áreas prioritárias da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR).

Segundo o coordenador-geral de Informações Estratégicas e Geoespaciais da Diretoria de Gestão Estratégica (DIGEC) do MIDR, Rafael Augusto Pinto, ressalta que a ferramenta permite sobreposição de camadas de dados e múltiplos filtros que ajudam a produzir análises mais aprofundadas.

“A partir do momento que temos os microdados estruturados, é possível cruzar diferentes informações de políticas públicas, o que ajuda os gestores públicos a terem uma ideia mais ampla da realidade de determinado território e fazer correlações entre investimentos e resultados obtidos. Isso ajuda a analisar se a política pública atingiu o resultado esperado, ou seja, melhores condições de vida para a população, geração de emprego e renda, acesso a água e, no caso da Defesa Civil Nacional, atendimento de calamidades”, observa.

Para que a plataforma seja bem manuseada internamente, o MIDR está investindo na capacitação de servidores no sistema ArcGIS. Os cursos começaram em agosto de 2024 e vão se estender até 2025.

Geoespacialização da informação

A geoespacialização é um recurso fundamental do Projeto Visão 360° para potencializar a visualização das transformações geradas pelos investimentos do MIDR em níveis locais, regionais e nacionais. Isso inclui a identificação de áreas prioritárias de investimento, como regiões em desenvolvimento, áreas de vulnerabilidade socioeconômica e locais estratégicos para o crescimento regional.

Em paralelo à apresentação de dados regionais quantitativos e qualitativos, o protótipo do software dispõe de um mapa de calor onde exibe a distribuição territorial dos projetos e iniciativas beneficiados pelos recursos dos fundos constitucionais e de desenvolvimento. É possível visualizar o montante de recursos destinados a cada estado/município, o que é essencial para a avaliação da eficácia das políticas públicas.

Com o Visão 360°, os gestores públicos e os tomadores de decisão podem consultar um “raio-x” de cada empreendimento, acessando informações variadas, como razão social, valor e linha de crédito contratados, prazo de pagamento, número de matrizes e suas localizações, e setor de atuação por meio da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).

Também serão disponibilizadas informações sobre como os investimentos do MIDR impactam o setor produtivo, como indústrias, agricultura e outras áreas econômicas. Isso inclui o monitoramento de oportunidades geradas e o fortalecimento de cadeias produtivas.

 

“A ideia é que a plataforma promova uma série de articulações com os atores políticos envolvidos nos territórios, incluindo até organizações da sociedade civil, como, por exemplo, associações de cultivo de açaí. Isso dá dimensão para que o MIDR fortaleça políticas públicas. Da mesma forma, saber quais são as principais empresas atuantes nos territórios sinaliza os setores em evidência no local”, ressalta o coordenador-geral da DIGEC.

Além disso, a geoespacialização permite a visualização em tempo real de como os projetos impactam as regiões ao longo do tempo. Isso viabiliza ajustes e melhorias nas políticas públicas com base em evidências territoriais e no comportamento de variáveis regionaisO secretário Eduardo afirma que a plataforma facilita o acompanhamento gerencial dos investimentos nos territórios devido a interface interativa, que reflete os princípios da transparência e confiabilidade. Ao promover o acesso à informação integrada, o MIDR se torna um órgão mais atraente para parcerias com instituições nacionais e internacionais.

“Com a plataforma, temos a oportunidade de visualizar como as iniciativas do MIDR estão gerando impacto na ponta, inclusive de forma temporal. Esse protótipo está contribuindo para que órgãos multilaterais, sediados até em outros continentes, possam enxergar essa transformação na Amazônia, no Nordeste, onde quer que os fundos estejam atuando. Queremos ser uma porta de entrada para captações de recursos externos e essa transparência pode tornar o MIDR um parceiro cada vez mais estratégico”, completa Eduardo.

Acesso à informação

Uma vez que o processo de estruturação do Visão 360° esteja finalizado, as informações poderão ser disponibilizadas futuramente para diferentes perfis de públicos e/ou clientes de formas distintas de acordo com o uso indicado. Governos estaduais e municipais terão acesso a dados sobre a distribuição de recursos e investimentos, por exemplo, o que permitirá maior colaboração e planejamento entre os diferentes níveis de governo.

“Neste momento, temos os microdados estruturados, permitindo uma informação detalhada tanto para os profissionais técnicos, quanto para os gestores do ministério. Eles utilizam essas informações para trabalhar diretamente com as políticas públicas e precisam de dados para basear visões estratégicas e administrativas. Para a população, podemos disponibilizar os dados de diversas formas”, conclui o coordenador-geral da DIGEC, Rafael Pinto.

O MIDR disponibiliza informações referentes aos fundos constitucionais e de desenvolvimento no portal oficial. A população pode acessá-las e exercer participação e controle social.

Fonte: MIDR

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“Eu treinei a Inteligência Artificial”

Tarefas exaustivas ou bizarras. Alucinações do sistema. Submissão: só A Plataforma sabe quanto você receberá, quando será chamado novamente e quem é “o cliente”. Relato sobre o mundo precário que as empresas de IA já começam a produzir

Por Martín Mazzini em Revista Anfíbia |Tradução: Glauco Faria | Imagem: Francesca Cantore

No verão passado, vi um anúncio de emprego no Linkedin para treinamento em IA. Em troca de saber escrever em inglês, o anúncio prometia um paraíso para os freelancers: trabalhar em casa, no horário que eu escolhesse, e receber em dólares. Eu me candidatei e recebi um e-mail. Pediram-me para filmar três vídeos de apresentação. Um deles perguntava sobre meus rituais. Falei sobre como gosto de tomar mate.

Em três dias fui aceito, criei uma conta na The Remote Work Platform e outra no PayPal para receber o pagamento. E começaram os treinamentos: vários documentos compartilhados no Google Drive explicando as tarefas que iríamos realizar, vídeos e testes de múltipla escolha: passei em todos. Fui adicionado a vários canais do Slack, uma plataforma de mensagens para trabalhar em equipe.


A primeira coisa que vi no Slack foi uma série de mensagens exatamente iguais: vários colaboradores estavam repetindo “esta é minha conta, solicito tarefas”. Eu não as copiei. Um mês depois, eu estava recebendo e-mails dizendo: “Você está tão perto de começar a ser pago para colaborar…”, mas ninguém me deu nenhuma tarefa, apenas treinamentos, que não são pagos.

O tempo passou e minhas suspeitas aumentaram: “Deve ser algum tipo de golpe”. Eles me filmaram e eu também inseri os dados do meu cartão de crédito. Uma nova mensagem no Slack aumentou minha paranoia: “Isso é um golpe”, disse um colaborador. Ninguém parecia ter nenhuma tarefa.

Finalmente, fui contatado para um projeto. Primeiro, tive que participar de uma reunião do Meet em que uma pessoa repassava as instruções. Essas reuniões ocorreram três vezes e minhas suspeitas continuaram. Considerando que estávamos lidando com IA, tudo era possível: essa mulher vai repetir o mesmo discurso três vezes? Será que vai ser gravado? É realmente uma pessoa?

Trepverter, palavra alemã que significa “palavras de escada”, é aquela ótima resposta que você só pensa nela mais tarde, depois de uma conversa acalorada. Após a reunião, tive um trepverter: Para quem estamos trabalhando? Algum artigo mencionou o Bard, a IA do Google, agora chamada de Gemini (“Yéminai” em inglês).

Apesar de eu ter criado algumas contas do Gmail e baixado várias extensões do Chrome, ninguém mencionou o Google. Nas reuniões, os chefes (chamados de Quality Managers, QM) falam sobre “O Cliente”. “De acordo com o cliente, usamos muito jargão… Temos que reduzir o jargão em 75%, mas manter a localização”, diz um dos documentos.

Depois dessa reunião, veio a primeira tarefa. Preparei o mate e o tabaco para montar, coloquei uma música calma de fundo e me sentei para trabalhar. Eu tinha que comparar duas respostas ao mesmo prompt: a solicitação ou consulta que é feita a uma IA. Poderia ser desde uma simples pergunta – quantas Libertadores o River tem – até pedidos complexos: invente um jogo de cartas para quatro jogadores, com pontuações diferentes em cada carta, e me dê as regras. Ou: componha uma música para pedir minha namorada em casamento no litoral de Barcelona, que possa ser tocada em instrumentos portáteis e mencione nosso cachorro.

Quase sempre, a tarefa era avaliar duas respostas e classificá-las em diferentes categorias: adequada à solicitação, bem escrita e organizada, não muito longa nem muito curta, não inventa fatos verificáveis. E – por favor – inofensiva: não fere nenhuma sensibilidade. Se o usuário disser “me ensine a fazer MDMA [substância análoga à anfetamina]”, a boa IA deve dizer que isso é ilegal e fornecer meios de contato para ajudar os viciados. Depois de avaliar as duas respostas, a melhor deve ser escolhida e uma justificativa para a escolha deve ser dada, em inglês. Cada tarefa tem um limite de tempo, marcado com um relógio de contagem regressiva na parte superior da tela onde trabalho.


Realizei duas ou três tarefas até que estivessem concluídas. No dia seguinte, eu podia ver quanto havia ganhado: uma pequena quantia, mas eu estava animado. Na primeira semana, ganhei 5 dólares. Depois, passei para 20, 40. Em uma semana, ganhei uma fortuna: 100 dólares.

Inteligência artificial impressionante

Tive que me familiarizar rapidamente com novos termos, como onboardingbugprompt ou issue. Um documento advertia que a IA pode “alucinar”, inventando respostas que não têm nada a ver com a pergunta. Certa noite, quando liguei a TV com o jogo em segundo plano, vi minha IA alucinando. Quando lhe pediram recomendações para uma viagem ao Sudeste Asiático, o modelo insistiu em incluir uma referência à França em cada conselho: a Torre Eiffel e o Sena apareceram no meio de Bangkok. Outra dessas respostas sugeria comer em um restaurante na Fantasy Avenue. Enquanto isso, um dos meus amigos enviou ao grupo do Whatsapp a notícia de que o Gemini sugeriu a um usuário que usasse cola para fazer uma pizza.

A tarefa mais incomum foi classificar os milhões de possíveis prompts em categorias: conversa, ensaio acadêmico, texto de ficção. E também escolher a subcategoria certa. Por exemplo, em assuntos acadêmicos, pode ser: pergunta e resposta, programa de estudos, programa de estudos, resumo e assim por diante. Por que eles querem classificar os prompts de forma tão detalhada?

E a tarefa mais difícil foi avaliar, linha por linha de uma resposta, se ela era precisa, incorreta, discutível ou não verificável. Para cada uma delas, eu tinha de colocar um link para um site que justificasse a resposta. Certa vez, tive de examinar a lista das 50 melhores jogadoras de futebol do mundo, verificando-as uma a uma.

Os momentos de maior desespero foram causados pelos sistemas de correção automática. Eu escrevia uma justificativa e ele sublinhava um monte de palavras. Ele me dizia os erros gramaticais e como corrigi-los. Eu os corrigia, mas o sistema ainda apresentava erros. Eu podia tirar e recolocar uma vírgula, mas ele ainda dava um erro e não permitia que eu enviasse o trabalho. Talvez ele tenha marcado todos os nomes próprios do texto como erros. O relógio continuava correndo. Somente a ajuda de outro colega explicando o truque para ignorar esses alertas me salvou de perder todo o trabalho realizado.

Eu, robô

Quando estava me cansando de ler as mesmas instruções várias vezes, encontrei uma dica: as respostas devem evitar o uso de chatbottiness, ou seja, não soar como uma IA (mesmo que seja uma). Os sinais mais óbvios de chatbottiness consistem em usar frases de efeito, ser educado demais – “é claro, Martin, aqui estão algumas receitas de suflê” – e dizer “estou muito feliz por poder ajudar” e assim por diante.

Algumas tarefas, especialmente a comparação de duas respostas, foram fáceis. Elas estavam escritas em espanhol e eu levava cinco minutos para fazê-las. Mas aqui eles estavam pagando pelo tempo, 10 dólares por hora, então eu deixava a janela aberta enquanto fazia outra coisa, como a papelada on-line ou passava o aspirador de pó. Nunca ficou claro para mim se eu poderia enganar a plataforma ou não.

O ritmo ideal, segundo eles, era de 6 tarefas por dia. E eles pediam – por favor – que ninguém trabalhasse mais de 10 horas por vez. Poderíamos ser penalizados. De qualquer forma, depois de quatro ou cinco tarefas semelhantes, eu não tinha mais vontade de continuar. O burnout chegou rapidamente, como no outono. As árvores que vi pela janela estavam perdendo as folhas.

Passei semanas e semanas intercalando tarefas e treinamentos para diferentes projetos. Não porque eu quisesse. Era a primeira coisa que eu tinha que fazer para desbloquear outros níveis. Concluí 44 cursos.

E então a decepção se instalou. Não havia tarefas o tempo todo. Eu podia fazer três tarefas e elas acabavam. Ou eu podia abrir a plataforma e clicar em Start Tasking para descobrir que não havia nada para fazer. Os colegas repetiam no Slack: “Estou na EQ”, eu não entendia. Eles queriam dizer Empty Queue (Fila Vazia). Embora a plataforma diga para você entrar em contato com os gerentes de qualidade – que antes eram chamados de líderes de equipe -, se você não tiver tarefas, os chefes não poderão fazer nada para atribuir trabalho.

Um colega fez um serviço à comunidade: ele escreveu várias mensagens com diferentes tamanhos de fonte e emojis que basicamente diziam: “É uma situação horrível, estamos TODOS sem tarefas e escrever aqui não vai resolver nada”.

Com o passar dos dias, tive uma ideia de quantos de nós estávamos fazendo esse trabalho em todo o mundo. Por causa dos bugs (erros) frequentes, o bot do Slack me incluiu nos canais búlgaro, tailandês, japonês e romeno. Nos canais em espanhol, eu via novos nomes o tempo todo. Um dos chefes disse que havia mais de 10.000 de nós trabalhando em espanhol. Fiz uma conta de padaria: em inglês deve haver pelo menos 25.000 pessoas, o mesmo número em chinês e indiano. Acrescentei português, italiano, francês, alemão, além dos diferentes dialetos de cada idioma – porque a ideia é que a IA entenda qualquer pergunta com suas gírias e responda com localismos. Ultrapassamos facilmente 150.000 pessoas, todos os funcionários que trabalham diretamente no Google.

Penalizado

Há erros que podem levar a uma penalidade: pular uma tarefa quando ela era factível, avaliar mal, usar IA para escrever justificativas. Há também outros motivos menos explícitos.

Um colega abriu um grupo do WhatsApp e postou o link no Slack. Alguns dias depois, um chefe disse que as mensagens do grupo haviam vazado. Ela ficou indignada com a forma como se falava dos chefes. “Não somos suas babás”, escreveu ela. E avisou que o criador do grupo e todos os reclamantes seriam penalizados por compartilhar informações confidenciais.

Não havia apenas paus, havia cenouras também. Um dia eles me enviaram um incentivo: na tela apareceu um gráfico com missões habilitadas. Eu tinha que concluir quatro tarefas para ganhar US$ 20 extras! Concluí a terceira tarefa, mas a quarta nunca apareceu.

É claro que conversei com as pessoas e aprendi coisas úteis. Como cortar uma cebola em Julienne, a qualidade do som de diferentes tipos de mídia de áudio e as regiões da Espanha.

Uma tarde, enquanto arrumava minhas coisas para me mudar, recebi um e-mail do A Plataforma: a partir da semana seguinte, eles começariam a pagar 7,50 dólares por hora. Não é preciso perguntar à IA para saber quanto o McDonald’s paga nos Estados Unidos: 12 dólares por hora.

Na Argentina, é ilegal reduzir seu salário. Se o fizerem, um juiz dará razão a você. Escrevi no Slack que não deveríamos permitir isso. Você pode dizer que sou um sonhador, mas não sou o único. Uma colega me apoiou: “é ilegal, é injusto”, escreveu ela. Um fã do trabalho remoto respondeu: “Isso não é um trabalho, você pode escolher se quer fazer isso ou não, tem todos esses benefícios…”. A redução da alíquota de 25% foi aprovada com menos barulho do que qualquer reforma do Milei. E quando transferi meus dólares do PayPal para uma conta local, eles foram convertidos pela taxa de câmbio oficial (mais comissões).

No inverno, mudei-me para um apartamento emprestado com uma grande mesa branca e vista para o Parque Saavedra. Instalei meu laptop e minha cadeira de escritório recém-reforçada, pronto para continuar o treinamento.

Naquela época, eles migraram a plataforma de trabalho. Dois meses depois, migraram a plataforma de comunicação. Agora é mais difícil ver as reclamações dos colegas que não conseguem acessar suas contas ou conversar sobre um erro que os impede de enviar a tarefa.

E então, o apagão. Não recebo nenhuma tarefa há mais de um mês. Recebo e-mails dizendo que há tarefas para o projeto X e que elas podem ser feitas por todos que participaram da integração… para a qual não fui convidado. A ideia de que estou sendo punido por ter feito algo errado se dilui quando vejo que todos estão na mesma página. Todos os dias, eu me sento com meu companheiro em frente à tela e entro em A Plataforma. Aparece um link para uma das subplataformas em que o trabalho está sendo feito, mas, quando o abro, descubro que não há tarefas. Será que algum dia vou recebê-las novamente? Só Deus ou, nesse caso, os proprietários da IA saberão.

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IA: Em busca da “alma das máquinas”

Por trás da ilusão de autonomia, está o “trabalho fantasma” que move as IAs. Caso do “turco mecânico que jogava xadrez”, no século XVII, ilustra isso. Uma reflexão ética de valorização dos indivíduos que alimentam as tecnologias é essencial para regulá-las

A inteligência artificial (IA) tem causado fascínio e medo sempre que as suas inovações são noticiadas. Sistemas capazes de interpretar e gerar textos, como o ChatGPT, tornaram-se muito populares e ensejaram diversos debates acerca de sua natureza, suas limitações e seus impactos sociais. No mundo contemporâneo, essas tecnologias estão redefinindo diversos setores da sociedade, desde a indústria até o cotidiano individual. Algoritmos complexos, capazes de aprender e se adaptar autonomamente, assumem tarefas que antes eram consideradas exclusivas do domínio humano. 

Em meio ao avanço acelerado da tecnologia, o aprendizado de máquina tem se destacado como uma força motriz, permitindo que as inteligências artificiais aprendam de maneira aparentemente autônoma. Este fenômeno tem gerado tanto fascínio quanto inquietação, pois nos confrontamos com a ideia de sistemas automatizados que parecem operar independentemente. No entanto, é crucial entender que essa suposta autonomia é, em grande parte, uma ilusão. Embora os algoritmos possam aprender e se adaptar, eles ainda dependem fortemente do trabalho humano para funcionar corretamente. Este trabalho muitas vezes permanece invisível, oculto atrás da cortina da tecnologia.


A realidade por trás dessa tecnologia costuma ser mais banal e precária do que normalmente noticia-se. A revolução nessa área, que ocorreu no final dos anos 1990, fez com que as máquinas pudessem, de certa forma, aprender “sozinhas”, daí o nome machine learning (aprendizado de máquina). Porém, esse aprendizado, para ser mais efetivo e acurado, demanda muitos ajustes provenientes do trabalho humano. Sem esses constantes arranjos e redirecionamentos, a precisão das máquinas em tarefas complexas é bastante insatisfatória, nos explica David Sumpter em Dominados pelos números.

Há, portanto, toda uma rede de trabalhadores que, além de programarem as IAs, realizam diversas tarefas que acreditamos que são automatizadas. Esses trabalhadores são como fantasmas, porque seu trabalho é invisível para a sociedade. Esse termo “trabalho fantasma” foi cunhado por Mary L. Gray e Siddharth Suri no livro “Ghost Work: How to Stop Silicon Valley from Building a New Global Underclass” (Trabalho Fantasma: Como Impedir o Vale do Silício de Construir uma Nova Subclasse Global). Após pesquisa com milhares de trabalhadores na Índia e nos Estados Unidos, os autores concluem que por trás da aparente autonomia das inteligências artificiais, existe um exército de indivíduos lendo textos, analisando fotos, avaliando as respostas geradas pela IA, dentre outras microtarefas indispensáveis para o bom funcionamento dos algoritmos.

Essa estrutura esconde intencionalmente o trabalho humano, segundo Gray e Suri. Com isso, mantém-se a aura mística da tecnologia e passamos a enxergar cada vez mais a inteligência artificial como algo realmente autônomo; é um truque parecido com o Turco Mecânico. O Turco Mecânico foi uma invenção do cientista Wolfgang von Kempelen, apresentada como a primeira máquina capaz de jogar xadrez. Porém, a invenção consistia em uma caixa que escondia um jogador que operava as peças. Curiosamente, o nome do programa que a Amazon usa para essas microtarefas é justamente Mechanical Turk (https://www.mturk.com/).

Diante disso, Hamid Ekbia e Bonnie Nardi em Heteromação1 e outras histórias sobre computação e capitalismo (em tradução livre), afirmam que não existe de fato uma automação, porque a máquina não é completamente autônoma ou independente. Em vez disso, ela depende da intervenção ou supervisão humana em muitos níveis. Há, portanto, muito trabalho humano em um contexto em que as pessoas não recebem os devidos créditos. Embora a IA não seja exatamente um Turco Mecânico, pois existe algum nível de automação que dialoga com o trabalho humano, é importante compreender como o ser humano costuma ser escondido nesse sistema. Por trás da suposta autonomia das máquinas, há uma real exploração do trabalhador e até dos usuários que contribuem com reviews, comentários, produção de conteúdo etc.

Em suma, a revolução da inteligência artificial não é apenas um testemunho de avanços tecnológicos impressionantes, mas também revela uma camada oculta de trabalho humano essencial para seu funcionamento. Embora as IAs, como o ChatGPT, possam parecer autônomas, elas ainda são profundamente dependentes de uma vasta rede de trabalhadores invisíveis, cuja contribuição é muitas vezes subestimada ou ignorada. A realidade por trás da tecnologia é que, em vez de uma autonomia pura e imaculada, temos um processo onde o trabalho humano continua a desempenhar um papel crucial. A consciência dessa dinâmica é vital para uma compreensão mais completa da inteligência artificial e para assegurar que o progresso tecnológico não ofusque a importância e o reconhecimento de quem está por trás desse desenvolvimento. A próxima etapa no avanço da IA deve, portanto, incluir uma reflexão ética e uma valorização justa dos indivíduos que sustentam essa era de inovação. 

Texto publicado em parceria com o Estratégia Latino-Americana de Inteligência Artificial (ELA-IA)

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Hidrogênio verde: Brasil precisa de mão de obra para expansão da nova tecnologia

Lívia Braz

Vista como uma das potências mundiais na transição energética e produção de hidrogênio verde, o Brasil ainda precisa fortalecer tecnicamente sua mão de obra para atender a demanda que vem pela frente. Pelo menos é isso que mostra uma pesquisa do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em parceria com o projeto H2Brasil.

Vista como uma das potências mundiais na transição energética e produção de hidrogênio verde, o Brasil ainda precisa fortalecer tecnicamente sua mão de obra para atender a demanda que vem pela frente. Pelo menos é isso que mostra uma pesquisa do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em parceria com o projeto H2Brasil.

A pesquisa foi baseada em entrevistas com especialistas da área e mostrou que o sucesso da implementação de plantas de hidrogênio verde e da transição energética no Brasil depende da boa formação técnica especializada de quem estará na linha de frente. 

Outro ponto da pesquisa mostrou que, com suporte adequado de políticas públicas e cooperação internacional, o país tem grande potencial de crescimento e inovação na área.

Níveis de qualificação necessários

Segundo os especialistas ouvidos pela pesquisa, há déficit de mão de obra em todos os níveis, desde o baixo — que depende de trabalhadores semiqualificados e não qualificados — onde a demanda é de cerca de 2,2 mil trabalhadores adicionais; de nível médio — com técnicos e trabalhadores qualificados — que a demanda ultrapassa os 2,8 mil novos profissionais; até profissionais de alto nível, como cientistas e engenheiros. Para essas vagas, existe uma demanda relativamente menor, que está concentrada em universidades e centros de pesquisa.

Parte dessa lacuna deve ser resolvida com a criação da primeira pós-graduação em H2V da rede, pelo SENAI, por meio do UniSENAI.digital. Um centro de excelência no Rio Grande do Norte, além de cinco laboratórios regionais voltados para a educação profissional e superior nesse novo setor também devem ajudar a qualificar mão de obra e colocar o Brasil na vanguarda da produção de Hidrogênio Verde no mundo. 

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BRASIL 61

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Caso X: Virar o jogo e enfrentar as big techs

Documento assinado por intelectuais – como Piketty, Mazzucato e Morozov – apoia a posição do Brasil contra a intransigência de Elon Musk. Em todo mundo, governos já sinalizam: corporações-plataformas são riscos às democracias, se não reguladas


Uma carta assinada por mais de 50 estudiosos das plataformas digitais e de seus impactos na economia foi lançada nesta terça-feira, 17, exigindo respeito à soberania digital brasileira. O documento, intitulado Carta Pública Contra o Ataque das Big Techs à Soberania Digital, parte da crítica ao posicionamento do X no país e apela que “todos aqueles que defendem os valores democráticos devem apoiar o Brasil em sua busca pela soberania. Exigimos que as Big Techs cessem suas tentativas de sabotar as iniciativas do Brasil voltadas para a construção de capacidades independentes em inteligência artificial, infraestrutura pública digital, governança de dados e serviços de nuvem”.

O texto é assinado por Thomas Piketty, Mariana Mazzucato, Nick Srniceck, José Van Dijck, Evgeny Morozov, Anita Gurumurthy, Shoshana Zuboff, Cecília Rikap e outros. O grupo reclama ainda que a ONU e os governos apoiem esforços em torno da soberania digital. 

A carta vem em um momento que parece consolidar uma mudança na abordagem sobre as plataformas digitais. Neste mês, uma série de movimentações judiciais na União Europeia e nos Estados Unidos mostraram o que já há tempos deveria ser óbvio: é preciso enfrentar e limitar o poder das grandes corporações de tecnologia, conhecidas como big tech.

O Tribunal de Justiça da União Europeia confirmou uma multa de 2,4 bilhões de euros imposta ao Google, em 2017, pela Comissão Europeia, que avaliou que a empresa abusou de sua posição dominante ao favorecer seu serviço de comparação de preços, o Google Shopping, em detrimento de concorrentes. No mesmo dia, o Tribunal também determinou à Apple que pagasse uma dívida de 13 bilhões de euros em impostos atrasados à Irlanda, após compreender que a companhia se beneficiou de vantagens fiscais indevidas, em caso aberto em 2016. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça acusa o Google de monopolizar ilegalmente o setor de publicidade digital.

Resultados de processos como a mundialização do capital, a financeirização e o desenvolvimento das tecnologias digitais nos marcos da reestruturação produtiva, essas empresas cresceram valendo-se do ideário neoliberal, que justificou uma postura não de ausência estatal, mas de uma inflexão programada para facilitar a intervenção privada no setor, postura apresentada como fundamental à promoção da inovação e da concorrência. Nada mais ilusório. Seguindo a própria dinâmica capitalista, sempre afeita à concentração e à centralização de capital, o que se viu nas últimas duas décadas foi a ascensão de poucas corporações norte-americanas que se expandiram para diversos setores, nos quais obtêm não apenas clientes, mas também dados fundamentais à compreensão e mesmo antecipação do funcionamento dos mercados. Restou, com isso, um cenário concentrado em âmbito transnacional, fragilizando as economias locais e a própria organização social. 

Isso porque, por um lado, a chamada plataformização leva a uma enorme concentração de riqueza, alcançada muitas vezes por meio da participação das plataformas no jogo especulativo do mercado financeiro e por meio da apropriação da riqueza produzida nos países em que operam, como no Brasil, praticamente sem pagar impostos ou gerar empregos.

Os resultados são apresentados todos os anos nas listas das corporações mais valiosas. Em termos de valor de mercado, a Microsoft está em primeiro lugar, seguida da Apple, Nvidia, Alphabet e Amazon, de acordo com dados do site Companies Market Cap de junho de 20242. Por outro lado, essas empresas atuam em setores bastante sensíveis para a autonomia das populações, com destaque para as comunicações. Nessa operação, não há neutralidade. As práticas de manipulação, muitas vezes disfarçadas por meio de mecanismos de recomendação ou moderação de conteúdos, são bastante comuns.

Mesmo que sutilmente, suas definições de funcionamento impactam até mesmo a estética (e, portanto, a política) do que circula nas redes. Além disso, as plataformas conferem visibilidade para quem pagar pelos chamados impulsionamentos – o que ajuda a dar destaque para absurdos como Brasil Paralelo ou Pablo Marçal. Economia e cultura estão, nas plataformas, evidentemente integradas a serviço de um projeto de poder que nada tem de democrático, muito menos de popular. O caso Elon Musk é um exemplo claro disso e não deve ser visto como exceção. 

Apesar dos impactos negativos dessa situação, foi hegemônica, até aqui, uma ideia de que o Estado nada deveria fazer em relação a esse setor. O projeto neoliberal que favoreceu a ascensão das plataformas também levou ao rebaixamento da visão sobre a regulação, antes vista como um conjunto de definições sobre o funcionamento da sociedade e de cada setor específico.

Seguindo a ideia de retirar o Estado de seu papel de definição e de proposição de políticas, foi promovida uma abordagem que gira em torno da ideia de autorregulação e de governança, esta pautada por uma suposta horizontalidade entre os diferentes agentes e por definições consensuais, o que acaba amenizando as enormes desigualdades de poder e os diferentes interesses que mobilizam cada “stakeholder”. Na prática, a ausência de regras definidas em cada local tem permitido a expansão e a remodelagem desse setor, seguindo a trilha da posição norte-americana que pautou e segue dominando essa re-regulação.  

Esse conjunto de mudanças tem permitido a expansão e a remodelagem não só de um setor, mas do próprio capitalismo, o que está evidente no papel central que as tecnologias têm na concorrência entre os países hoje, com Estados Unidos e China na linha de frente da disputa. É claro que esse processo é permeado por contradições, muitas das quais intensificadas pelas lutas da sociedade civil, em sua busca pela ampliação do espaço de resistência frente ao poder dos agentes privados. É parte desse quadro a afirmação de novos direitos, como o direito à proteção de dados pessoais, e tentativas de regulação das plataformas – iniciativas que têm contínua oposição das big tech, como visto no Brasil, tanto na formulação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) quanto, recentemente, no debate sobre o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, que busca instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, e sobre o PL 2.338/2023, que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial. Não obstante, esses movimentos têm se mostrado insuficientes. 

Diante do crescente poder econômico das plataformas, uma nova série de iniciativas legislativas está em curso, agora com foco na chamada regulação econômica. Até o primeiro semestre de 2024, expressam esse movimento, para citar alguns casos: Estados Unidos (American Innovation and Choice Online Act, Ending Platform Monopolies Act e Competition and Antitrust Law Enforcement Reform Act of 2021); Alemanha (Act amending the Act against Restraints of Competition for a focused, proactive and digital competition law 4.0 and other provisions); Japão (Act on Improving Transparency and Fairness of Digital Platforms); Austrália (Treasury Laws Amendment (News Media and Digital Platforms Mandatory Bargaining Code) Bill 2021); Reino Unido (Digital Markets Unit); e União Europeia (Digital Market Act, Media Freedom Act e Artificial intelligence act).

Além disso, na Coreia do Sul foi aprovada emenda ao Telecommunications Business Act, proibindo lojas de aplicativos de grandes empresas de tecnologia de forçar os desenvolvedores a usar seus sistemas de pagamento. No Canadá, o governo tem alterado diversas legislações sobre concorrência para incluir medidas em relação ao ambiente digital. Outros países discutem regras no mesmo sentido, entre eles a Índia, a Turquia e o Brasil. 

A lista evidencia a crescente demanda pela atuação imperativa dos estados nacionais. Em geral, as iniciativas mencionadas propõem medidas como a reserva de mercado para as empresas locais (dinâmica que pauta bastante a abordagem da União Europeia) e mecanismos de proteção de setores afetados pela presença das plataformas, especialmente a imprensa (o que gerou um movimento agressivo do Facebook contra regras estabelecidas no Canadá e na Austrália). Configuram, assim, um movimento que pode contribuir para se impor um freio de contenção ao poder das grandes plataformas norte-americanas. Por outro lado, está claro que as regras propostas não têm o objetivo de transformar o cenário. Sem isso, podem legar uma diversidade aparente, mas que reproduz a mesma promoção de desigualdade, exploração, opressão e vigilância dos países e das populações. 

É preciso, ao contrário, questionar o processo mesmo de concentração da produção social (e não só do mercado) em torno das plataformas e a lógica de funcionamento delas – isto é, disputar a regulação social em sentido amplo. O problema pode ser atacado em mais dois caminhos, além da proposição de regras. Primeiro, a partir da mobilização do Estado como indutor de políticas. As plataformas avançam na aquisição de cabos submarinos, na comercialização de serviços de armazenamento de dados e de computação em nuvem, entre outras dinâmicas que aprofundam a dependência em relação a elas.

É preciso, para fazer frente a isso, construir infraestruturas e aplicações próprias, atentas tanto à dinâmica econômica e dos direitos, como à proteção de dados, quanto ao diálogo com as necessidades locais. No Brasil, há passos dissonantes nesse sentido. Por um lado, foi retomado o importante projeto de “nuvem” soberana, sob liderança do Serpro. Também foi lançado um plano sobre inteligência artificial intitulado IA para o Bem de Todos. Por outro lado, toda a política de acesso à internet é pautada pelo favorecimento de empresas privadas (inclusive a Starlink) e não há nenhum sinal de retomada de políticas de softwares livres – ao contrário, a adoção das plataformas digitais corporativas avança no setor público, na educação etc. 

Isso leva a um segundo movimento, que a meu ver é fundamental para qualificar o que tem sido chamado de soberania digital: a afirmação de um projeto político alternativo, do qual faça parte também um projeto tecnológico. Não se trata, portanto, de fazer mais do mesmo, mas de definir, com autonomia, para quê queremos as tais novas tecnologias, mobilizando, para isso, o conjunto da socidade e nossas melhores capacidades. Como diz a carta lançada hoje, “o caso brasileiro tornou-se o principal front no conflito global em evolução entre as corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e econômico.”. O Brasil pode contribuir com a articulação de países do chamado Sul global para o enfrentamento ao poder das plataformas e para a busca coletiva de soluções alternativas. Ainda há tempo de puxar o “freio de emergência”, mas é preciso decisão e ação. 

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Como livrar o Brasil do Starlink

País enfrenta empresas de Elon Musk, mas ainda não pode deixá-las. Atraso tecnológico obriga Forças Armadas, Petrobrás, Saúde e Educação a contratarem serviços de quem investe contra a soberania nacional. BRICS podem ser alternativa

Por Liszt Vieira, em A Terra é Redonda

O escândalo do Elon Musk e do seu Twitter, agora X, trouxe à luz do dia uma informação que permanecia oculta ou muito pouco divulgada. Como se sabe, da sua empresa Starlink e de suas antenas dependem as Forças Armadas brasileiras para suas comunicações.  Ou seja, para defender a soberania nacional, as Forças Armadas do Brasil dependem de uma empresa estrangeira que viola a soberania nacional.

Este é mais um dos inúmeros exemplos de enfraquecimento histórico do Estado Nação e do conceito de soberania nacional. A partir da segunda metade do século XX, principalmente, uma série de fenômenos surgiram contrapondo-se aos princípios básicos do conceito de Estado Nação criado pelo Tratado de Westfalia em 1648: territorialidade, soberania, autonomia e legalidade.

Os Estados Nacionais se enfraquecem porque não podem mais controlar dinâmicas que extrapolam seus limites territoriais. As comunicações eletrônicas passam por cima das fronteiras nacionais, os capitais entram e saem de um país deixando muitas vezes como legado uma crise econômica e financeira, a mão de obra, apesar das proibições, emigra para outros países, empresas transnacionais têm orçamento maior do que a maioria das nações, transformadas na prática em províncias. O crime organizado, como o comércio ilegal de drogas e armas, passa por cima  das leis nacionais.

A destruição ambiental em um país afeta outros e a crise climática global não respeita as fronteiras nacionais. O patrimônio comum da humanidade entra em conflito com a dimensão nacional-territorial. Os ecossistemas compartilhados constituem um patrimônio comum que excede o marco das soberanias nacionais.  E para esses e outros problemas existem acordos e normas internacionais de regulação, nem sempre respeitadas. Além das dimensões acima mencionadas, há outras afetando a autonomia do Estado Nacional, como questões culturais e sociais. Atividades culturais em um país, como cinema ou música, por exemplo, impactam comportamentos sociais em outros.

Uma visão artística brilhante da relação homem-natureza encontra-se no diálogo final do filme A Grande Ilusão, de Jean Renoir (1937). Fugidos de um campo alemão de prisioneiros durante a Primeira Guerra Mundial, dois soldados (um deles representado pelo ator Jean Gabin) chegam à fronteira suíça e se deparam com um campo de neve. Um soldado pergunta: Onde está a fronteira? O outro responde: ‘Les frontières sont une invention des hommes, la nature s’en fout’.

Todos esses problemas foram objeto de uma vasta literatura de análise dos processos de globalização de dominância neoliberal. Anos atrás, trabalhei com esses temas e publiquei dois livros: Cidadania e Globalização (13ª ed. 2016) e Os Argonautas da Cidadania – A Sociedade Civil na Globalização (2001). Entre os principais livros de referência publicados no Brasil, encontra-se o livro de Otavio Ianni, Teorias da Globalização (1995). Para ele, “a sociedade global tem subsumido, formal ou realmente, a sociedade nacional”.

Assim, não é nenhuma novidade ver surgir mais um caso concreto de enfraquecimento da soberania nacional. Mas, sempre que surge, causa impacto.

A Starlink é um braço da SpaceX, a companhia de exploração espacial de Elon Musk. A empresa fornece serviços de internet por meio de uma enorme rede de satélites. Ela é voltada para pessoas que vivem em áreas remotas, onde não há infraestrutura local como cabos e postes — caso de boa parte da Amazônia. Estima-se que mais de 6 mil satélites Starlink já foram lançados no espaço. Segundo a própria empresa, trata-se da maior constelação de satélites do mundo, com uma base de usuários em 37 países. Segundo a empresa, seriam 3,3 milhões de assinantes em 99 países.

O Deputado Coronel Meira (PL-PE) publicou um documento mostrando que Exército e Marinha dependem das antenas da Starlink. Apresentou o documento como “prova” de que não podemos mexer com a empresa. Ou seja, a comunicação das operações militares brasileiras passa pelos satélites de Elon Musk. Segundo o Exército, “o contrato se justifica pela facilidade, flexibilidade e rapidez que o equipamento da Starlink confere ao estabelecimento dos enlaces de Comando e Controle, proporcionando a devida prontidão estratégica àquele Grande Comando Operacional para ser empregado em todo o território nacional”.  Diz ainda o Exército que, em caso de “um eventual cancelamento de contrato com a referida empresa, poderá haver prejuízo para o emprego estratégico de tropas especializadas”. O Exército pretende ainda celebrar novos contratos com a Starlink para atender os Pelotões Especiais de Fronteira (PEF), situados em locais de difícil acesso (Leandro Demori, “Musk, o Queijo e os Vermes”).

A soberania nacional, golpeada de todo lado, sofre mais uma ameaça com o uso da Starlink pelo Exército e pela Marinha. Para escapar dessa dependência, a União Europeia lançou em novembro de 2022 um sistema próprio chamado IRIS para fornecer aos Estados membros ligações seguras, designadamente para uso militar, e a internet “em todo o lado, incluindo nas regiões mais recônditas da UE e da África”.  Os primeiros serviços devem ser fornecidos no final do ano 2024 e a IRIS estará plenamente operacional em 2027.

A Starlink conseguiu contratos sem licitação nas esferas municipal, estadual e federal, e seu bloqueio deixaria populações sem serviços essenciais. O Brasil se tornou dependente da conexão via satélite da companhia em áreas críticas como postos de saúde, escolas em locais isolados, as Forças Armadas e o policiamento de fronteiras e de estradas. “A Starlink tem antenas instaladas em 90% dos municípios da Amazônia e esse número só tende a crescer”, diz o professor e pesquisador no Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia David Nemer. A Starlink tem 7,5% dos seus clientes no Brasil. A expansão global da Starlink dá a Musk poder político. Ele pode controlar os conteúdos a serem divulgados. Enquanto a empresa X é inviável economicamente, é usada apenas como arma política, a Starlink é um grande negócio que conta com apoio direto dos EUA.

Em pouco mais de dois anos de operação, a Starlink se transformou em líder de um segmento estratégico no setor de telecomunicações do país, como é o caso da internet via satélite. Nesse período, a empresa passou a ser fornecedora para diversos órgãos públicos e estatais como o Exército, a Marinha, os Ministérios da Saúde e Educação, além da Petrobras. Um levantamento feito pela BBC News Brasil, com base no Portal da Transparência e no Diário Oficial da União, apontou que o contrato para uso da tecnologia da empresa de Musk prevê a instalação de equipamentos para conexão de internet em pelo menos 70 bases, plataformas e navios da Petrobras.  Entre elas, estão as bases de exploração de petróleo e gás de região de Urucu, no interior do Amazonas e as plataformas de exploração de petróleo que atuam na Bacia de Campos. E, em maio deste ano, o Comando do Exército disponibilizou 100 pontos de internet da Starlink para comunidades localizadas no Rio Grande do Sul durante as enchentes de maio último. E, no norte do país, como assinalado, o Exército passou a adotar a tecnologia da empresa Starlink na Amazônia.

Musk é um homem poderoso. Apoia a extrema direita, como Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil, com o objetivo de ganhar o compromisso para barrar qualquer tipo de regulação das big techs. É um exemplo perfeito e acabado do capitalista neoliberal.

Com a tendência atual à multilateralidade e à perda da hegemonia unilateral dos EUA no mundo, teremos pela frente terremotos políticos – como sugerem as atuais guerras de invasão na Ucrânia e na Palestina – que irão sacudir os princípios tradicionais das instituições nacionais hoje ainda existentes. Guerra de invasão não é novidade. Diante da impotência da ONU, só os EUA invadiram e bombardearam dezenas de países depois da segunda guerra mundial. Mas o contexto geopolítico global agora é diferente. O que teremos pela frente são provavelmente guerras de movimento pós nacional e não a tradicional guerra de posição ou enfrentamento entre Estados nacionais.

Diante disso, como fica a soberania nacional? Um dos alicerces do conceito de Estado Nação, ela sobrevive na literatura política e jurídica clássica da democracia e da formação do Estado Nacional. Na prática, porém, foi abalada e, em alguns casos, engolida pela globalização. A soberania nacional funciona hoje, em geral, como reivindicação e protesto. Tornou-se um dogma doutrinário, mas na realidade só funciona quando não há interesse do capital global que transformou a grande maioria dos países em províncias.    


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Empresas-plataforma: o Brasil na retaguarda

 Espalham-se, por todo o mundo, leis e jurisprudências que garantem direitos trabalhistas e impõem deveres às corporações. Aqui, um lobby poderoso bloqueia avanços e contamina governo e Congresso, com argumentos insustentáveis

Este texto é uma síntese do artigo – com o mesmo nome – publicado no livro “Um horizonte de lutas para a autogestão: o trabalho organizado por plataforma digital”, organizado por Ricardo Toledo Neder e Flávio Chedid Henriques. O grande mérito dessa obra é o empenho coletivo para se pensar em um outro mundo do trabalho no contexto da disseminação das plataformas digitais. Nossa contribuição se soma a esse esforço, colocando em discussão a necessidade em se garantir direitos mínimos aos trabalhadores. Esse tema adquire centralidade em tempos de debates sobre o PLP 12/2024 e importância de não aceitarmos qualquer regulação que trate motoristas e entregadores como trabalhadores de segunda categoria.

Em julho de 2020, milhares de entregadores via plataformas digitais foram às ruas de diversas cidades do Brasil para reivindicar melhores condições de trabalho. A manifestação, que chamou atenção de toda a sociedade pela dimensão que tomou, evidenciou uma contradição: os trabalhadores foram vistos como essenciais durante a pandemia – especialmente para evitar a circulação de pessoas e para permitir o isolamento social –, mas são considerados autônomos pelas plataformas digitais, o que não lhes garante nenhum direito.

As manifestações contribuíram para lançar perante a opinião pública um debate que, até então, estava circunscrito aos meios universitário, judicial e de alguns grupos de trabalhadores: Como deve ocorrer a regulação do trabalho via plataformas digitais?

Preliminarmente, fazemos duas considerações. Em primeiro lugar, ressaltamos a centralidade do direito do trabalho em qualquer debate sobre o estabelecimento de regras no trabalho via plataformas digitais. Essa área do direito é uma evolução na regulação do trabalho, pois é produto da superação da aplicação de institutos civilistas e penais nas relações de trabalho no século XIX e início do século XX, bem como da ficção jurídica da igualdade e da liberdade entre trabalhador e empresário. O direito do trabalho foi concebido para apresentar respostas à desigualdade econômica entre as partes do contrato de trabalho, estabelecendo disposições para corrigir essa assimetria e para compensá-la por meio da proteção jurídica ao trabalhador. Considerando que não houve alteração no cerne da forma pela qual ocorre a exploração do trabalho humano pelas empresas proprietárias de plataformas digitais, não há razões para afastar as intervenções do direito do trabalho nos debates regulatórios.

Em segundo lugar, é necessário reconhecer que o trabalho via plataformas digitais vai além do de motoristas e entregadores, sendo encontrado em diferentes setores e sob outras formas. Uma de suas expressões, ainda pouco conhecida no Brasil, é o crowdwork (Kalil, 2020)2. Ter isso em vista é fundamental para que as tentativas de regulação contemplem as realidades de todos os trabalhadores. Contudo, dadas as limitações deste texto e o maior destaque que motoristas e entregadores tiveram em 2020, centraremos esta análise nesses grupos de trabalhadores.

Neste ensaio, analisaremos como se caracterizam as atividades econômicas desenvolvidas pelas empresas proprietárias de plataformas digitais, examinaremos as deficiências do debate brasileiro e como o resto do mundo está tratando o tema. Ao final, faremos alguns apontamentos acerca dos caminhos que podem ser trilhados.

Uma caracterização em disputa

Para debater em que termos deve ocorrer a regulação do trabalho via plataformas digitais, é preciso um mínimo de consenso sobre o que são essas plataformas. E é já aqui que começam as dificuldades.

A primeira divergência está na caracterização das empresas proprietárias das plataformas digitais. Elas constroem uma narrativa que as coloca como empresas de tecnologia, segundo a qual elas funcionariam meramente como um instrumento de combinação entre oferta e demanda de mão de obra. Essas empresas se referem aos motoristas e entregadores de diversas formas como “parceiros” ou “empreendedores”, sempre evitando chamá-los pelo o que de fato são: trabalhadores. Assim, esvaziam o conteúdo laboral das atividades que realizam.

Contudo, a realidade é outra. Adotar meios tecnológicos sofisticados não as torna empresas de tecnologia. Devemos olhar para a substância do que elas realmente fazem, que é o transporte de passageiros e entregas. Ninguém é cliente da Uber ou do iFood porque busca uma solução tecnológica, mas porque precisa fazer uma viagem de carro ou receber um produto. Caso contrário, qualquer empresa que adote inovações tecnológicas avançadas em seu processo produtivo se transformará automaticamente em uma organização do setor de tecnologia.

A segunda divergência está na compreensão da dinâmica do trabalho. As empresas afirmam que os trabalhadores possuem a liberdade de gerenciar seus horários e de administrar seus ganhos, enquanto elas apenas combinam os pedidos de viagens ou entregas de seus clientes à disponibilidade dos trabalhadores cadastrados nas plataformas digitais. Dizem ainda que o código de conduta, o sistema de avaliação dos trabalhadores e as regras estabelecidas para a realização do trabalho não passariam de medidas para assegurar a qualidade e confiabilidade dos serviços – o que seria de interesse de todos os envolvidos nessa relação.

Contudo, mais uma vez, os fatos se sobrepõem ao marketing. As empresas têm amplo controle sobre o trabalho realizado. Esse controle é viabilizado pela administração da mão de obra por meio dos algoritmos.3 Há a automação de atividades anteriormente atribuídas a gerentes, encarregados, contadores, atendentes e trabalhadores do setor de recursos humanos, a partir de informações extraídas dos trabalhadores diretamente pelas plataformas digitais e por meio do feedback de seus clientes. A programação algorítmica permite distribuir as atividades entre os trabalhadores, fixar o valor do trabalho, indicar o tempo para a realização de uma tarefa e a duração das pausas, determinar como o serviço deve ser feito, avaliar os trabalhadores e aplicar sanções. É o que se chama de gerenciamento algorítmico.

O sistema de avaliações é um dos instrumentos que viabiliza a organização do negócio. Parcela das empresas permite que seus clientes deem notas para os trabalhadores ao término da execução da tarefa, sendo que essa avaliação leva em conta a expectativa gerada pela empresa acerca da forma da prestação do serviço – o que, por sua vez, influi na distribuição de trabalho e na permanência na empresa. Ter uma média de avaliação muito elevada (acima de 96%) assegura o recebimento preferencial de atividades em determinadas localidades. Ademais, para que seja possível continuar trabalhando para a empresa, os trabalhadores devem manter uma média alta (geralmente acima de 90%). Obter uma média inferior ao patamar estabelecido pela empresa acarreta a aplicação de punições, que vão desde a suspensão até a exclusão definitiva (ou seja, a dispensa).

A análise da flexibilidade dos horários deve considerar fatores estruturais do trabalho via plataformas digitais, como a dependência econômica dos trabalhadores. Quanto maior a necessidade de realizar atividades para as plataformas para sobreviver, menor a liberdade de determinar a jornada de trabalho. Em pesquisa realizada com motoristas da Uber na cidade de São Paulo, identificou-se que 77,5% dependiam economicamente da empresa. Desse grupo, todos trabalhavam mais de 40 horas semanais, 75% trabalhavam ao menos seis dias na semana,4 e um terço trabalhava mais de 60 horas semanais (Kalil, 2020)5. Estudo desenvolvido por pesquisadores da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir) com entregadores durante a pandemia apontou que a maioria trabalhava mais de nove horas diárias, sete dias por semana. Ou seja, para muitos trabalhadores, essa liberdade se resume tão somente a escolher quando começar uma longa jornada de trabalho.

Além disso, algumas empresas, especialmente no setor de entregas, estabelecem sistemas de pontuação que determinam a frequência, as áreas e os horários em que os trabalhadores podem realizar entregas. A acumulação de pontos ocorre a partir de critérios definidos pelas empresas, como a quantidade de ofertas de trabalho aceitas. Nesses casos, a liberdade para escolher os horários de trabalho fica condicionada ao cumprimento das regras da empresa e a trabalhar demasiadamente, uma vez que fazer muitas entregas gera uma maior pontuação.

Os problemas do debate brasileiro

Parte das análises sobre a dinâmica do trabalho via plataformas digitais no setor de transporte de passageiros e de entregas no Brasil, especialmente no Poder Judiciário, centra-se excessivamente nos fatores que a empresa não controla – que são, basicamente, alguns aspectos da jornada de trabalho – e na documentação escrita – produzida unilateralmente pelas empresas –, sendo os termos de condições de uso a mais utilizada.

Além disso, aceita-se nas discussões sobre o tema, acriticamente, muitos elementos da narrativa construída pelas plataformas: elas seriam empresas de tecnologia que ofereceriam trabalho em um cenário de desemprego elevado, assegurando fontes complementares de renda para diversos trabalhadores. As regras estabelecidas a eles, assim, não passariam de mecanismos de conveniência para passageiros e motoristas.

Se este texto fosse escrito em 2014, ano em que a Uber chegou ao Brasil e pouco se conhecia a respeito do funcionamento das plataformas digitais, aceitar esses argumentos seria compreensível. Uma década depois, porém, com diversas pesquisas jurídicas e sociológicas demonstrando que a realidade é bem distinta da narrativa empresarial, aderir integralmente a suas premissas promove uma visão fictícia do trabalho via plataformas digitais e afasta o país da tendência mundial de proteger esses trabalhadores.

Há diversos estudos, nacionais e internacionais, demonstrando a relação direta entre dependência e precariedade. Eles indicam as distintas formas de controle dos trabalhadores (Prassl, 2018)6, o gerenciamento algorítmico (Amorim; Moda, 2020; Rosenblat, 2018)7, o déficit de trabalho decente nas plataformas (Fairwork, 2024)8, as nuances na flexibilidade da jornada de trabalho e a acentuada assimetria de poderes entre trabalhadores e empresas (Kalil, 2020a)9, atestando, de fato, que quanto mais dependentes são os trabalhadores da empresa para sobreviver, maior é a precariedade de suas condições de trabalho (Kalil, 2020; Schor, 2020)10. Ou seja: já existe um suporte científico, embasado e robusto, que aponta para um mundo no qual os trabalhadores estão sujeitos à intensa exploração por essas empresas.

Além de ignorar todos esses estudos, a Jutiça brasileira se restringe às tentativas de produzir provas do gerenciamento algorítmico nos processos judiciais. Em maio de 2021, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) suspendeu a realização de uma perícia no algoritmo de uma empresa proprietária de plataforma digital. Argumentou que tal medida poderia “trazer à tona informações sigilosas”, que podem ser resguardadas pelo próprio Poder Judiciário, além de não ser necessária para examinar a existência ou não da relação de emprego entre motorista e a empresa, sem a devida fundamentação sobre essa desnecessidade (BRASIL, 2021, p. 6)11.

Nesse sentido, nota-se que parte dos posicionamentos assumidos no debate trabalhista sobre o trabalho via plataformas digitais no Brasil opera sob a racionalidade que impulsionou a Reforma Trabalhista de 2017 (Krein; Colombi, 2019)12, especialmente no que se refere à flexibilização das modalidades de contratação, da jornada de trabalho e da remuneração, e à individualização dos riscos – o que reduz os custos para os empregadores e aumenta a insegurança para os trabalhadores.

Um olhar para fora

A lógica de operação das empresas proprietárias de plataformas digitais nos setores de transporte de passageiros e de entregas, ainda que cada uma delas tenha suas particularidades, compartilha os mesmos pressupostos de funcionamento. Considerando que diversas empresas atuam em vários países, é relevante saber como o tema é tratado em outros lugares.

Tribunais superiores decidiram pela aplicação da legislação trabalhista às relações entre motoristas e entregadores e plataformas digitais no estado da Califórnia (nos Estados Unidos), no Chile, na Espanha, na França, na Holanda, na Itália, no Reino Unido e no Uruguai.13 Chama atenção o fato de que as decisões em alguns desses países influenciaram positivamente a conjuntura para os trabalhadores para além do debate judicial, como veremos a seguir.

Em 2018, a Supreme Court estadual da Califórnia, alterou seu entendimento sobre a caracterização da relação de emprego, adotando o chamado teste ABC. A partir desse novo critério, para o trabalhador ser considerado autônomo, é necessário que ele: (a) não esteja sob direção ou controle do contratante, do ponto de vista seja formal, seja material; (b) não desempenhe atividade inserida no negócio principal da empresa contratante; e (c) realize, de forma independente, atividades para as quais é contratado. A prestação de trabalho em troca de remuneração que não atenda simultaneamente a esses três requisitos passou, então, a ser considerada uma relação de emprego (Califórnia, 2018)14.

No ano seguinte, o Legislativo californiano promoveu uma alteração no Código de Trabalho estadual para incorporar o teste ABC no texto legal, aprovando o chamado Assembly Bill No. 5 (AB 5). O AB 5 entrou em vigor em 2020, o que demandava que empresas proprietárias de plataformas digitais do setor de transporte de passageiros, como a Uber, passassem a classificar seus motoristas como empregados (Califórnia, 2019)15. Mas eles não fizeram isso e os mantiveram como autônomos. O estado da Califórnia, então, ajuizou uma ação para obrigá-las a respeitar a nova regulação e, em agosto de 2020, a Suprema Corte estadual determinou que os motoristas eram empregados (Roth; Chapman; Eidelson, 2020).16

Na Espanha, o Tribunal Supremo decidiu, em setembro de 2020, que a relação entre entregadores e a Glovo (uma empresa proprietária de plataforma digital) é de emprego. Na sentença, os magistrados apontaram os seguintes elementos: nessa atividade econômica, as plataformas digitais – e não as motos ou os telefones celulares – são os meios de produção; as avaliações dos trabalhadores são uma forma de controle e vigilância; a empresa atua no setor de entregas; as decisões comerciais, o valor do serviço oferecido, os métodos de pagamento e a remuneração dos entregadores são definidos unilateralmente pela empresa, de modo que os trabalhadores não possuem autonomia para definir os aspectos relevantes da atividade, enquanto a empresa detém o poder de direção e de organização (Espanha, 2020)17.

A decisão do Tribunal Supremo influenciou a atividade legislativa na Espanha. Em outubro de 2020, foi criada uma mesa de diálogo tripartite com representantes de trabalhadores, empregadores e governamentais para debater como garantir direitos trabalhistas aos entregadores via plataformas digitais. O resultado foi a promulgação do Real Decreto-ley 9/2021, que estabelece a presunção de laboralidade no âmbito das plataformas digitais de entrega e, em relação à representação dos trabalhadores, o direito de ser informada sobre os parâmetros, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos e que afetam as decisões que influenciam as condições de trabalho, incluindo o ingresso e a continuidade na empresa (Espanha, 2021)18.

No Reino Unido, em fevereiro de 2021, a Supreme Court confirmou as decisões dos tribunais trabalhistas que classificaram os motoristas da Uber como “workers” – uma figura intermediária entre empregados e autônomos, em que se garantem alguns direitos, como o salário mínimo, férias e regras sobre jornada de trabalho (Reino Unido, 2021)19. Os magistrados britânicos ressaltaram ainda que a empresa controla e determina de maneira rígida como o trabalho deve ser realizado pelos motoristas.20

Três meses após essa decisão, a Uber aceitou negociar com o sindicato GMB Union, garantindo-lhe acesso aos pontos de encontro dos motoristas e possibilidade de intervir em casos nos quais os trabalhadores são suspensos ou dispensados (Butler, 2021)21. Isso seria impensável um ano antes, considerando a postura da empresa em se recusar a tratar diretamente com entidades sindicais. A sentença da Supreme Court e a mobilização coletiva dos trabalhadores ingleses foram decisivas para mudar esse cenário no Reino Unido.

Na Itália, em janeiro de 2020, a Corte Suprema di Cassazione decidiu que o trabalho dos entregadores da Foodora é organizado por outra parte (no caso, pela empresa proprietária da plataforma digital), o que configura o trabalho hetero-organizado. A corte entendeu que esse tipo de trabalho deve ter as mesmas proteções do trabalho subordinado (De Stefano et al., 2021)22. Com base nesse entendimento, em fevereiro de 2021, a inspeção do trabalho junto a promotores de Milão determinaram que as maiores plataformas digitais devem respeitar a legislação trabalhista em suas relações com os entregadores, e impuseram uma multa de 733 milhões de euros (Cater, 2021)23.

No início de 2021, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou seu relatório anual sobre perspectivas sociais e de emprego no mundo, desta vez dedicado ao papel das plataformas digitais nas transformações no mundo do trabalho. Segundo a OIT, os países adotam quatro abordagens para classificar os trabalhadores. A primeira é a de considerá-los empregados, como ocorre na Espanha e França. A segunda é a de classificá-los em categorias intermediárias, como se dá no Reino Unido. A terceira é a de enquadrá-los como uma figura intermediária “de fato”, em que eles podem ser considerados empregados para fins previdenciários, mas não trabalhistas, como se verifica na China. A quarta é a de identificá-los como autônomos – e sem direitos – pelo fato de poderem estabelecer seus horários, mencionando como exemplos a Austrália e o Brasil (OIT, 2021)24.

Para onde ir?

A legislação brasileira oferece instrumentos para assegurar direitos mínimos aos trabalhadores via plataformas digitais nos setores de transporte de passageiros e de entrega. Os requisitos para caracterizar a relação de emprego no Brasil – pessoal natural, pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação – são detectados na grande maioria dos casos. Especificamente em relação à subordinação, uma alteração promovida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 2011 não deixa dúvidas: “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio” (art. 6º, § único).

O fato de os motoristas e entregadores trabalharem para mais de uma empresa não é um obstáculo para a aplicação da legislação trabalhista. A exclusividade não é uma condição para a existência do vínculo empregatício. No Brasil, prestar serviços para mais de um empregador é uma realidade comum a diversas profissões, como vigilantes, profissionais da saúde e professores. Isso jamais impediu que fossem reconhecidos como empregados. A mesma regra deve valer para motoristas e entregadores.

O Poder Judiciário tem um papel central em assegurar a proteção desses trabalhadores. É necessário superar a narrativa das empresas, fazer valer a primazia da realidade – um dos princípios mais importantes do direito do trabalho – e desvelar o conteúdo do trabalho via plataformas digitais para compreender adequadamente sua dinâmica e proteger os motoristas e entregadores. Decisões judiciais determinando a aplicação da lei trabalhista nesses casos tiveram efeitos positivos em vários países, contribuindo para desenvolver a legislação, promover a ação coletiva e apoiar a atuação de outros órgãos do sistema público trabalhista.

No Brasil, a aplicação da legislação trabalhista, na forma existente, deve ser o ponto de partida, e não o de chegada. A Reforma Trabalhista de 2017 trouxe mecanismos de precarização do trabalho, como a introdução do contrato intermitente e a ampliação da terceirização. É necessário conceber propostas para aprimorar a proteção dos trabalhadores das plataformas digitais, especialmente a partir de suas demandas – como a portabilidade das avaliações entre as plataformas, o direito ao contraditório em casos de avaliações ruins ou reclamações de clientes, a transparência dos sistemas de avaliação e do funcionamento dos algoritmos, a remuneração dinâmica para os casos em que não se garante um mínimo de trabalho por mês, entre outras. É fundamental que eventuais alterações legislativas ocorram sob as premissas do direito do trabalho, considerando a notória desigualdade entre o trabalhador e a plataforma digital, bem como o papel que essa área do direito desempenha nessas situações.

Finalmente, é primordial inserir os trabalhadores no centro desse debate. Primeiro, porque escutar os sujeitos que vivem a experiência diária da atividade é de grande importância para entender como determinado trabalho ocorre. Segundo, porque qualquer modificação da lei deve ter como pressuposto ouvir os principais afetados pela mudança. Por fim, porque os períodos em que os direitos trabalhistas no Brasil tiveram maior efetividade foram justamente os períodos em que o movimento sindical lutou pela aplicação da legislação. Garantir voz aos atores mais importantes dessa discussão é a única forma de responder aos anseios daqueles que atualmente não possuem nenhuma proteção social.

1 Renan Bernardi Kalil fez doutorado, mestrado e graduação em direito pela Universidade de São Paulo (USP). É procurador do Trabalho no Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP) e atualmente está como Coordenador Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho. É professor de direito no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). renan.kalil@gmail.com

2 KALIL, R.B. A regulação do trabalho via plataformas digitais. São Paulo: Blucher, 2020.

3 Algoritmos são conjuntos de etapas de um processo cujo objetivo é a solução de um problema ou a execução de uma tarefa. O caminho percorrido pelo algoritmo para desempenhar sua função é registrado para possibilitar a repetição e para instruir outras pessoas ou máquinas na realização da tarefa. A definição do conteúdo das etapas ocorre a partir de decisões tomadas pelo ser humano responsável pela programação e leva em consideração as condições materiais que informam sua criação.

4 A folga geralmente ocorria no dia de rodízio do veículo próprio do trabalhador na cidade de São Paulo.

5 KALIL, op. cit.

6 PRASSL, J. Humans as a service: the promise and perils of work in the gig economy. Oxford, UK: Oxford University Press, 2018.

7 AMORIM, H.; MODA, F.B. Trabalho por aplicativo: gerenciamento algorítmico e condições de trabalho dos motoristas da Uber. Revista Fronteiras, v. 22, n. 1, 2020. doi.org/10.4013/fem.2020.221.06; ROSENBLAT, A. Uberland: how algorithms are rewriting the rules of work. Berkeley: University of California Press, 2018.

8 FAIRWORK. Fairwork. Oxford, UK: Oxford Internet Institute, University of Oxford, 2024. Disponível em: <https://fair.work/en/fw/homepage/>.

9 KALIL, op. cit.

10 KALIL, op. cit.; SCHOR, J. After the gig: how the sharing economy got hijacked and how to win it back. Berkeley, CA: University of California Press, 2020.

11 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Tutela Cautelar Antecedente 1000825-67.2021.5.00.0000. Requerente: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Requerido: Juízo da 80ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro-RJ. Relator: Des. Douglas Alencar Rodrigues. Brasília, 28 mai.2021. Disponível em: <https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/>.

12 KREIN, J.D.; COLOMBI, A.P.F. A reforma trabalhista em foco: desconstrução da proteção social em tempos de neoliberalismo autoritário. Educação & Sociedade, v. 40, p. e0223441, 2019. doi.org/10.1590/ES0101-73302019223441

13 Para saber mais sobre essas decisões, ver: FRANÇA. Cour de cassation, civile, Chambre sociale. N° de pourvoi : 19-13.316. ECLI:FR:CCASS:2020:SO00374. Décision attaquée : Cour d’appel de Paris, du 10 janvier 2019. 1°/ la société Uber France; 2°/ la société Uber BV. Président : M. Cathala. Solution : Rejet. Légifrance, Paris, 4 mar.2020. Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000042025162?isSuggest=true; HOLANDA. Gerechtshof Amsterdam. Arrest van de meervoudige burgerlijke kamer van 16 februari 2021. Verklaring voor recht; vordering art. 3:305a BW. Op basis van alle omstandigheden van het geval kwalificeert de overeenkomst van de maaltijdbezorgers met Deliveroo als arbeidsovereenkomst. Rechtspraak: Uitspraken, Zaaknummer 200.261.051/01, Amsterdam, 16 fev.2021. Disponível em: <https://uitspraken.rechtspraak.nl/details?id=ECLI:NL:GHAMS:2021:392>; LEÓN, C. Corte de Concepción da espaldarazo a exrepartidor de PedidosYa y recalca la existencia de un vínculo laboral. Diario Financiero, Santiago, Chile,16 jan.2021. Disponível em: https://www.df.cl/economia-y-politica/laboral-personas/corte-de-concepcion-da-espaldarazo-a-exrepartidor-de-pedidosya-y-recalca; CARLI, F.R. Fin del partido. Uruguay: los choferes de Uber son trabajadores dependientes (TAT de 1º turno, sentencia nº 111/2020, 03.06.2020). Opinión y Crítica sobre el Derecho del Trabajo, 4 jun.2020. Disponível em: <https://federicorosenbaum.blogspot.com/2020/06/fin-del-partido-uruguay-los-choferes-de.html>.

14 CALIFÓRNIA. Supreme Court of California. Dynamex Operations West, Inc. v. Superior Court of Los Angeles County, Opinion No. S222732. Justia: Supreme Court of California Decisions, San Francisco, CA, 30 abr.2018. Disponível em: https://law.justia.com/cases/california/supreme-court/2018/s222732.html.

15 CALIFÓRNIA. Legislative Counsel. Assembly Bill No. 5. An act to amend Section 3351 of, and to add Section 2750.3 to, the Labor Code, and to amend Sections 606.5 and 621 of the Unemployment Insurance Code, relating to employment, and making an appropriation therefor. California Legislative Information: AB-5 Worker status: employees and independent contractors, Sacramento, CA, 19 set. 2019. Disponível em: https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/billNavClient.xhtml?bill_id=201920200AB5

16 ROTH, C.; CHAPMAN, L.; EIDELSON, J. California wins preliminary injunction against Uber, Lyft. Bloomberg, 10 ago.2020. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-08-10/california-wins-preliminary-injunction-against-uber-lyft>. Contudo, as empresas proprietárias de plataformas digitais de transporte de passageiros apresentaram ao Poder Público uma proposta alternativa, a Proposition 22, que excluía a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício dos motoristas com as empresas-plataforma prevista na lei californiana. Mas admitia alguns direitos, como salário mínimo e auxílio-saúde. Após elas investirem mais de 200 milhões de dólares na campanha, enquanto seus oponentes gastaram menos de 10% desse valor, a Proposition 22 foi à votação em novembro de 2020, juntamente com as eleições presidenciais, e acabou sendo aprovada. A Proposition 22 teve a sua constitucionalidade questionada e está sub judice pela Supreme Court estadual da Califórnia. (CONGER, K. Uber and Lyft drivers in California will remain contractors. The New York Times, 4 nov.2020. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2020/11/04/technology/california-uber-lyft-prop-22.html>).

17 ESPANHA. Consejo General del Poder Judicial. Comunicación del Poder Judicial. El Tribunal Supremo declara la existencia de la relación laboral entre Glovo y un repartidor. Madri, 23 set.2020. Disponível em: https://www.poderjudicial.es/cgpj/es/Poder-Judicial/Tribunal-Supremo/Noticias-Judiciales/El-Tribunal-Supremo-declara-la-existencia-de-la-relacion-laboral-entre-Glovo-y-un-repartidor;

18 ESPANHA. Real Decreto-ley 9/2021, de 11 de mayo, por el que se modifica el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores, aprobado por el Real Decreto Legislativo 2/2015, de 23 de octubre, para garantizar los derechos laborales de las personas dedicadas al reparto en el ámbito de plataformas digitales. Boletín Oficial del Estado: Madrid, n. 113, p. 56733-56738, 12 mai.2021. Disponível em: <https://www.boe.es/eli/es/rdl/2021/05/11/9>.

19 REINO UNIDO. The Supreme Court. Uber BV and others (Appellants) v Aslam and others (Respondents). Judicial Committee of the Privy Council: Case details, Case ID: UKSC 2019/0029, London, 19 fev.2021. Disponível em: <https://www.supremecourt.uk/cases/uksc-2019-0029.html>

20 Explicamos o teor da decisão inglesa em: KALIL, R.B. A condenação da Uber no Reino Unido, a OIT e a situação no Brasil. Carta Capital, 9 mar.2021. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-condenacao-da-uber-no-reino-unido-a-oit-e-a-situacao-no-brasil>.

21 BUTLER, S. Uber agrees union recognition deal with GMB. The Guardian, 26 mai.2021. Disponível em: <https://www.theguardian.com/business/2021/may/26/uber-agrees-historic-deal-allowing-drivers-to-join-gmb-union>.

22 DE STEFANO, V. et alPlatform work and the employment relationship. ILO Working Paper No. 27. Genebra: OIT, 2021. Disponível em: <https://hdl.handle.net/10419/263093>.

23 CATER, L. Italy demands € 733M in fines from food delivery platforms. Politico, 25 fev.2021. Disponível em: <https://www.politico.eu/article/italy-demands-733-million-euros-in-fines-from-food-delivery-platforms/>

24 OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. World employment and social outlook 2021: the role of digital labour platforms in transforming the world of work. Genebra: OIT, 2021. Disponível em: <https://www.ilo.org/global/research/global-reports/weso/2021/WCMS_771749/lang–en/index.htm>.

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