EDUCAÇÃO
Ensinar – e esperançar – em tempos obscuros
Uma crônica e um poema em dez atos sobre resistência para o Dia do Professor. Eles querem a escola de farda, mas a educação não é marcha militar. É caminhar sem medo e acolher. Na escola “não se afia ordem unida/ Se afiam sonhos, ideias, pensamentos”
Título original: Verbo-Professor
Escola fardada, ideologia ou negócio?
Escola fardada, ideologia ou negócio? Os dois.
A ideologia alavanca os negócios, e a negociata alavanca a ideologia. O objetivo é duplo, submeter a sociedade a uma ideologia e ganhar dinheiro; a ideologia para alavancar poder e o poder para amealhar dinheiro.
A história ensina. Toda dominação e opressão, mundo afora, é precedida pelo medo e a mentira desde o início das civilizações ao final do neolítico. É do início das civilizações, agricultores assustados, com medo de terem a colheita roubada após meses de trabalho, resolveram criar uma guarda para proteger suas plantações. Com isso deslocaram alguns dos seus, liberando-os do trabalho no arado, preparo da terra, cultivo e colheita, para serem guardas e guerreiros a vigiar a lavoura. Supunham que agindo assim impediriam o roubo por outras tribos e povos.
Com o tempo, aqueles que deveriam servir como guardas a darem segurança para a coletividade, passaram a servir-se de suas comunidades. O que antes era uma retribuição em alimentos, virou imposto (de imposição). Os guerreiros, que supostamente deveriam proteger suas tribos, criaram os tributos (do latim Tributum,“repartir na tribo”). Foi como surgiu o primeiro imposto do mundo, utilizado para pagar a guarda e os chefes da guarda, que ganhavam mais. Está na história, aprendamos com ela.
Com a atual proposta das Escolas Cívico-Militares o procedimento é semelhante de quando a guarda cobrava tributos daqueles agricultores com as mãos calejadas e costas arcadas. Cria-se o medo e a cizânia para depois vender soluções falsas. Assim começam o aprisionamento, a exploração e as opressões. Como naquela época, não protegem do inimigo, eles são o inimigo.
Observemos a história recente do país.
Primeiro, o discurso de ódio, o desrespeito contra professores e escolas, a cantilena da “escola sem partido”, quando, na verdade, queriam doutrinar sob a ordem militar. Depois, o “papo” de disciplina, hierarquia, respeito (como aconteceu com o “papo” de proteger a plantação dos roubos das outras tribos). Pareceu até bom, não é? Aos agricultores que deixaram-se escravizar pelos irmãos, pareceu que sim.
Passada a fase dos ataques de artilharia ideológica com bombas de cizânia e descrédito, vieram com a “solução” das Escolas Cívico-Militares. Comparem com o que houve com os agricultores ao final da pré-história. Com o coturno nas Escolas começam a domar o pensamento livre e a mandar na aula; além do bônus de “dinheirinho” extra, bom dinheiro, por sinal. Pode-se chamar de “guarda da plantação” ou “disciplinador da educação”, o termo que for, esse tipo de esperteza há de sempre, pronto para dar o bote. Prevalece impondo o medo, fazendo o povo baixar a cabeça e obedecer sem perguntar, e assim pagar o Tributum sem reclamar.
Pesquisem, estudem, está na história. Só muda o nome do “esperto”: guerreiro, faraó, imperador, senhor feudal, burguês, milico, fascista, bufão… No fundo, mandriões que se travestem de vendedores de ilusões, ora se impondo pela força, ora pela engambelação. É o que começa a acontecer quando se mete farda no pátio das escolas. Ordem unida no lugar de educação, ameaças no lugar de debate, dogmas no lugar de ideia… Dá para compreender o que está para acontecer?
Essa gente não entende da arte de educar, como não entendia do ofício de plantar. Em seu modelo de disciplina escolar querem tratar o aluno como se fosse recruta, estudantes como infantes da obediência e da servidão.
Sabem a origem da palavra Infantaria?
Infante, criança. Os meninos eram colocados na frente dos pelotões, usados como “bucha de canhão” nas batalhas, abrindo caminho para a cavalaria montada. Os “valentes” colocavam as crianças para morrerem na frente, só depois é que atacavam. Com o sangue das crianças foi feita a glória dos chefes militares. Do exército de Xerxes aos centuriões de Roma.
Dizem que Escola Cívico-Militar é para colocar ordem, acabar com a bagunça. Mas a intenção é outra, querem mesmo é domar a cabeça do povo antes que os jovens aprendam a pensar por suas cabeças. Escola Cívico-Militar é um novo jeito que se inventou para tirar dinheiro da educação; como na época dos agricultores assustados, de há cinco mil anos atrás. E não é pouco dinheiro.
Quando um militar reformado vai trabalhar numa Escola Cívico-Militar, ele dobra os vencimentos, recebe um complemento salarial em valor superior ao salário do professor, além da aposentadoria que já recebe. Isso sem qualificação pedagógica alguma, sem qualquer preparo para trabalhar em escola. Honestamente, reflitam. É justo, faz sentido?
Esse é um o dinheiro que falta para a manutenção da Escolas, aparelhamento de Laboratórios de Ciências, aquisição de livros, contratação de bibliotecárias, psicólogas e assistentes sociais, dinheiro que falta para melhorar a merenda, o salário dos professores. Ao invés de policiais darem proteção no entorno das escolas, nas ruas do bairro, beneficiando toda comunidade, deram um jeito de pular muro adentro para trabalhar como Bedel.
Muro adentro, calam com os olhos e fazem crianças e jovens (e os pais) acreditarem que vida boa é de quartel, não de escola. Doutrinam para que a comunidade escolar tenha medo até do próprio pensamento. Assim que se perde uma geração. Assim se perde uma nação. Quem se deixou engambelar pela “conversa” de disciplina militar nas escolas um dia vai se dar conta do mal que produziu na vida de seus filhos e do país. Que esse dia não seja tarde demais.
Aos poucos, a Escola Cívico-Militar está virando um grande negócio a subtrair verbas da educação. Além do complemento na aposentadoria dos policiais militares designados para as escolas, outros, em negócio que vai passando despercebido, vendem consultoria para implantação e acompanhamento das Escolas Cívico-Militar. Cobram por Escola, e não é pouco.
São muitas as empresas de consultoria cívico-militar para escolas, criadas por militares da reserva; esses, de alta patente, porque o chão da escola é para cabos e sargentos. Daí vão expugnando escola a escola, prefeitura a prefeitura, governo estadual a governo estadual, até mesmo em estabelecimentos privados de ensino. Bem na tática militar de ocupação do território, palmo a palmo.
Entre 2020 e 2022, segundo dados do Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (SIOP), o Ministério da Educação gastou R$ 94 milhões em gestão cívico-militar para apenas 216 unidades escolares no país; afora o gasto de prefeituras e governos estaduais. Percebam, não é o custo total das escolas, mas apenas a parte correspondente às despesas militares nas escolas. Dinheiro subtraído da atividade pedagógica das Escolas. Com esse dinheiro daria para realizar muita coisa boa nas escolas; vocês não acham?
Por isso tentam vencer na gritaria, no medo e no lobby. Sabem que o Negócio de Escola Cívico-Militar é inconstitucional. Ele fere a LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). No rol de despesas e investimentos previstos pela LDB não cabe despesa militar. Em São Paulo a Justiça suspendeu lei do governo do estado que instituía programa de Escolas Cívico-Militares por conta disso. O sindicato dos professores da rede estadual de ensino, a APEOESP, entrou com Ação Direta de Constitucionalidade (Adin 7662) e teve o recurso acatado pelo Tribunal de Justiça.
A Constituição Brasileira não prevê que militares possam exercer funções de ensino ou apoio escolar. O que está acontecendo com a implantação inconstitucional das Escolas Cívico-Militares não se trata da coexistência de dois modelos, cabendo aos militares “apenas” o regramento da disciplina das escolas, mas sim a gradual substituição de profissionais da educação. Educadores que devem prestar concurso público e passar pela análise de formação e títulos acadêmicos, não para policiais militares reformados, despreparados para a função e, pior, selecionados “a dedo”, sem qualquer critério transparente ou de competência. Não há amparo constitucional, nem formação pedagógica para Policial-Bedel, muito menos concurso, o que está acontecendo é desvio de função e falta de efetividade comprovada.
Tenham certeza, o estrago que estão produzindo será grande, agora e no futuro. Assim como foi negativo o impacto do golpe cívico-militar de 1964 na educação brasileira. Quem ama o Brasil, sua família, seus filhos, quem ama a educação, não compactua com o “golpe” das Escolas Cívico-Militares. Por isso essa crônica como alerta e homenagem às professoras e professores do Brasil. Um chamado à luta em forma de poema, estilhaçando o verso e métrica pelo Verbo-Professor. Parte superior do formulário. Escola não é quartel. Escola é para educar!
Verbo-Professor
(poema em dez atos)
Ato 1
Ato,
Do latim
Aptus,
Movimento,
Ação,
Atitude,
Atuação.
Movimento
Em forma de poema,
Como faca cortando o vento,
Impulso que rasga o ar,
Boca que grita,
Mão que não espera,
Pé que pisa o chão,
Corpo que não pede licença,
Pulso que pulso
Até abrir a pedra.
Ação,
Verbo que explode no peito,
Corpos em luta,
Força que empurra o mundo,
Pensamento que ferve,
Resistência em carne.
Atitude
Na dança das horas e dos dias,
O Ato não se dobra ao medo,
Carrega a história,
Faz e refaz.
Escreve,
Risca e
Grava
O suor da persistência.
Atuação,
Vontade que não se cansa,
Sangue quente da rebeldia,
Semente no vento.
É luta,
É sonho,
É resistência,
Ato 2
Ação de Educar,
Diálogo.
Educar sem diálogo vira pedra.
Educar
Não é afogar
Sob palavras de comando.
Educar é desafogar,
Colocar pessoas em ação.
Movimento
Rumo ao horizonte,
À utopia.
Educar é fazer sonhar,
Ensinar a caminhar.
Educar é atitude.
Caminhar ao horizonte,
Colocar as pessoas
Em movimento.
Caminho que se faz ao caminhar
Rumo ao horizonte
Que se afasta
A cada novo passo.
Educar é ensinar as pessoas a caminhar,
Isso é educar!
Apontar sentidos,
Horizontes largos,
Tornar o que está distante,
Próximo.
Caminhar
Até encontrar:
O sonho,
A liberdade,
O futuro,
A bondade,
A curiosidade,
A sabedoria
E a coragem.
Isso é educar!
Educar é promover diversidade,
Aceitar as tranças em modelo afro,
Os cabelos coloridos…
Lindos!
O jeito descontraído de ser adolescente,
O riso leve da criança.
Educar não é marcha militar,
É caminhar sem medo,
É acolher
O diverso
E promover a convergência.
Educar é um ato de coragem
E amor.
Ato 3
Educar é diferente
Do que se prega nos quarteis.
Não é o olhar frio e cortante,
Fazendo a palma da mão
Se fechar.
Não é
Ordem unida,
Marcha constante,
Isso não é educar.
Educar é
Animar,
Se divertir com o riso solto,
Leve,
Desajeitado.
É
Recreio nas escolas,
Acolhimento,
Prazer em aprender,
Descobrir.
Não é
Sufocar
Sob o grito de “ordem”,
Enrijecer soldados de chumbo,
Moldar marionetes da obediência.
Não é marcha
Com passos alinhados,
pensamentos podados
e alma fardada.
Educar é sabedoria.
Estudantes são rio,
E suas águas jamais são as mesmas.
Puro movimento,
Fluido
Como água.
Educar
Não é
Pregar o terror,
As ameaças,
O assédio
De quem vigia o aluno e o professor.
Não!
Definitivamente, não!
Educar não é colocar viseira,
Nem marcha de quartel.
Educar não se faz com Escola Cívico-Militar,
Se querem educar,
Aprendam a educar,
Mudem de profissão,
Cursem universidade,
Aprendam a ensinar,
Façam magistério,
Comecem de novo.
Suas ordens e disciplina são assédio,
A elas dizemos:
Escola não é quartel!
Aprender não rima com ordem militar.
Escola Cívico-Militar não cabe na Constituição,
Na lei 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
A violência de vocês
Não nos intimida,
À violência de vocês, respondemos:
Escola não é quartel!
Voltem para a caserna,
Deixem nossos alunos em paz!
Ato 4
Nós não temos medo de vocês!
A vida das professoras e professores do Brasil
É difícil, dura,
Mas feita com muito esmero.
Somos gente dedicada
Que ama a arte de educar.
Nós não temos medo de vocês!
Apesar de tantas mentiras,
Tantas manipulações,
Tantos descasos e desrespeitos,
Seguimos aqui.
Há esperança.
Há esperança porque estamos aqui,
Sempre estivemos e estaremos aqui.
Era uma vez nas escolas.
Esse tempo houve,
Esse tempo existe,
O tempo de ensinar
Com amor, ciência e coragem.
Nós,
Apesar de todas as dificuldades,
Professoras e professores do Brasil,
Sentamo-nos à mesa e falamos de mundos e sonhos.
A voz de Paulo Freire ecoa:
“Educar é um ato de amor!”
É a nossa missão
Para salvar o nosso tempo
Da destruição.
Não é fácil,
Sabemos,
Não era fácil,
Nunca será fácil.
Por isso seguimos aqui
E não temos medo de vocês.
Escola não é quartel!
Não desistimos,
Sempre estaremos nas Escolas.
Somos educadoras e educadores do Brasil!
Tanta dureza,
Tanta descontinuidade,
Tanto descaso de quem governa
(também de quem elege os governos e representantes,
revelando descaso no ato de eleger).
Apesar de:
Carreira desrespeitada,
Precarizada,
Baixos salários,
Bibliotecas com livros desatualizados,
Falta de laboratórios
(e quando há, falta de laboratórios bem equipados),
Escolas mal conservadas…
Seguimos firmes
E dizemos:
Escola não é quartel!
Falta muita coisa,
Até água em banheiro falta.
Falta:
Segurança no entorno da Escola,
Funcionários,
Manutenção,
Professores com estabilidade na unidade de ensino,
Psicólogas e Assistentes sociais…
Falta muita coisa:
Cultura e artes,
Esporte…
Falta tanta coisa,
Até papel higiênico falta.
Só não nos falta coragem.
Por isso dizemos em alto e bom som:
Escola não é quartel!
Nós não temos medo de vocês!
Sabemos da maneira sórdida com que vocês agem,
Cheia de mentiras,
Manipulações e
Desrespeitos.
Vocês não nos enganam,
Não vamos nos intimidar.
Escola não é quartel!
Ato 5
Para descredibilizar o ato de educar,
Disseram que a Escola era ideológica,
Com partido,
Doutrinadora.
Atacaram
A vida escolar
E a pluralidade.
Cheios de mentiras,
Vieram com a “Escola sem Partido”,
No fundo, a mais partidária de todas as Escolas,
A Escola que quer dominar.
Sob o nome “sem partido”,
Partidarizaram,
Ofendem,
Agridem.
Atacam a liberdade de cátedra,
O pluralismo de ideias.
Produzem
Cizânia,
Delações,
Intimidações,
Terror.
Induzem
Alunos e pais a afrontarem professores,
Filmarem e agredirem os mestres.
Que coisa feia!
Triste.
Deturpam tudo com as maldades.
Agem para
Doutrinar,
Desunir,
Dominar.
Depois…
Depois vêm com a farda,
Fazem a Escola se encher de comandos
Até que os alunos obedeçam sem questionar.
Depois…
A Escola ficará vazia,
Triste,
Em silêncio.
“-Aqui não se pensa! – Aqui se marcha!”
É a ordem da instrução fardada.
Livros, antes abertos,
Agora censurados.
Alunos cheios de vida,
Agora armados de medo.
“-Aqui não se pensa! – Aqui se marcha!”
E impõem novas lições:
“- Não pergunte, não duvide, não pense!”
Nós,
Mestras e mestres do Brasil,
Estamos aqui e não nos intimidaremos.
Escola não é lugar para impor o medo.
Educação não se faz com marcha,
Educação se faz com pensamento,
Generosidade,
Coragem.
Vocês não nos metem medo,
Nem vão controlar o pensamento.
Basta!
Deixem nossos alunos em paz!
Tirem as botas de nossas Escolas!
Nós não permitiremos que vocês arrombem
Os portões de nossas Escolas.
Escola não é quartel!
Parem de pisar em nossos jardins!
Pátio escolar é para Recreio
Encontro entre alunos.
Não permitiremos que vocês arranquem as flores de nossos jardins!
Nem a voz de nossas gargantas.
Ato 6
Sob o disfarce da disciplina e da ordem,
A Escola Cívico-Militar só produz
Desordem,
Assédio,
Intimidação.
Pela força bruta tentam arrancar o lápis,
Apagar a memória,
A liberdade.
Mas nós seguimos aqui, e resistimos.
Nossas mentes subsistem,
Nossas mãos ensinam a segurar o lápis,
Nossas perguntas são o primeiro passo
De quem ensina e questionar.
Quem pergunta, aprende.
Quem segura o lápis, escreve a história.
Quem resiste, vence
Ensinamos nossos alunos a segurar o lápis,
Não o fuzil.
Nós somos professoras e professores do Brasil!
Não vamos esconder a história nos armários.
Escola Cívico-Militar é a escola
Do fascismo
Que mora nas mentes degeneradas,
Se impõe pelo medo,
Por mentiras e
Imposturas.
Nós não temos medo de vocês!
O lápis vai vencer o fuzil.
Nós estamos aqui e resistimos em Ato.
Não nos calaremos!
Somos professores e professoras do Brasil,
Não vamos aceitar
O velho monstro
Vestido de novo.
Pelas mentes caladas se impõe a dominação.
Quem fala de vida vira alvo?
Falaremos de vida.
Na sala da infância,
onde o riso é livre,
o baque seco
da bota polida
surge para abafar o riso.
Farda, farda, farda!
Na lousa querem impor
Só a sombra do giz.
E o sonho, coitado,
se esconde no canto.
– Atenção! Alinhem-se!
A voz fardada manda,
Apagar o futuro
E o presente vira fileira reta.
Mas cadê o menino solto,
o brilho no olho,
cadê o livro aberto
que ensina a pensar?
Nós estamos aqui
Abrimos os braços
A esses meninos e meninas.
Resistimos.
Vocês não vão impor o medo travestido de ordem e disciplina,
Sabemos das maldades degeneradas que pretendem ordenar.
O fascismo caminha no passo marcado,
na espreita da ordem sem alma.
Oh, meu Brasil,
deixa a escola voar!
Não ponha corrente
no pensamento,
não prenda a palavra
no quartel do silêncio.
O perigo é a ideia calada
no peito da gente
que um dia foi livre
e esqueceu de sonhar.
Oh, meu Brasil,
Deixa a escola voar!
O futuro mora nas ladeiras do passado,
Vamos escutar a história,
Lembranças do tempo da lança
Que não conhece a covardia.
Lembranças de vida e de amor.
Oh, meu Brasil,
Deixa a escola voar!
Ato 7
Ei, você aí,
soldado fantasiado de professor,
para que essa farda?
Para que esse grito duro
no pátio onde deveria ecoar
a palavra viva?
Transformar a escola
num quartel,
numa linha reta,
onde os corpos das crianças
aprendem a marchar
em vez de sonhar.
Não pode!
Aqui não se afia ordem unida,
Se afia sonhos, ideias, pensamentos.
Sonhos, ideias e pensamentos,
Não cabem em fardas.
Farda no corpo é prisão no peito.
Sonho que fenece,
Pensamento sem futuro.
Não ensinamos a temer,
A calar,
A ser só mais um
Neste exército do cumprimento de ordens.
Nós somos os que gritam,
Os que rasgam essa farsa.
Nós ensinamos a voar
Em revoada.
Voem!
A caminhar de braços dados
Rumo ao horizonte,
Que fica logo ali.
Caminhem!
Mesmo que logo ali seja tão distante,
Caminhem,
Mesmo que o horizonte se afaste.
Caminhar e voar, é o que ensinamos,
Isso não ensina o militar.
Juntando mãos com mãos
O futuro
Corre, pula, explode
em mil cores.
Não há muro,
Não há grade
Que detenha mãos com mãos.
Escola soldada,
Calada,
Escola do temor,
Da ordem unida,
Do individualismo,
Da ganância,
Da delação e desconfiança,
Do “um contra todos”
Do “todos contra um”.
Dessa Escola não se avista o horizonte.
Nem nasce o amanhã.
Tirem suas botas do chão das escolas!
Aqui é terra de sonho,
E sonho não se pisa com coturno.
Sonho não se submete.
Ato 8
Não é fácil enfrentar
Tanto desrespeito,
Tanta agressão.
Mas nós estamos aqui,
Nas Escolas.
Não desistimos.
Nós somos professoras e professores do Brasil!
Magistério,
carreira nobre,
Vocacionada
E desrespeitada
Agredida, acuada…
Ainda assim,
Lindamente talhada
Na coragem,
Na dedicação.
Seguimos o chamado,
Estamos aqui por vocação.
Nós somos professoras e professores do Brasil!
Magistério
É para aquelas e aqueles
Que voam sem medo.
Por isso dizemos em alto e bom som:
Escola não é quartel!
E repetimos:
Escola não é quartel!
Nós não temos medo de vocês!
Anunciamos agora e sempre:
Não permitiremos
Que nos pátios das escolas
Se imponha a disciplina falsa,
A ordem vazia,
O medo.
Não permitiremos
O civismo de fanfarronice,
O patriotismo entreguista,
Falso, vazio de sentido.
Nosso civismo,
O civismo das professoras e professores do Brasil,
Zela pelo bem comum,
Se dedica ao próximo
Com fidelidade à vida coletiva,
Ama a pátria e a mátria,
Vai à raiz,
É ancestral.
É visceral.
Nosso civismo
É harmonioso,
Respeitoso,
Ubuntu!
Não se impõe,
Se comparte,
Tekoá Porã!
Voa ao futuro com os olhos no passado,
Sankofa!
Educamos para a Cultura Viva e o Bem Viver.
A beleza salvará o mundo
Escreveu Dostoiévski
A vida tem que ser
Bela, boa e justa para todo mundo.
Só é belo o que é verdadeiro,
Só é bom o que é real,
Só é justo o que vem da alma,
Com ciência,
Consciência,
Verdade, bondade e justiça,
É o que ensinamos.
A beleza salvará o mundo!
Ato 9
Escola não combina com assédio,
Ameaças,
Doutrinação pelo medo,
Ignorância e agressões.
Nosso civismo é civilista,
Não militarista.
Nós ensinamos
Igualdade,
Liberdade.
Fraternidade,
SO-LI-DA-RI-E-DA-DE.
Não odiamos
O povo livre,
Como vocês odeiam
E temem.
Não manipulamos
Corações e mentes
Como vocês pretendem manipular.
Não impomos
O domínio
Do medo
Social,
Teológico,
Politico,
Econômico.
Nosso civismo é civilista!
Nosso civismo é o civismo do povo
Brasileiro,
Sofrido,
Desrespeitado,
Ofendido,
Humilhado…
Ainda assim,
Solidário,
Alegre,
Vivendo na base da pirâmide social
De um país
Tão desigual.
Nosso civismo não se impõe,
Se educa.
Escola é lugar de educação, jamais de destruição,
Escola é lugar de amor, jamais de ordem vazia.
Escola é lugar de sensibilidade,
Conhecimento,
Equipe.
Escola não rima com quartel,
Educação não rima com tacão.
Escutem!
Policiais Militares
Não são preparados para serem
Bedel de crianças e adolescentes.
Escola é para educar, não para obrigar o silêncio.
Escola é para aprender, não para a disciplina vazia.
Educar não é impor ignorância.
Educar não são bravatas de quartel.
Não é ordem unida na colina.
Educar é buscar sabedoria,
No lugar da redundância
A teoria.
Escola é para educar!
Educar!!!
Escutem!
São tantas as notícias de assédio
Nas Escolas Cívico-Militares,
Tantas e tão feias
Que não cabem em um poema.
Não cabem!
Ainda assim, falaremos de algumas,
Já divulgadas em jornal,
Não nos calaremos!
Parem!
Deixem nossas alunas em paz,
São meninas, doze, treze anos.
Parem de assediar!
Cobiçar,
Oferecer presentes e dinheiro
Em troca de favores,
Um toque erotizado,
Um olhar lascivo,
Ou coisa pior.
Deixem nossas alunas em paz!
Parem de assediar nossos alunos!
São meninos.
Numa Escola Cívico-Militar,
Milicos fazendo vez de Bedel,
Se divertiam ao assistir briga entre alunos
No portão da escola;
Ao final,
Tiro ao alto,
Que não se sabe de onde veio.
Só se sabe
Que aqueles que deveriam proteger
Se riam da cena triste
Como em um deboche.
Noutra,
Um policial-bedel
Ameaçou um aluno com a seguinte frase:
“- Já matei muitos, um estudante a mais não fará diferença!”
Deixem nossos alunos em paz!
São meninos.
Deixem nossas alunas e alunos em paz!
São meninas e meninos.
Das escolas que viraram quartel
As notícias chegam a cada dia.
Tantas e tão feias
Que não cabem em um poema.
Deixem nossas alunas e alunos em paz!
Pais!
Não se deixem enganar,
Sob o manto da hipocrisia,
De palavras de ordem e disciplina,
Estão assediando seus filhos.
Nós somos professoras e professores do Brasil,
Não vamos deixar o sonho morrer
Sob coturnos.
Sonhos não cabem
nos quartéis da mente.
Pássaros ensinados
A voar alto,
Vão voltar a voar.
Nosso ofício é abrir gaiolas.
Nós vamos abrir as gaiolas!
Estamos avisando.
Somos Educadores por vocação,
Não mantemos pássaros enclausurados
sem que saibam que têm asas.
Nós vamos abrir as gaiolas!!!
Ato 10
O futuro
Se constrói com perguntas,
Dúvidas e erros, assim se aprende.
O futuro
Não se constrói com regras duras,
Certezas cegas e paredes invisíveis.
“Educar é um ato de amor”,
Ensinou Paulo Freire,
Nosso mestre tão amado.
Repetimos as palavras
Do grande educador brasileiro,
Respeitado em todo mundo,
Porém,
Amaldiçoado por uns tantos por aqui,
Gente estúpida,
Covarde,
Ignorante,
Que nunca leu uma única linha do pensamento do mestre.
Pelas Escolas de Esparta
Só podem surgir soldados
Prontos para morrer e viver sem razão.
Nossos alunos não serão soldados de Esparta!
Não permitiremos
Que brotem gerações
de olhos sem brilho
e corações mudos.
Nosso compromisso é:
Cultivar esperança.
Sabedoria,
Ciência,
Filosofia,
Respeito ao próximo,
Compaixão,
Solidariedade.
Cultivamos amor;
Amor!!!
O amor não vai perder lugar,
Nem na lousa, nem no pátio de Escola,
Nem intramuros, nem além muros.
Se não fizermos nada,
Quem pagará o preço?
Os jovens de agora,
Assediados,
Formatados,
Brutalizados,
Apagados.
Não vamos abandoná-los!
Estamos avisando.
Educamos jovens
E crianças
Para que suas asas
lhes permitam
voar sem medo.
Voar
Com ciência,
Humanismo,
Disciplina no estudo,
Arte,
Esporte,
Matemática,
História,
Geografia,
Literatura
E linguagens.
Por isso educamos,
Por eles lutamos!
Por eles, por nós,
Resistimos.
E gritamos em alto e bom som:
Escola não é quartel!
Escolhemos a palavra que ensina,
Mas se só nos ouvirem no grito,
Saberemos gritar.
Nós somos professoras e professores
E não temos medo de vocês.
Escola não é quartel!
Nosso verbo é o Verbo-Professor
O FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação)
O FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) é um mecanismo fundamental de financiamento da *educação básica pública no Brasil. Criado em 2006, o fundo entrou em vigor em 2007, substituindo o antigo **FUNDEF* (que era voltado apenas ao ensino fundamental), ampliando seu escopo para incluir toda a educação básica, do infantil ao ensino médio.
Principais características do FUNDEB:
- Abrangência: O FUNDEB financia a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, incluindo modalidades como a educação especial, educação de jovens e adultos (EJA), e educação indígena e quilombola.
Composição de recursos: O fundo é composto por recursos provenientes dos impostos estaduais, municipais e federais. Os estados e municípios são obrigados a destinar uma parte de sua arrecadação de impostos (como ICMS, IPVA, entre outros) ao FUNDEB, e o governo federal contribui com complementações para os estados e municípios que não atingem um valor mínimo de investimento por aluno.
*Distribuição dos recursos: Os recursos são redistribuídos de maneira a garantir maior equidade entre as regiões do Brasil. O fundo prioriza áreas mais carentes, com menores arrecadações, assegurando uma **distribuição proporcional ao número de alunos matriculados* na rede pública.
*Valorização dos profissionais da educação: Parte dos recursos do FUNDEB é destinada ao pagamento de professores e outros profissionais da educação, promovendo sua **valorização e qualificação*.
*Permanência e ampliação: Originalmente com prazo para expirar em 2020, o FUNDEB foi transformado em uma política pública permanente por meio de uma **emenda constitucional aprovada em 2020*, aumentando também a participação financeira da União. O percentual de complementação da União passou de 10% para 23% de forma progressiva até 2026.
Importância do FUNDEB:
O FUNDEB é essencial para a manutenção de um sistema educacional mais justo e igualitário no Brasil, especialmente para regiões mais pobres, que dependem fortemente desse fundo para garantir a qualidade mínima do ensino. Ao redistribuir os recursos entre estados e municípios, o fundo ajuda a reduzir desigualdades regionais no financiamento da educação, buscando assegurar que todas as crianças e adolescentes tenham acesso a uma educação básica de qualidade.
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Alguns pontos sobre a crise na UERJ
• Volta às aulas após ocupação • As bolsas da universidade • Diálogo e radicalização • O começo • Apoio à reitora • O orçamento •
UERJ volta às aulas após desocupação da reitoria
As aulas do campus principal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) voltam hoje (24/9), após dias de tensão. Estudantes ocupavam a reitoria do prédio localizado no Maracanã desde o dia 26/7, em defesa de bolsas de permanência estudantil que haviam sido concedidas no contexto da pandemia de covid. A reintegração de posse aconteceu na sexta-feira, depois de a reitoria ter considerado que todas as tentativas de diálogo haviam sido esgotadas. Houve confusão e a PM utilizou bombas de efeito moral, além de deter três estudantes e o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que estava presente. Após a saída dos estudantes, foi feita uma perícia no prédio e a polícia constatou que havia danos em paredes, portas, pias e mobiliários. Alguns discos rígidos contendo informações importantes da instituição haviam sido retirados dos computadores.
A questão das bolsas
Desde a pandemia, alunos com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo recebiam bolsa permanência de 706 reais. Seu escopo foi reduzido: agora, vale apenas para aqueles que vivem com até meio salário – cerca de 1.200 pessoas – com valor menor, de 500 reais. Bolsas de auxílio a alimentação e material também tiveram de ser restringidas. É importante destacar: os estudantes que entraram na universidade por cotas não deixaram de receber bolsas, que já estão garantidas no orçamento – são cerca de 9 mil que recebem o auxílio. “É um grande esforço que estamos fazendo, desde o início do ano, para garantir a quantidade de bolsas. Talvez seja a universidade que dê mais bolsas de permanência no Brasil”, afirmou a reitora Gulnar Azevedo a este boletim. Ela também afirmou que a UERJ oferece outras cerca de 6.500 bolsas acadêmicas.
Faltou diálogo com os estudantes?
“Nós fizemos essa proposta, para poder garantir uma transição. E, mesmo assim, eles não quiseram negociar. Foram oito tentativas de negociação, oito mesas com todos os centros acadêmicos da UERJ, o DCE e os ocupantes da reitoria. Eram reuniões abertas”, garantiu Gulnar. Segundo seu relato, há uma parte dos estudantes que foram totalmente intransigentes e se fecharam às negociações. A reitora foi ameaçada de morte duas vezes nas redes sociais.
“Alguns centros acadêmicos queriam aceitar a nossa proposta. Quando falavam alguma coisa diferente do que os ocupantes queriam, eles impediam que a reunião continuasse. Foi nesse nível, entendeu? Um nível muito grande de violência e de intransigência. Eles impediam a continuidade das reuniões com tambores e instrumentos musicais”, contou. Ao ver que a tensão aumentava, a reitoria acionou a justiça para que fosse feita a reintegração de posse. Segundo ela, havia “risco e prejuízo enorme” para a gestão da universidade, pois o campus que estava ocupado abriga a administração central. Lamentavelmente, a força policial foi convocada pela juíza responsável pelo caso para retirar os estudantes.
Mudança em momento inoportuno
Um estudante que falou à redação confirma que o diálogo foi impossibilitado por parte dos ocupantes da reitoria. Mas, em sua opinião, o ato executivo que extinguiu as bolsas foi publicado repentinamente. “Se a reitora tivesse feito um movimento anterior, convocando os alunos, a comunidade da UERJ, para fazer uma mobilização política em cima do estado para garantir a manutenção dessas bolsas”, o desfecho poderia ter sido diferente, segundo ele. O estudante também relata que algumas das reuniões foram “mal conduzidas” por representantes da reitoria. Segundo ele – que deu seu relato no dia em que a PM do Rio de Janeiro fez a desocupação do prédio –, a maior parte dos estudantes não aprovava o “manejo” da crise pela reitoria.
Apoio de entidades aos reitores
Gulnar Azevedo e o vice-reitor Bruno Deusdará receberam manifestações de apoio. A Frente pela Vida, rede de movimentos da saúde, escreveu que ambos “têm uma trajetória de defesa da democracia e do ensino público. Gulnar em um dos períodos mais difíceis da vida nacional, ocasião da pandemia, esteve junto com várias companheiras e companheiros, à frente da luta em defesa da população, e da democracia brasileira”. Também criticou a “interdição do diálogo, construção midiática de narrativas, interrupções de reuniões, e violência, como se viu agora, em que a reitora Gulnar Azevedo teve sua vida ameaçada”. A presidência da Fiocruz também manifestou sua “total solidariedade” à reitora e destacou que “nenhum estudante em vulnerabilidade ficou sem suporte em algum tipo de auxílio”.
Orçamento limitado
Em meio às discussões sobre o futuro das bolsas, é incontornável o tema do orçamento da UERJ – e das universidades brasileiras que, como um todo, sofrem de falta de verba muitas vezes para que funcione sua estrutura básica. Sobre o assunto, Gulnar afirmou: “Nós viemos trabalhando desde o início com o governo nesse sentido. No ano passado, o recurso recebido foi insuficiente para garantir todas as nossas atividades. Por isso, houve uma suplementação de 336 milhões de reais. Em 2024, o governo do estado afirma estar com dificuldade de arrecadação e prevê que, até o final do ano, não será possível fazer a suplementação de recursos. Nós conseguimos, depois de muita negociação, garantir uma suplementação de 150 milhões. Mas eles não vão apenas para bolsas: são para garantirmos todas as atividades até o final do ano. Não dá para cobrir tudo”.
Hipótese: em tempos “arcabouço fiscal” a nível federal, Regime de Recuperação Fiscal a nível estadual e “austeridade” como ideologia dominante em todos os níveis, crises como essa continuarão a acontecer.
Telas, déficit cognitivo e crise da educação
Estudos mostram: celulares podem afetar a concentração, a saúde mental e o aprendizado de crianças e adolescentes. Porém, normaliza-se o “inovacionismo” nas escolas, sem reflexão crítica – e o Estado é moroso em promover este debate
É amplamente aceito por especialistas de diversas áreas que o uso prolongado de telas traz muitos malefícios, tanto para a saúde física quanto para o sistema neurológico. Esses efeitos negativos são particularmente preocupantes para crianças e adolescentes, que estão em uma fase crucial de desenvolvimento.
O uso excessivo de telas está associado a uma série de problemas de saúde física, incluindo fadiga ocular, dores de cabeça, distúrbios do sono e problemas posturais. Passar muitas horas por dia em frente a uma tela pode levar ao cansaço visual, que se manifesta em visão turva, olhos secos e dificuldade de foco. Além disso, a postura inadequada durante o uso de dispositivos eletrônicos pode causar dores no pescoço e nas costas, bem como outras complicações musculoesqueléticas. Para crianças e adolescentes, cujos corpos ainda estão em desenvolvimento, esses problemas podem ter efeitos a longo prazo.
No entanto, os impactos negativos não se limitam à saúde física. O uso prolongado de telas também pode afetar o desenvolvimento neurológico e psicológico dos jovens. Estudos têm mostrado que o tempo excessivo de tela está correlacionado com dificuldades de concentração, problemas de comportamento e desempenho acadêmico prejudicado. Além disso, a exposição constante a estímulos digitais pode interferir no desenvolvimento da criatividade e da capacidade de resolução de problemas, habilidades essenciais para a formação de cidadãos.
Em pleno século XXI onde a tecnologia está cada dia mais avançada, as pessoas adquirem doenças e problemas psicológicos frequentes. A tecnologia com os processos de automação leva as pessoas a assumirem uma vida sedentária, já que, a comodidade, rapidez e flexibilidade na aquisição de informação diminuem o esforço das pessoas em buscar fontes alternativas de lazer, trabalho e estudo (MATTOSO, 2010, p. 31).
O uso constante de telas, tanto na escola quanto na vida particular dos alunos, tem levado muitos jovens a desenvolverem dificuldades de aprendizagem. Quando são solicitados a realizar atividades analógicas ou escritas, eles não conseguem se concentrar por muito tempo, perdem a atenção e ficam estressados. Isso ocorre porque a forma de pensar está sendo condicionada pelo alto índice de interação com telas, que não exige esforço intelectual significativo, já que tudo é apresentado pronto e o máximo de esforço necessário é apertar teclas ou tocar a tela.
O que mais preocupa nesse momento é a inserção dessas plataformas tecnológicas nas escolas de forma natural, sem uma pesquisa prévia ou consulta popular. Isso tem levado à normalização da tecnologia como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento e a aprendizagem, sem considerar os possíveis efeitos nocivos. Condicionar docentes e alunos a passarem horas diante de telas, além do já excessivo tempo que muitos passam fora da escola, pode ser prejudicial. A falta de limites no uso dessas tecnologias pode agravar problemas de saúde física e mental, além de impactar negativamente a capacidade de concentração e o desenvolvimento de habilidades analógicas e motoras.
A escola deveria oferecer aos alunos um modelo diferente de elaboração do conhecimento, que promova a criatividade e valorize tanto o saber prático quanto o teórico. Em vez de condicionar ainda mais os alunos a passarem horas na frente das telas, as instituições de ensino deveriam incentivar atividades que não dependam exclusivamente da tecnologia digital.
Para desenvolver e expor os riscos da imposição do uso constante de plataformas digitais nas escolas sem uma reflexão crítica, utilizamos o trabalho de Pierre Weil (2020). O autor levanta questionamentos sobre a normalização de certos hábitos associados ao consumo de conteúdos digitais e à frequência de acesso a esses conteúdos, destacando os possíveis riscos à formação e ao desenvolvimento cognitivo. Segundo Weil (2020, n.p), a normose é considerada:
“o resultado de um conjunto de crenças, opiniões, atitudes e comportamentos considerados normais, logo em torno dos quais existe um consenso de normalidade, mas que apresentam consequências patológicas e/ou letais. Alguns exemplos de normoses: usos alimentares como o açúcar, o uso de agrotóxicos e inseticidas, o consumo de drogas como o cigarro ou o álcool, o paradigma newtoniano-cartesiano e a fantasia dualista sujeito-objeto em ciência, o consumismo associado à destruição da vida no planeta.
O autor considera o uso da informática uma normose. Segundo ele, há um consenso cultural quanto à normalidade do uso da informática, mas esse uso apresenta consequências patogênicas e/ou letais, que são frequentemente normalizadas ou ignoradas.
Para desnaturalizar o aumento vertiginoso do uso da informática e suas consequências sociais, Weil propõe dois conceitos para aprimorar sua análise: “informatose” e “cibernose”. Esses conceitos ajudam a entender os impactos patogênicos e letais do uso intensivo da informática, que são frequentemente normalizados ou ignorados na cultura atual. De acordo Weil (2020), “A informatose é um termo que criamos para designar distúrbios ou mesmo doenças causados por excesso de fluxo de mensagens informacionais em relação a um só receptor, isto é, a uma só pessoa”. enquanto que “cibernose”:
[…] criado por um psicosociólogo francês, Van Bockstaele, para designar nós de estrangulamento nas comunicações, mais especialmente durante uma situação experimental que ele chamava de socioanálise, um método de dinâmica de grupo. Retomamos o termo para designar mais especialmente situações de perturbação de comunicações, com efeitos patogênicos sobre o sistema nervoso, ou funções mentais, causados na sua maioria pelo uso de aparelhos cibernéticos (WEIL, 2020, n.p).
Vamos abordar algumas consequências patológicas do acúmulo de informações ou do uso da informática em determinadas condições, caracterizando o que o autor denomina como “informatose”. Entre essas consequências, destacam-se o isolamento e o desmembramento familiar, onde o uso excessivo da tecnologia pode levar a uma desconexão emocional e física entre os membros da família. Além disso, há a dissonância cognitiva entre a aspiração de absorver informações e a real capacidade de processá-las, gerando frustração e estresse.
Outra consequência é a ligação sutil entre o computador e o ser humano, onde a dependência da tecnologia pode afetar a saúde mental, levando à neurose do virtual. Essa condição é caracterizada pela dificuldade de distinguir entre o mundo virtual e o real. Além disso, a divulgação constante de violência na mídia digital pode dessensibilizar o indivíduo e aumentar a sensação de insegurança. Essas são as principais consequências patológicas resultantes do excesso de fluxo de mensagens informacionais direcionadas a um único receptor, conforme descrito pelo autor.
A “cibernose” está associada aos efeitos de atrofia das funções humanas, incluindo a comunicação. Segundo o autor, uma das principais consequências é o desequilíbrio dos hemisférios cerebrais. Weil (2020) afirma que a educação atual se tornou predominantemente intelectual, focada no armazenamento de grandes quantidades de informações e no treino do raciocínio lógico-matemático, funções ligadas ao hemisfério esquerdo do cérebro. Em contraste, a criatividade, associada ao hemisfério direito, é pouco estimulada pela informática, levando à atrofia dessas funções em crianças e adolescentes, que se tornam dependentes do computador. Outras consequências incluem a atrofia da função numérica da mente humana e frustrações nas comunicações e relações humanas.
As considerações sobre os impactos do uso excessivo da informática e das redes de comunicação virtual não foram devidamente observadas pelo Estado. Não há um documento oficial do Governo Federal alertando sobre os riscos associados ao uso excessivo dessas plataformas pelas instituições de ensino. Esse cenário contribui para a percepção de normalidade, como se toda a lógica implementada por meio dessas plataformas estivesse alinhada com o desenvolvimento intelectual e tecnológico, que é sempre considerado um avanço, mas que na verdade expõem as crianças e adolescentes aos riscos quando não observado as restrições cognitivas que as telas podem produzir.
Referências
MATTOSO, R. Tecnologia X Sedentarismo. 2010. Disponível em: https://saladatextual.wordpress.com/2010/04/04/tecnologia-x-sedentarismo/. Acesso em: 15. maio. 2024.
WEIL, Pierre. A normose informacional. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, p. 111-124, ago. 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ci/a/wx45x8C8wdjJd9TvcsdxkKN/. Acesso em: 15 maio 2024.
Medicina: MEC nega abertura de 9 novos cursos; decisão impacta formação de médicos no país, defende entidade
Nove pedidos de abertura de novos cursos de Medicina, em vários estados do país, foram negados pelo Ministério da Educação (MEC) nas últimas semanas. O argumento do MEC para as negativas é que os municípios onde os cursos seriam abertos estão acima da recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) — de 3,73 médicos por mil habitantes Diante disso, não haveria a necessidade de novas instituições superiores de medicina.
As faculdades que moviam ações na Justiça ficam em Vitória (ES), São Carlos e Sorocaba (SP), Londrina (PR), Divinópolis (MG), Itajaí e Lages (SC), Salvador (BA) e, segundo a Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES), outros 34 pedidos de abertura de novos cursos que ainda estão em análise podem ser negados, se a pasta mantiver os mesmos critérios. O que teria impacto em cerca de 40 milhões de pessoas que vivem nessas regiões.
Para a advogada e consultora jurídica da AMIES, Priscila Planelis, os prejuízos virão a curto e longo prazos.
“Esses indeferimentos, caso mantidos em esfera recursal, significam que os municípios e suas regiões de saúde deixarão de ganhar. Seja no curto prazo, com atendimento médico à população carente, que é realizado pelos estudantes, professores e tutores. Seja a longo prazo, com a não formação de profissionais que seriam inseridos no mercado de trabalho e os médicos que atenderiam em UPAs, hospitais e consultórios.”
Desacordo da Lei dos Mais Médicos
A primeira negativa do MEC foi justificada, segundo a AMIES, pelo número suficiente de médicos nas cidades pretendidas, mas ela vai de encontro à Lei dos Mais Médicos. Lei que considera não apenas os municípios onde estão as instituições de ensino, mas as regiões de saúde — que é o conjunto de municípios de uma localidade que compartilham identidades culturais, econômicas, sociais, infraestrutura de transporte e serviços de saúde.
Em nota, o MEC informou que vem processando os pedidos de autorização de curso de Medicina cujo protocolo foi aberto por força de decisão judicial com base nas regras fixadas na Portaria SERES/MEC nº 531, instituída para conferir cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na ADC 81. Neste processo, a Corte do STF reconheceu a constitucionalidade da Lei dos Mais Médicos. Em função disso, os processos estão sendo submetidos à análise da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), com base nas regras previstas na Lei dos Mais Médicos.
Espírito Santo
O que buscam as instituições de ensino
A advogada da AMIES explica que o principal pleito das instituições junto ao MEC, no que diz respeito aos cursos de Medicina, está ligado à celeridade processual.
“Falta ainda finalizar 210 processos relatórios, ou seja, o MEC não decidiu ainda nem 30% dos casos cujo prosseguimento foi determinado pelo STF.”
Outro pleito é a reformulação da Portaria SERES 531/2023 — que estabelece os critérios para aprovação dos cursos interpretando a decisão do STF, que leva em conta apenas os municípios onde ficam as instituições e não as regiões de saúde.
“Esses pleitos das Instituições está de acordo com a letra da Lei dos Mais Médicos, com os demais normativos do MEC e com o desenvolvimento de todas as políticas públicas de saúde que são consumidas pelo Ministério da Saúde, que sempre enxergam o município dentro da sua região de saúde e nunca de forma isolada.”
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