ECONOMIA


A

A

    

A Síndrome dos Anos 80: Como o Medo da Inflação Paralisou o Brasil

Olá!

O trauma profundo da hiperinflação dos anos 80, quando os preços subiam 2000% ao ano.

Famílias corriam para mercados assim que recebiam salários, empresas reajustavam preços diariamente, e a moeda perdia valor em questão de horas.

Foi uma experiência tão traumática que moldou completamente nosso pensamento econômico.

Isso Levou a...

Uma obsessão nacional com estabilidade monetária nos anos 90.

O Brasil abandonou completamente seus projetos de desenvolvimento e adotou uma postura única de combate à inflação. Planos de crescimento foram substituídos por planos de estabilização.

O Plano Real se tornou não apenas uma política econômica, mas uma filosofia de governo.

Isso Também Significa Que...

  • Juros altos se tornaram solução para qualquer problema econômico

  • Investimentos em infraestrutura e indústria foram sacrificados

  • Políticas de desenvolvimento viraram tabu

  • O crescimento econômico virou objetivo secundário

  • O Brasil deixou de pensar no longo prazo

Outros países encontraram caminhos mais equilibrados

  • China: manteve planos quinquenais com inflação controlada

  • Coreia do Sul: combinou estabilidade com política industrial

  • Índia: equilibrou controle de preços e desenvolvimento

Brasil poderia aprender que:

  • Estabilidade e desenvolvimento não são excludentes

  • É possível controlar preços sem abandonar projetos nacionais

  • Planejamento de longo prazo é essencial

  • Juros altos não podem ser única política econômica

O Caminho à Frente

Quem só tem medo da inflação não vai a lugar nenhum. O Brasil provou que sabe controlar a inflação.

Agora, precisamos provar que sabemos crescer com ela controlada. Não podemos continuar sendo o único país que troca desenvolvimento por estabilização.

O desafio não é escolher entre inflação baixa ou crescimento - é conseguir os dois.

Afinal, a estabilidade só faz sentido se for para construir algo maior.

Abraços,

Paulo Gala


A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 






A

A

    

Do Espaço à Terra: Como a NASA Impulsionou a Indústria de Painéis Solares nos Anos 70

Nos anos 1970, a NASA desempenhou um papel crucial no estímulo à indústria de painéis solares dos Estados Unidos. À medida que a corrida espacial avançava, tornou-se evidente que a energia solar era uma solução ideal para alimentar satélites e outros equipamentos no espaço. Essa necessidade impulsionou investimentos em pesquisa, inovação e produção de células fotovoltaicas, transformando a tecnologia solar em um setor estratégico para o país.

A Demanda Inicial

A NASA já havia experimentado o uso de energia solar na década de 1950, como no satélite Vanguard 1, que utilizava pequenas células solares para complementar baterias químicas. No entanto, durante os anos 1970, a agência começou a expandir significativamente o uso de painéis solares para missões de longa duração, como o programa Skylab e os satélites Landsat. Esses projetos exigiam painéis solares mais eficientes, leves e duráveis para operar em condições extremas do espaço.

Impulso à Pesquisa e Desenvolvimento

A NASA trabalhou em estreita colaboração com empresas privadas, laboratórios de pesquisa e universidades para desenvolver tecnologias avançadas de células solares. Entre as empresas pioneiras estava a Hoffman Electronics Corporation, que já fornecia células fotovoltaicas para os primeiros satélites. Durante os anos 1970, a demanda da NASA incentivou uma corrida tecnológica para aumentar a eficiência das células solares, que à época estava em torno de 10%, mas que, graças aos investimentos, alcançou 15% ou mais até o final da década.

Além disso, a NASA introduziu desafios técnicos específicos que motivaram avanços na engenharia, como a necessidade de painéis solares mais compactos, capazes de suportar a radiação cósmica e temperaturas extremas.

Criando um Mercado Civil

A colaboração entre a NASA e a indústria solar ajudou a reduzir os custos de produção de células fotovoltaicas. Embora ainda caras, as células solares começaram a se tornar mais acessíveis, o que abriu portas para aplicações civis. A crise do petróleo de 1973 também aumentou o interesse por fontes alternativas de energia, e os avanços liderados pela NASA ajudaram a projetar o setor solar como uma opção viável no longo prazo.

O apoio governamental também foi fundamental: programas como o Energy Research and Development Administration (ERDA), fundado em 1974, investiram em infraestrutura solar para uso terrestre, aproveitando os avanços já realizados para o espaço.

O Papel Duradouro da NASA

A demanda da NASA não apenas gerou inovações técnicas, mas também estabeleceu padrões e práticas industriais que impulsionaram a competitividade dos EUA na indústria solar. A colaboração com fornecedores permitiu que empresas como a Spectrolab e a United Solar Systems expandissem suas capacidades e explorassem mercados além do setor espacial, incluindo o uso de células solares em telecomunicações e satélites comerciais.

Nos anos seguintes, a indústria solar americana continuou a crescer, ampliando sua presença tanto em aplicações espaciais quanto terrestres. O apoio inicial da NASA à energia solar consolidou os EUA como um dos líderes globais na tecnologia fotovoltaica, um legado que perdura até hoje.

Conclusão

A demanda da NASA por painéis solares nos anos 1970 foi um divisor de águas para a indústria solar americana. Ao investir em pesquisa, impulsionar a inovação e estabelecer parcerias público-privadas, a agência não apenas atendeu às necessidades de suas missões espaciais, mas também lançou as bases para o desenvolvimento de uma indústria solar robusta e competitiva.


A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 






A

A

    

Metodologias de Cálculo do Câmbio de Equilíbrio: Uma Comparação entre PPP Ajustado, FEER e BEER

As metodologias de cálculo do câmbio de equilíbrio têm como objetivo estimar o valor do câmbio que equilibraria a economia em condições ideais de acordo com diferentes critérios teóricos e práticos. Três das principais abordagens são o Desvio de PPP ajustado por Balassa-Samuelson, o FEER (Fundamental Equilibrium Exchange Rate) e o BEER (Behavioral Equilibrium Exchange Rate). Cada metodologia possui fundamentos e aplicações distintas. Abaixo, segue uma descrição detalhada e comparativa.

1. Desvio de PPP Ajustado por Balassa-Samuelson

Fundamento:

• Baseia-se na Teoria da Paridade do Poder de Compra (PPP), que sugere que no longo prazo o câmbio nominal tende a ajustar-se de forma a igualar os preços entre dois países.

• Ajusta a PPP incorporando o efeito Balassa-Samuelson, que reconhece que países com maior crescimento da produtividade tendem a ter moedas mais valorizadas devido ao impacto diferencial nos preços de bens comercializáveis (tradables) e não comercializáveis (non-tradables).

Cálculo:

• Determina a diferença entre os níveis de produtividade dos setores tradables e non-tradables entre países.

• Inclui ajustes para refletir o impacto dessa diferença nos preços relativos.

Vantagens:

• Simples e intuitivo, ideal para análises de longo prazo.

• Captura diferenças estruturais entre economias desenvolvidas e emergentes.

Limitações:

• Ignora fatores macroeconômicos de curto prazo, como fluxos de capital e política monetária.

• Assumir a convergência de preços pode ser problemático em economias com barreiras comerciais ou choques persistentes.

2. Equilíbrio Interno e Externo (FEER)

Fundamento:

• O câmbio de equilíbrio é definido como aquele que simultaneamente assegura:

• Equilíbrio interno: Pleno emprego e inflação estável.

• Equilíbrio externo: Um saldo sustentável nas contas externas, ou seja, balança corrente estável em relação ao PIB.

Cálculo:

• Identifica o câmbio que alinha a conta corrente ao nível compatível com os fundamentos econômicos (como poupança e investimento de longo prazo).

• Utiliza modelos macroeconômicos que vinculam o câmbio às condições internas e externas.

Vantagens:

• Integra os efeitos de políticas econômicas e restrições externas.

• Adequado para analisar sustentabilidade da balança de pagamentos e choques macroeconômicos.

Limitações:

• Depende de estimativas de equilíbrio na conta corrente, que podem ser subjetivas.

• Não considera fatores comportamentais ou de curto prazo, como volatilidade de mercado.

3. Behavioral Equilibrium Exchange Rates (BEER)

Fundamento:

• Estima o câmbio com base em variáveis que afetam o comportamento dos mercados cambiais, como:

• Taxas de juros reais.

• Termos de troca (terms of trade).

• Saldo de ativos líquidos externos (Net Foreign Assets, NFA).

• Explora relações empíricas entre o câmbio real e essas variáveis econômicas.

Cálculo:

• Utiliza modelos econométricos, como vetores autoregressivos (VARs), para identificar as relações de longo prazo entre câmbio e variáveis fundamentais.

Vantagens:

• Flexível, permitindo a inclusão de múltiplos determinantes do câmbio.

• Adequado para análises de curto e médio prazo, pois incorpora fatores como expectativas e fluxos de capital.

Limitações:

• Fortemente dependente de dados históricos e especificações do modelo.

• Menos apropriado para análises puramente teóricas de equilíbrio de longo prazo.

Comparação

Característica PPP Ajustado por Balassa-Samuelson FEER BEER

Horizonte de análise Longo prazo Médio/longo prazo Curto/médio prazo

Foco principal Produtividade e preços relativos Sustentabilidade macroeconômica Comportamento do mercado

Complexidade Baixa Média Alta

Fundamento teórico Paridade de Poder de Compra Equilíbrio macroeconômico Relações empíricas

Uso de dados históricos Limitado Necessário Essencial

Fatores incluídos Produtividade Poupança, investimento, conta corrente Juros, NFA, termos de troca

Conclusão

As metodologias de cálculo de câmbio de equilíbrio variam em função dos pressupostos e do horizonte temporal que buscam abordar. O método de PPP ajustado por Balassa-Samuelson é ideal para comparações estruturais de longo prazo, enquanto o FEER é mais adequado para análises de sustentabilidade macroeconômica. Por outro lado, o BEER é preferido para avaliar comportamentos de mercado e fatores de curto prazo. A escolha da metodologia depende dos objetivos da análise e da disponibilidade de dados.


A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 






A

A

    

Barreiras Sistêmicas no Comércio Global: Por que o Livre Comércio Não Basta para Países Emergentes?

Os mercados globais para bens complexos e sofisticados, como semicondutores, produtos farmacêuticos avançados e equipamentos de alta tecnologia, são frequentemente altamente concentrados devido a características específicas da organização industrial. Esses mercados exibem barreiras significativas à entrada, resultantes de:

1. Tecnologia avançada: Produzir bens complexos requer domínio de tecnologias de ponta, muitas vezes protegidas por patentes que limitam o acesso de novos concorrentes.

2. Economias de escala: Grandes empresas, que já operam nesses mercados, conseguem produzir em larga escala, reduzindo os custos médios e tornando difícil para novos entrantes competir em preço.

3. Economias de escopo: Empresas consolidadas aproveitam sinergias entre diferentes produtos e processos, aumentando sua eficiência e competitividade.

4. Intensidade de capital: Produzir bens sofisticados demanda altos investimentos iniciais em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que exclui muitos países emergentes.

A Nova Teoria do Comércio de Paul Krugman

Paul Krugman argumenta que o comércio internacional não se dá apenas pelas diferenças de vantagens comparativas entre países (como sugerido pelos modelos clássicos), mas também devido a economias de escala e efeitos de concentração geográfica. Em mercados para bens complexos, as empresas bem-sucedidas se localizam em regiões específicas onde existem vantagens cumulativas, como mão de obra especializada, infraestrutura avançada e proximidade de fornecedores.

Essas características geram um fenômeno de preferência por poucos grandes fornecedores globais, dificultando a entrada de novos players, especialmente de países emergentes, que não têm acesso imediato às condições necessárias para competir.

Dificuldades para países emergentes

1. Ausência de capital humano qualificado: A produção de bens complexos requer mão de obra altamente qualificada, muitas vezes escassa em países em desenvolvimento.

2. Restrição ao acesso a patentes e tecnologia: Empresas de países emergentes frequentemente enfrentam dificuldades para obter licenças ou desenvolver tecnologias concorrentes.

3. Capacidade limitada de investimentos em P&D: A falta de recursos financeiros e institucionais para inovação tecnológica limita o avanço industrial desses países.

4. Dependência de importação de insumos: Muitos bens sofisticados dependem de cadeias de suprimentos altamente integradas, dominadas por players consolidados.

Exemplos práticos

• Semicondutores: A produção global de chips é dominada por empresas como a TSMC (Taiwan), Intel (EUA) e Samsung (Coreia do Sul). Países emergentes enfrentam dificuldades de entrada devido aos elevados custos de instalação de fábricas de última geração, que exigem investimentos na casa de dezenas de bilhões de dólares.

• Indústria farmacêutica: Empresas como Pfizer, Novartis e Roche possuem monopólios de mercado em diversos medicamentos graças a patentes de longo prazo. Países emergentes encontram barreiras para desenvolver versões genéricas de medicamentos sofisticados até que as patentes expirem.

• Aeronaves comerciais: Empresas como Boeing e Airbus dominam a fabricação de aviões comerciais. Países emergentes, como o Brasil, conseguem penetrar apenas em nichos específicos, como aviões regionais, através da Embraer, mas enfrentam barreiras no segmento de larga escala.

Estratégias para superar essas barreiras

Países emergentes podem adotar estratégias como:

1. Parcerias e transferência de tecnologia: Incentivar joint ventures para acesso ao know-how.

2. Foco em nichos específicos: Priorizar segmentos menos saturados ou altamente especializados.

3. Investimento público em P&D: Subsidiar setores estratégicos para reduzir a distância tecnológica.

Esses passos, embora difíceis, são essenciais para que países emergentes avancem em mercados globais sofisticados, como demonstrado pela estratégia industrial chinesa nas últimas décadas.

O livre comércio resolve?

O livre comércio, por si só, não resolve o problema da exclusão de países emergentes dos mercados globais para bens complexos e sofisticados devido às estruturas concentradas e às barreiras sistêmicas desses setores. A ideia do livre comércio pressupõe que, ao eliminar tarifas e restrições comerciais, todos os países podem competir igualmente com base em suas vantagens comparativas. No entanto, essa lógica não se aplica plenamente em mercados onde:

1. Economias de escala favorecem grandes players existentes

Paul Krugman, na Nova Teoria do Comércio, explica que setores como semicondutores, aeronaves e produtos farmacêuticos são dominados por empresas que já alcançaram alta eficiência através de economias de escala. Essas empresas conseguem reduzir custos médios ao ampliar sua produção, o que lhes confere vantagens competitivas esmagadoras sobre novos entrantes.

No contexto do livre comércio, países emergentes ficam em desvantagem porque suas empresas não têm a escala necessária para competir globalmente. Isso perpetua o domínio das empresas já estabelecidas e consolida a concentração geográfica desses setores em países desenvolvidos.

2. Barreiras tecnológicas limitam a concorrência

Mesmo em um regime de livre comércio, os países emergentes não têm acesso fácil às tecnologias críticas necessárias para competir. As patentes e os direitos de propriedade intelectual criam barreiras legais que impedem a entrada de novos competidores. Além disso, países emergentes frequentemente carecem das capacidades internas de inovação, agravadas pela ausência de investimentos significativos em P&D.

Por exemplo:

• O livre comércio permite que países emergentes importem semicondutores, mas não ajuda na criação de uma indústria doméstica, já que produzir semicondutores requer tecnologia proprietária e capital massivo.

3. Dependência de infraestrutura e cadeias de suprimento avançadas

Setores complexos dependem de cadeias de suprimento altamente integradas e de infraestrutura de ponta, algo que está amplamente concentrado em países desenvolvidos. Mesmo em condições de livre comércio, países emergentes enfrentam dificuldades para desenvolver essas redes internamente.

Exemplo:

• Na fabricação de aeronaves, o livre comércio não ajuda os países emergentes a criar um ecossistema sofisticado de fornecedores de peças e sistemas avançados, como motores a jato, que são dominados por empresas de países desenvolvidos (Rolls-Royce, GE, Safran).

4. Padrões globais e acesso ao mercado

Mercados sofisticados são frequentemente regulamentados por padrões globais rigorosos, muitas vezes definidos por países desenvolvidos. Esses padrões podem ser técnicos, ambientais ou de qualidade, e servem como barreiras não-tarifárias que dificultam o acesso de países emergentes. O livre comércio não aborda essas barreiras, que demandam capacitação institucional e tecnológica.

Exemplo:

• Produtos farmacêuticos precisam ser aprovados por agências como a FDA (EUA) ou EMA (Europa), o que exige processos caros de pesquisa clínica e certificação, inacessíveis para muitas empresas de países emergentes.

5. O efeito da histerese comercial

Setores de alta concentração exibem inércia comercial: uma vez que uma empresa ou país domina o mercado, é difícil para outros deslocá-los. Mesmo com o livre comércio, empresas líderes mantêm vantagens competitivas acumuladas por décadas, como marcas estabelecidas, redes de distribuição globais e fidelidade dos consumidores.

Por que o livre comércio pode até aprofundar desigualdades?

1. Especialização indesejável: Países emergentes acabam se especializando em setores de baixa complexidade tecnológica, como agricultura e mineração, perpetuando uma divisão desigual do trabalho no sistema global.

2. Efeito “vôo para qualidade”: Investidores e consumidores preferem produtos de países desenvolvidos, que têm reputação estabelecida em bens complexos, ampliando o abismo.

3. Acentuação do ciclo de dependência: Países emergentes permanecem dependentes de importações de bens sofisticados, enquanto exportam bens primários de menor valor agregado.

Soluções alternativas ao livre comércio

• Políticas industriais ativas: Subsídios governamentais, investimentos em P&D e proteção estratégica para indústrias nascente.

• Transferência de tecnologia: Negociação de parcerias comerciais que incluem acordos de transferência tecnológica.

• Diversificação econômica: Foco em nichos menos saturados e setores onde possam construir capacidades competitivas.

Exemplo:

A estratégia da China com seu programa “Made in China 2025”, que visa superar as barreiras tecnológicas e criar indústrias domésticas competitivas em bens complexos.

Em resumo, o livre comércio, sem políticas complementares, não reduz as desigualdades estruturais no comércio global. Mercados altamente concentrados e tecnologicamente intensivos perpetuam a exclusão de países emergentes, exigindo intervenções deliberadas para construir capacidades e superar as barreiras sistêmicas.


A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 






A

A

    

Uma Breve História dos Estados Unidos: Da Colonização à Potência Global

Resumo da História dos Estados Unidos

Os Estados Unidos têm uma história rica e complexa que começa antes da chegada dos colonizadores europeus. Muito antes disso, diversas tribos indígenas habitavam o território, vivendo em harmonia com a natureza e desenvolvendo culturas distintas.

Com a chegada dos europeus no século XVII, principalmente ingleses, espanhóis e franceses, iniciou-se um período de colonização. As Treze Colônias britânicas, localizadas na costa leste, prosperaram, mas também enfrentaram tensões com os colonizadores devido a impostos e falta de representatividade. Isso culminou na Revolução Americana (1775–1783), quando os colonos declararam independência e formaram os Estados Unidos em 1776.

Durante o século XIX, o país expandiu-se para o oeste, adquirindo territórios por meio de guerras, tratados e deslocamentos forçados de populações indígenas. A escravidão no sul e os interesses econômicos divergentes entre norte e sul levaram à Guerra Civil Americana (1861–1865), que aboliu a escravidão, mas deixou um legado de desigualdades.

No século XX, os Estados Unidos emergiram como uma potência global, participando ativamente das duas Guerras Mundiais e desempenhando papel central na Guerra Fria contra a União Soviética. Esse período também foi marcado por avanços sociais, como o movimento pelos direitos civis nas décadas de 1950 e 1960, e pelo crescimento econômico e tecnológico.

Hoje, os Estados Unidos continuam a desempenhar um papel influente no cenário mundial, sendo um país diverso culturalmente e com uma economia poderosa, mas também enfrentando desafios internos, como desigualdade social e mudanças climáticas.


A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 






A

A

    

Do Campo à Xícara: Por que a Starbucks Fatura Mais que a Produção de Café do Brasil

A afirmação de que a Starbucks fatura mais do que a produção total de café do Brasil é uma comparação interessante, mas que precisa ser cuidadosamente analisada para evitar interpretações equivocadas. De fato, a Starbucks reporta faturamentos anuais na casa de dezenas de bilhões de dólares, enquanto o valor total da produção de café no Brasil — considerando o mercado internacional — é significativamente menor, girando em torno de US$ 9 bilhões por ano em exportações. No entanto, existem nuances importantes que explicam essa disparidade e que tornam a comparação menos direta do que parece.

Diferença entre produtos tradables e non-tradables

O café brasileiro é um produto tradable, ou seja, seu preço é determinado em grande parte pelo mercado internacional e reflete o custo de produção global, que inclui mão de obra, insumos e transporte, além de estar sujeito à volatilidade das commodities. Já os produtos vendidos pela Starbucks, como bebidas e alimentos, incluem componentes non-tradables: serviços, aluguéis de lojas em regiões valorizadas, salários de funcionários nos Estados Unidos e outros custos locais.

Nos Estados Unidos, os preços de non-tradables são substancialmente mais altos do que em economias em desenvolvimento como o Brasil. Isso significa que o café vendido em uma loja da Starbucks incorpora uma grande margem de valor agregado que reflete o custo de vida elevado nos mercados onde a rede opera, além da conveniência e experiência da marca, o que distorce a comparação com o valor bruto da commodity.

A cadeia de valor e o café como matéria-prima

É importante lembrar que o café brasileiro é apenas uma fração do custo final de um produto vendido na Starbucks. Por exemplo, um café latte pode ser vendido por US$ 5, mas o custo do grão de café representa menos de 5% desse valor. O restante vem de serviços, insumos locais (como leite), custos fixos e a estratégia de precificação da empresa. Assim, o faturamento da Starbucks não reflete apenas o valor do café, mas também a monetização de uma experiência de consumo.

Diferenças estruturais

Além disso, a Starbucks se beneficia de um modelo de negócios altamente escalável e voltado para mercados de alto poder aquisitivo, como Estados Unidos, Europa e Ásia. Já o Brasil, como maior produtor e exportador de café do mundo, foca principalmente no volume, exportando grãos crus ou processados, mas com menor valor agregado. A diferença no foco estratégico — exportação de commodity versus venda de produtos finais — explica grande parte da discrepância de faturamento.

Reflexão final

Embora a comparação entre o faturamento da Starbucks e a produção total de café do Brasil seja provocativa, ela não é uma métrica precisa para avaliar a importância econômica do setor cafeeiro brasileiro. A Starbucks se posiciona em um segmento de mercado que agrega valor muito além do preço da commodity, enquanto o Brasil, como player central no mercado global de café, está mais focado na produção e exportação em larga escala.

Essa análise ressalta a importância de diversificar a cadeia de valor brasileira e explorar mais oportunidades de agregar valor ao café, por meio de torrefação, marcas nacionais e experiências gastronômicas, para capturar uma fatia maior do mercado de consumo final.


A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 







A

A

    

Disney vs. Apple: Escalabilidade, Complexidade e Valor no Mundo dos Negócios

A diferença na capitalização de mercado entre empresas como Disney (US$ 200 bilhões) e Apple (US$ 3 trilhões) reflete mais do que o valor percebido pelos investidores; ela revela características fundamentais dos modelos de negócio e da estrutura de mercado de cada empresa.

Modelo de Negócio e Escalabilidade

A Disney opera em setores baseados, em grande parte, em bens e serviços não transacionáveis, como turismo, entretenimento presencial (parques temáticos), e mídia. Embora esses serviços sejam sofisticados e caros, sua escala é limitada por barreiras físicas e geográficas. Parques temáticos, por exemplo, possuem uma capacidade fixa de visitantes e dependem de altos custos de manutenção e operação. Além disso, o turismo tem uma característica inerentemente local, pois exige que o consumidor se desloque até o destino, tornando o modelo menos escalável globalmente.

Já a Apple, com sua produção de manufaturas complexas, como iPhones, Macs e wearables, opera em mercados transacionáveis, o que significa que seus produtos podem ser facilmente vendidos em escala global. Isso permite que a Apple alcance um público vastamente maior. A empresa domina cadeias globais de suprimento, beneficiando-se de economias de escala e reduzindo custos marginais na produção em massa. Seu modelo de negócio também inclui a venda de serviços digitais, como o iCloud e a App Store, que são altamente escaláveis e têm margens de lucro significativamente altas.

Complexidade e Valor Agregado

A Apple é um exemplo clássico de empresa com alto valor agregado em seu portfólio. Seus produtos integram design avançado, inovação tecnológica e um ecossistema que gera lealdade entre os consumidores. Isso justifica margens de lucro maiores e um valuation mais elevado. Por outro lado, os serviços turísticos da Disney, embora sejam uma experiência premium, têm limitações intrínsecas em termos de complexidade tecnológica e replicabilidade global. Além disso, a Disney enfrenta a sazonalidade do turismo e a dependência do poder de compra do consumidor.

Capital Intensivo x Capital Leve

Outro ponto crucial é que a Disney tem ativos altamente tangíveis e intensivos em capital (parques, resorts, cruzeiros), o que reduz sua flexibilidade para se expandir rapidamente. A Apple, por sua vez, apesar de depender de manufatura, possui um modelo mais leve em termos de ativos tangíveis, terceirizando grande parte de sua produção e focando em design, marketing e distribuição.

Conclusão

A diferença de escala e complexidade entre os produtos e serviços de ambas as empresas explica as discrepâncias em suas valorizações. A Disney, apesar de ser um gigante no entretenimento, enfrenta barreiras de escalabilidade e complexidade tecnológica, enquanto a Apple se posiciona como líder em inovação, operando em mercados globais com alto valor agregado e margens expansivas. Essa dinâmica reflete as diferenças fundamentais nos mercados em que operam, no impacto da globalização e na capacidade de crescer sem restrições físicas ou geográficas.

PIXAR

Em 2023, a receita total da The Walt Disney Company foi de aproximadamente US$ 88,9 bilhões. Desse montante, o segmento de entretenimento, que inclui as operações de cinema e streaming, gerou cerca de US$ 40,6 bilhões, representando aproximadamente 45,7% da receita total.

A Pixar, como parte integrante da Disney, contribui para essa receita por meio de seus lançamentos cinematográficos e conteúdo disponível nas plataformas de streaming da empresa. Embora a Disney não divulgue separadamente os resultados financeiros da Pixar, seu impacto está incluído nos números do segmento de entretenimento.

Portanto, as vendas provenientes de cinema, streaming e produções da Pixar correspondem a aproximadamente 45,7% da receita total da Disney em 2023.


A

A

BRASIL 61

Portal Membro desde 03/09/2021

Segmento: Notícias

Premiações: 

 







A

A

    

Fronteiras do Futuro: Ciência, Ética, Meio Ambiente e Transformação Humana

Resumo das ideias de Nada Será Como Antes, de Miguel Nicolelis

No livro Nada Será Como Antes, o neurocientista Miguel Nicolelis explora os impactos das transformações científicas e tecnológicas sobre a humanidade e como essas mudanças moldarão o futuro da sociedade. Ele propõe reflexões profundas sobre o papel da ciência, da ética e da colaboração global em um mundo em rápida evolução.

Principais Ideias:

  1. A Ciência como Agente de Transformação:
    • Nicolelis argumenta que a ciência tem o poder de redefinir o futuro da humanidade, especialmente por meio de inovações disruptivas.
    • Ele aborda como avanços em áreas como neurociência, inteligência artificial e bioengenharia estão desafiando os limites do conhecimento humano e oferecendo novas possibilidades para a saúde, comunicação e interação.
  2. Interconexão entre Humanos e Máquinas:
    • O autor discute a crescente integração entre humanos e máquinas, especialmente por meio de interfaces cérebro-máquina, um campo no qual ele é pioneiro.
    • Ele destaca como essas tecnologias podem ajudar pessoas com deficiências físicas a recuperar funções motoras e sensoriais, além de abrir novas fronteiras para a interação humana.
  3. Os Desafios Éticos da Tecnologia:
    • Nicolelis alerta sobre os riscos e dilemas éticos associados à tecnologia, como a perda de privacidade, o uso inadequado da inteligência artificial e o impacto do avanço tecnológico sobre o mercado de trabalho.
    • Ele enfatiza a necessidade de uma governança global responsável para evitar desigualdades e abusos.
  4. Colaboração Multidisciplinar e Global:
    • O autor defende que os maiores avanços científicos surgem da colaboração entre diferentes disciplinas e culturas.
    • Ele ressalta a importância de investir em educação e em projetos colaborativos que promovam a troca de conhecimentos entre países e comunidades.
  5. O Papel da Criatividade e da Intuição:
    • Nicolelis sublinha que, apesar do avanço das máquinas, a criatividade e a intuição humanas continuam sendo diferenciais únicos.
    • Ele defende uma visão de progresso que valorize a humanidade em sua essência, integrando ciência e arte.
  6. Impactos da Pandemia:
    • O livro reflete sobre a pandemia de COVID-19 como um evento divisor, que expôs fragilidades globais, mas também mostrou a importância da ciência e da colaboração em momentos de crise.
    • Nicolelis analisa como a pandemia acelerou transformações sociais, tecnológicas e econômicas, redefinindo prioridades globais.
  7. A Necessidade de uma Nova Visão para o Futuro:
    • O autor propõe que a humanidade precisa repensar seus objetivos e valores em um mundo onde “nada será como antes.”
    • Ele sugere uma abordagem mais sustentável e ética para o progresso, que priorize o bem-estar coletivo e o respeito à diversidade cultural e ambiental.

Conclusão:

Nada Será Como Antes é um convite à reflexão sobre os desafios e as oportunidades que as revoluções científicas e tecnológicas oferecem. Miguel Nicolelis combina sua expertise em neurociência com uma visão humanista, propondo um futuro onde a ciência esteja a serviço da humanidade, guiada por princípios éticos e pela colaboração global. O livro não apenas informa, mas inspira uma nova perspectiva sobre o papel da ciência e da tecnologia em nossas vidas.


A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 






A

A


    

Por outra história do Real

País festeja a moeda, acrítico, há 30 anos – e não vê o essencial. Ela debelou a inflação, mas abriu as portas para um padrão ainda mais grave de dependência — financeirizado, desigual e em regressão produtiva. Dele não nos livramos até hoje

No dia 1º de julho próximo o Real fará trinta anos de existência; mas o Plano de Estabilização que criou e deu vida a essa moeda, denominado inicialmente como Plano FHC e posteriormente como Plano Real, foi instituído em dezembro de 1993 com o anúncio de um “ajuste fiscal”, seguido pela criação da URV (Unidade de Referência de Valor) em fins de fevereiro de 1994 e, finalmente, o surgimento da nova moeda (o Real) no início do mês de julho.

Mas esse Plano não foi simplesmente um Plano de Estabilização monetária, de controle da inflação; apesar de, em geral, ser visto e compreendido como tal, mesmo entre a maioria dos economistas, que destacam, sobretudo, o seu sucesso no combate à escalada dos preços – após o fracasso de quatro Planos anteriores: o Cruzado (1986), o Novo Cruzado ou Bresser (1987), o Verão (1989) e o Collor (1990). Com isso, coloca-se na sombra: 1- as suas consequências conjunturais e estruturais para o conjunto da economia brasileira; e 2- o seu papel mais abrangente na transformação mais recente do capitalismo brasileiro.

No primeiro caso, não se evidencia e muito menos se destaca o impacto devastador que o Plano Real e sua política macroeconômica teve sobre todas as demais variáveis (dimensões da economia brasileira) para além da inflação: deterioração das contas externas do país (Balança Comercial e de Serviços, Transações Correntes), crescimento das dívidas externa e interna, piora das contas públicas (Déficit Púbico), estagnação econômica e aumento do desemprego, e desnacionalização da economia. Em suma, vulnerabilidade externa (Balanço de Pagamentos) e fragilização interna (Finanças Públicas).

Além disso, obscurece-se o seu papel político crucial na eleição de FHC para Presidência da República, ocorrida no início de outubro de 1994 – três meses após a implantação da nova moeda -, e, o mais importante, o fato de Dio Plano Real ter sido peça-chave na integração do capitalismo dependente brasileiro ao novo regime de acumulação mundial (capitalismo financeiro mundializado) que então se constituía, ajudando a consolidar no Brasil a transição entre dois Padrões de Desenvolvimento Capitalista: do Padrão de Desenvolvimento de Substituição de Importações (PDSI) ao Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico (PDLP).

Esse texto recupera todas essas dimensões, “esquecidas”, do Plano Real e evidencia a “camisa de força” que aprisionou o país em uma trajetória de baixo crescimento econômico e domínio das finanças, com a apropriação do Estado por um bloco no poder que, com uma ou outra inflexão, tem, desde então, a hegemonia do capital financeiro nacional e internacional. Em particular, o texto destaca a nova forma de dependência constituída a partir de então, bem como as principais características do novo Padrão de Desenvolvimento Capitalista (Liberal-Periférico).

Além dessa Introdução e da Conclusão, ele é constituído por mais quatro seções, denominadas: 1- Conjuntura Internacional: constituição de um novo regime de acumulação; 2-Conjuntura Nacional: a crise do PDSI e a transição para o PDLP; 3- O Plano Real: muito além de um Plano de Estabilização; e 4- O Novo Padrão de Desenvolvimento: PDLP.

1- Conjuntura Internacional: constituição de um novo regime de acumulação

Na década de 1990 o capitalismo, no plano mundial, estava consolidando, a partir dos países imperialistas, uma nova forma de existência, expressa em um novo regime de acumulação, agora sob a hegemonia das finanças. Resultante de grandes transformações derivadas da conjunção de três fenômenos de natureza econômica e política, quais sejam: a reestruturação produtiva, a mundialização-financeirização do capital e a ascensão político-ideológica do neoliberalismo, essa nova forma de existência do capitalismo substituiu o regime de acumulação fordista – que vigorou desde o pós-2ª Guerra até os meados dos anos 1970.

A reestruturação produtiva, iniciada nos países centrais na década de 1970, e posteriormente difundida para a periferia, foi a resposta do capital à desaceleração da produtividade do trabalho e à redução da taxa de lucro – constituindo-se em uma grande transformação sociotécnica-produtiva, com a introdução de novas tecnologias (3ª revolução tecnológica) e de novas formas de gestão da produção e do trabalho (parte delas oriundas do denominado “Modelo Japonês” ou “Toyotismo”: just-time, terceirização, um novo tipo de participação da força de trabalho no processo produtivo etc.).

Como resultado dela, a relação capital-trabalho sofreu uma forte alteração, em razão do aumento do desemprego estrutural (“enxugamento das empresas”) e do enfraquecimento dos sindicatos, que mudaram a correlação de forças em detrimento do trabalho. Na periferia do capitalismo esse processo iniciou-se na segunda metade dos anos 1980, aprofundando-se nas décadas seguintes. Nessas transformações o capital financeiro teve papel fundamental, ao impor a sua lógica volátil à esfera produtiva, pressionando as empresas a reduzirem o seu quadro de funcionários e apresentarem resultados econômico-financeiros de curto prazo – colocando os interesses imediatos dos acionistas como prioritários.

Por sua vez, o processo de mundialização-financeirização do capitalismo iniciou-se ainda no início dos anos 1970, quando a ordem financeira internacional de Bretton Woods começou a ser desmontada unilateralmente pelos EUA, com o fim do sistema dólar-ouro que regulava as relações comerciais e financeiras desde o pós-2ª Guerra. Desde então, as restrições à livre movimentação do capital financeiro foram sistematicamente retiradas, levando ao apagamento das fronteiras entre os diversos tipos de mercados financeiros, ao surgimento de novos agentes financeiros (investidores institucionais como os fundos de pensão, fundos de investimento, seguradoras etc.) e novos instrumentos de acumulação financeira (genericamente englobados em todos os tipos dos chamados “derivativos”).

Nesse processo, a partir dos anos 1990, os países periféricos foram incorporados como plataformas de acumulação para o capital financeiro, através da securitização de suas respectivas dívidas públicas, obrigados a abrirem os seus mercados comerciais e financeiros, e tendo as suas políticas macroeconômicas tuteladas e condicionadas, quando não subordinadas, ao movimento especulativo e volátil de curto prazo dos capitais internacionais. Nessas novas circunstâncias, o fundo público passou a ser apropriado e controlado pelo capital financeiro, através das políticas de ajuste fiscal permanente, instrumento de transferência de renda das populações para uma reduzidíssima minoria de detentores da dívida pública. Do ponto de vista macroeconômico, a instabilidade exacerbou-se e as crises cambiais sucederam-se, primeiro na periferia e depois, quando da crise geral de 2008, no centro do sistema, difundida a partir dos EUA.

Por fim, a ascensão político-ideológica do neoliberalismo (construção teórica desenvolvida nas décadas de 1930 e 1940), consolidada com as eleições de Margareth Tatcher na Inglaterra (1979) e Ronald Reagan nos EUA (1980), após uma primeira experiência na ditadura de Pinochet no Chile (1973), expressou, no plano político, a derrocada do Estado de Bem-Estar Social e a radical mudança na correlação de forças capital-trabalho em desfavor do segundo. Isso se expressou em reformas e políticas que modificaram a forma de articulação do Estado com o processo de acumulação, privatizações de empresas públicas, desregulamentação das relações trabalhistas, liberalização das relações comerciais e financeiras, redução dos regimes de Previdência e Assistência Social e repressão aos sindicatos.

Compreendido como uma ideologia, uma política econômica e/ou uma nova forma de racionalidade, o neoliberalismo passou a dominar todas as instâncias da vida econômicosocial, pautando o comportamento das economias, dos governos, das empresas, Instituições e das famílias e pessoas em geral. Intrinsecamente articulado com os processos de reestruturação produtiva e financeirização, tem como ponto central a defesa do mercado, do capital em geral e do capital financeiro em particular, com a promoção da sua liberdade total de movimento e de seus valores (individualismo, concorrência em todos os âmbitos, empreendedorismo etc.).

O resultado mais geral dos três processos acima descritos, que constituíram o capitalismo contemporâneo, pode ser resumido como o advento da acumulação flexível, isto é, total liberdade de movimento do capital, com a flexibilização de todas as esferas e dimensões da acumulação de capital: flexibilidade espacial e temporal (comercial-financeira), flexibilidade produtiva (máquinas de comando numérico e trabalhador polivalente) e flexibilidade-desregulação do mercado de trabalho (extinção de direitos sociais e trabalhistas).

Os impactos sobre as relações capital-trabalho foram profundos: salto no desemprego estrutural, precarização do trabalho de várias formas (que tem na “uberização do trabalho” o seu ápice atualmente), destituição de direitos trabalhistas e sociais, crise dos sindicatos e forte diferenciação da classe trabalhadora. No âmbito mais amplo da sociedade, acirraram-se a instabilidade, a incerteza e a insegurança; com o aumento da pobreza e da exclusão social, e o retorno a um elevadíssimo grau de concentração de renda existente no pré-2ª Guerra Mundial, mesmo nos países centrais, em especial os EUA. E, na esfera política, o pior de tudo: o retorno do fascismo na esteira do fracasso do establishment (a direita neoliberal e os partidos socialdemocratas cooptados para a agenda da direita) em responder aos problemas e os anseios da maioria da população, expressando uma crise profunda de representação e da democracia liberal.

2- Conjuntura Nacional: a crise do PDSI e a transição para o PDLP

No âmbito interno, o Brasil pré-Real, em toda a década de 1980, conviveu com a crise terminal (estrutural) do Padrão de Desenvolvimento de Substituição e Importações (PDSI), expressa na chamada “crise da dívida” (determinada por dois “choques do petróleo e, principalmente, pela elevação da taxa de juros dos EUA em 1979) – que abarcou toda a periferia mundial e em particular a América Latina -, no fenômeno da estagflação e no estrangulamento externo. A segunda razão foi particularmente trágica para o aumento (e autonomização) da dívida externa, em um contexto no qual os contratos entre credores e devedores estabeleciam a cláusula de taxas de juros flutuantes.

Na primeira metade dessa década, fase final da Ditadura Militar, o governo, subordinado ao FMI, adotou o chamado “Enfoque Monetário do Balanço de Pagamentos”, que respondeu diretamente aos interesses dos credores da dívida externa. Essa política, ao priorizar a obtenção de elevados saldos na Balança Comercial, através da desvalorização sistemática (maxi e mini) da moeda nacional e da redução dos gastos públicos, produziu duas fortes recessões (1981 e 1983) e acelerou o crescimento das taxas de inflação, que saíram completamente fora de controle. Ao mesmo tempo, as dívidas públicas, interna e externa, dispararam, com a deterioração das finanças do Estado. A estagflação produzida por essa política enfraqueceu de vez a Ditadura Militar.

Na segunda metade dos anos 1980, já com a restauração democrática, a política ortodoxa da Ditadura deu lugar a sucessivos Planos de Estabilização, que fracassaram no combate à inflação, por razões internas e externas. Os três primeiros (Cruzado, Bresser e Verão) tinham um diagnóstico semelhante correto, o de que a inflação do período tinha um componente inercial fortíssimo e, para enfrentá-la, se utilizaram do mesmo procedimento (equivocado), qual seja: o congelamento de preços e salários.

A passagem abrupta da velha para a nova moeda sempre traz as pressões inflacionárias previamente existentes, que se manifestam aberta e imediatamente após o término dos congelamentos. A razão disso não é difícil de entender: todo congelamento, quando decretado, sanciona as assimetrias de preços previamente existentes, favorecendo alguns setores da economia (que acabaram de reajustar seus preços) e prejudicando outros (que estavam na eminência de reajustarem os seus preços e foram pegos de surpresa). O resultado é sempre o mesmo, desabastecimento e/ou comercialização dos produtos com ágio (ilegalmente, por fora do tabelamento oficial).

Mas a questão central do fracasso desses Planos, todos executados na 2ª metade dos anos 1980, foi a ausência de liquidez internacional (prevalecente em toda a década), derivada da já mencionada elevação da taxa de juros nos EUA em 1979 (política do dólar forte para restaurar a competitividade de sua economia), e que levou reiteradamente ao estrangulamento externo dos países periféricos. Além disso, a crise estrutural do PDSI, iniciada pela crise de seu padrão de financiamento (apoiado no Estado e no endividamento externo), foi interpretada e tratada como se fosse uma crise conjuntural. Por isso, nem a ortodoxia apoiada pelo FMI nem a heterodoxia que acreditava no combate à inflação com crescimento econômico, conseguiram superar os dois problemas centrais da economia brasileira: o estrangulamento externo e a inflação.

O último Plano, antes do Plano Real, elaborado e executado no início da década de 1990, independente de seus equívocos e de ter também fracassado no combate à inflação, expressou o ápice da disputa política entre as várias frações do capital e da burguesia – que vinha se desenrolando durante toda a década anterior -, com a vitória daquela associada ao imperialismo e identificada com o programa político-econômico neoliberal: abertura comercial e financeira, desregulação da economia e privatizações das empresas estatais.

Por isso, o Plano Collor, para além do combate à inflação – através de um drástico “enxugamento da liquidez” da economia, com o sequestro momentâneo de parte da riqueza financeira existente nas instituições bancárias: depósitos, cadernetas de poupança, todos os tipos de fundos de investimento etc. -, preconizava e iniciou a abertura comercial-financeira (queda das alíquotas de importação), desregulamentação de um conjunto de atividades e setores econômicos (fim da reserva de mercado para os capitais nacionais, com a entrada de capitais estrangeiros) e privatizações de empresas estatais.

Naquele momento, o país, o último na América Latina a assumir o neoliberalismo, estava iniciando a sua passagem do PDSI para o PDLP, superando a crise de hegemonia política que atravessou toda a década de 1980. Portanto, antes do Plano Real, o Plano Collor já trazia um conteúdo que ia muito além de um plano de estabilização. Contudo, diferentemente do primeiro, não teve sucesso na sua forma tosca de combate à inflação (“sequestro das poupanças”); o que foi decisivo para efetivação do impeachment do Presidente da República.

Mas a tentativa autoritária, de caráter bonapartista, de Fernando Collor de Mello, de comandar, sem negociar, a transição do país para o neoliberalismo, foi atropelada, sobretudo, em razão da disputa que ainda se travava entre as várias frações do capital, com relação às características que definiriam o novo Padrão de Desenvolvimento em gestação, em especial as divergências com relação à abertura da economia (o seu grau e a sua temporalidade). Essa negociação seria levada a cabo pelo governo Itamar Franco, tendo como condottiere FHC, através da elaboração e execução do Plano Real.

3- O Plano Real: muito além de um Plano de Estabilização

O Plano Real nasceu como Plano FHC em dezembro de 1993, evoluindo em um processo constituído por três etapas sucessivas. Inicialmente anunciou-se um “ajuste fiscal” que, na realidade, como constatado posteriormente, não teve nenhum papel no combate à inflação. Nesta primeira etapa o importante foi a criação de um instrumento denominado de Fundo Social de Emergência (FSE) que, de fato, não era nem social nem de emergência; mas um Fundo a disposição do governo constituído pela desvinculação de 20% das receitas da União (antes destinadas obrigatoriamente a Saúde e Educação), para gastar conforme o seu livre arbítrio. Posteriormente, o nome desse Fundo mudou para Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, mais adiante, passou a ser chamado de Desvinculação das Receitas da União (DRU); este último expressando, de fato, o real significado e conteúdo do fundo.

Na segunda fase, criou-se em fins de fevereiro uma espécie de superindexador, denominado URV (Unidade de Referência de Valor), uma “quase moeda” (que cumpriu as funções de unidade de conta e reserva de valor, mas não de meio de troca, pois não tinha curso legal2), que viria a se constituir então no instrumento fundamental de combate à inflação inercial, possibilitando a passagem da velha para a nova moeda sem o congelamento de preços e salários e, portanto, sem levar as pressões inflacionárias previamente existentes para a nova moeda.

Quando de sua criação, o valor de uma URV equivalia a um Cruzeiro Real; esse valor passou a ser corrigido diariamente de acordo com, aproximadamente, a variação da média de três índices de preço (o IGPM da Fundação Getúlio Vargas, o IPCA do IBGE e o IPC da FIPE). Essa correção, na época, era similar à correção sofrida pelo valor do dólar, o que significa dizer que, já nesse momento, antes mesmo do surgimento da nova moeda, foi instituída a “âncora cambial” que viria acompanhar a nova moeda e que se constituiria no mecanismo fundamental do Pano Real para controlar o processo inflacionário.

Portanto, a partir daí, os preços e salários que fossem estabelecidos em URV manteriam o seu valor real, variando diariamente de acordo com a variação da inflação. No entanto, inicialmente só os preços administrados e definidos pelo governo (energia, telefonia, água, impostos, taxas etc.), além dos salários de toda a economia passaram a ser cotados em URV. Os preços do setor privado, de acordo com o livre arbítrio dos empresários, só foram transformados em URV à véspera do lançamento da nova moeda.

A última fase (dia 1º de julho de 1994) foi a transformação da URV na nova moeda, o Real. Operação realizada três meses antes da eleição para presidente da República, foi decisiva para a vitória de FHC. Até à véspera da entrada em vigor da nova moeda, o candidato Lula da Silva era franco favorito (quando a inflação mensal chegou a 42%); no início de agosto as pesquisas já apontavam um empate técnico entre esses dois candidatos; no começo de setembro FHC já ultrapassava Lula da Silva; um mês depois, na eleição realizada no dia 03 de outubro, FHC venceu no primeiro turno, tornando-se o novo presidente da República para o período 1995-1998.

A partir da nova moeda (Real) as taxas de inflação despencaram imediatamente, com alguns índices chegando a apontar deflação, isto é, redução média nominal de preços. Além de a URV ter cumprido o papel de eliminar a inflação inercial, a deflação decorreu do fato dos empresários terem reajustado os seus preços de forma artificial, antes de transformá-los em URV na véspera do dia 1º de julho. Desse modo, quando foram transformados de URV para Real, conforme a paridade de um para um, esses preços, inflados preventivamente, não conseguiram ser sustentados pelos empresários e, assim, tiveram que ser reduzidos, agora na nova moeda.

Na sequência, diferentemente dos planos anteriores, a inflação não retornou com o passar dos meses, por duas razões: 1- Promoveu-se uma queda generalizada das alíquotas de importação, estimulando-se a aquisição de produtos estrangeiros e acirrando-se a competição intercapitalista. 2- Adotou-se uma política de sobrevalorização do Real, mantendo-se sua paridade real (estabilidade) em relação ao dólar, que foi fixada inicialmente em um para um – variando posteriormente nominalmente, mas sempre mantendo-se a sobrevalorização; com isso, reforçou-se o estímulo às importações.

Na prática estabeleceu-se uma “âncora cambial” que sustentou a estabilidade da nova moeda durante quatro anos, mas que só foi possível porque o mercado financeiro, nos anos 1990, tinha voltado a ter grande liquidez – embora de outro tipo, diferente do ocorria nos anos 1970. Em vez dos empréstimos tradicionais de longo prazo, a nova liquidez era constituída por capitais de curtíssimo prazo, extremamente voláteis, que passaram a entrar no país para aquisição de títulos da dívida pública securitizada, atraídos por elevadas taxas de juro, muito acima das praticadas internacionalmente. E também para especular com ações na Bolsa de Valores.

Desde então, o país se integrou definitivamente ao novo regime de acumulação financeirizado-mundializado; mas para isso foi necessário a retirada de uma série de empecilhos institucionais (abertura financeira) que permitiu engatar o mercado financeiro nacional ao mercado financeiro internacional. Desse modo, o país, através de sua dívida pública, passou a ser mais uma plataforma de acumulação financeira no âmbito mundial.

As consequências da execução do Plano real e de sua política macroeconômica, em especial a monetária e a cambial, foram desastrosas para a estrutura e dinâmica da economia brasileira; de forma sintética: aprofundou a vulnerabilidade externa do país (com a instituição de uma nova dependência) e fragilizou o Estado e as finanças públicas – conforme detalhado a seguir.

A abertura comercial, associada à sobrevalorização do Real, colocou o país na rota de uma crise cambial, produzindo déficits crescentes nas Balanças de Comércio e Serviços e, por consequência, déficits também crescentes na conta de Transações Correntes. Para sustentar e prolongar essa situação, adiando a crise cambial anunciada, lançou-se mão de uma política monetária de permanentes juros altos e de um Programa de Privatizações (que passou a permitir a participação de capital estrangeiro). Com isso, acentuou-se o processo de desnacionalização de inúmeros setores da economia, limitou-se severamente o crescimento econômico, aumentou o desemprego e o déficit público, cresceu a dívida externa e estourou a dívida pública. Os números referentes a todas essas variáveis macroeconômicas, compilados em meu livro História do Plano Real, podem ser vistos nas fontes oficiais do governo: Banco Central, Ministério da Fazenda, IBGE etc.

Apesar de tudo, a possibilidade de uma crise cambial no Brasil, anunciada em três oportunidades consecutivas (crises do México em 1995, da Ásia em 1997 e da Rússia em 1998) tornou-se muito mais forte em 1998, último ano do primeiro Governo FHC e momento de nova eleição para a presidência da República. Para adiar o desenlace final, esse governo contratou um empréstimo ao FMI que aportou, em valores da época, US$ 40 bilhões – o que permitiu (uma vez) a reeleição de FHC, mas não impediu o fim da âncora cambial no início do ano de 1999, na esteira de um violento ataque especulativo contra o Real. Ela foi substituída pelo denominado “tripé macroeconômico” (metas de inflação, superávits fiscais primários e câmbio flutuante) que, com variações conjunturais, manteve-se até os dias de hoje.

Conclusão: o Plano Real, sustentado pelo novo regime de acumulação financeirizado-mundializado, deixou, no curto e longo prazo, uma herança terrível; mas cumpriu o seu objetivo fundamental de, com a queda da inflação, legitimar o aprofundamento e a consolidação no Brasil de um novo Padrão de Desenvolvimento Capitalista (Liberal-Periférico) articulado estreitamente com o novo regime de acumulação internacional – que drena permanentemente, sob a forma monetária-financeira, a riqueza do país, controla o Fundo Público, condiciona e subordina o conteúdo e a execução da política macroeconômica, impõe baixas taxas de crescimento da economia e mantém a trágica e histórica concentração de riqueza e renda que caracteriza o país. Nesse processo, também contribuiu fortemente, em razão das altas taxas de juros praticadas e da valorização do real, para a trajetória de desindustrialização precoce do país.

4- O Novo Padrão de Desenvolvimento: PDLP

A nova forma de dependência, conformada a partir dos anos 1990 com a contribuição fundamental do Plano Real e sua política econômica, expressou-se na constituição do Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico, que redefiniu a estrutura e dinâmica da economia brasileira. Produto de uma nova configuração do Bloco no Poder, que passou a ter a hegemonia do capital financeiro e da fração da burguesia associada ao imperialismo, o PDLP redefiniu as relações fundamentais da economia capitalista dependente brasileira.

A relação capital-trabalho foi profundamente afetada, pelo aumento do desemprego, a precarização do trabalho e a crise dos sindicatos, que alteraram fortemente a correlação de força dos sujeitos sociais, em prejuízo do trabalho. Com isso, implementaram-se sucessivas Reformas da Previdência e desregulamentou-se essa relação, através de vários mecanismos, mas principalmente pela implementação de uma Reforma Trabalhista abrangente que detonou a CLT.

As relações intercapitalistas foram reformatadas a partir da lógica da financeirização, que passou a orientar todas as atividades econômicas, e até das famílias, com a constituição de uma “economia da dívida”. A dominância do capital financeiro (seus interesses e a sua lógica) estabeleceu-se sobre todas as outras frações do capital e expressou-se em sua hegemonia no Bloco Político no Poder.

A nova inserção internacional, no contexto da divisão internacional do trabalho, aumentou a vulnerabilidade externa do país, criando uma nova forma de dependência: à tradicional “troca desigual” e dependência comercial-tecnológica, adicionou-se a dependência financeira (de novo tipo) e do conhecimento – derivada de sua apropriação privada e de seu monopólio pelos países imperialistas, em especial as Big-Techs dos EUA. À transferência de excedentes na forma de lucros, royalties e juros, veio acrescentar-se a renda-conhecimento.

O Estado foi redefinido na sua relação com o processo de acumulação de capital, reduzindo-se a sua capacidade de investimento e, com as privatizações de empresas estatais e o enfraquecimento de sua capacidade de executar as políticas públicas, perdeu o poder de reorientar a economia. Adicionalmente, com a sua fragilização financeira e subordinação ao capital financeiro, em especial para a rolagem da dívida pública, os serviços públicos passaram a perder qualidade. Por fim, sofreu uma reforma de caráter “gerencial” que, além de separar os servidores públicos concursados em carreiras “típicas” de Estado (uma minoria) e as demais (a grande maioria), introduziu generalizadamente, nesse segundo grupo, o processo de terceirização em seu interior, precarizando as relações de trabalho e visando quebrar a estabilidade dos servidores públicos.

Finalmente, do ponto de vista político, as forças sociais e partidárias sofreram um reposicionamento a partir dos anos 1990, com um deslocamento à direita. Parte majoritária da esquerda, o PT e suas áreas de influência, sofreu um processo de transformismo no qual abraçou pontos fundamentais da agenda neoliberal – mimetizando o que já ocorrera com a socialdemocracia europeia a partir dos anos 1980. Adicionalmente, a influência ideológica e dos valores neoliberais penetraram profundamente no conjunto da sociedade, impondo uma nova racionalidade aos sujeitos.

Embora tendo se mantido fundamentalmente o mesmo, o PDLP apresentou nuances ao longo dos seus 34 anos de existência, quando se observa e se compara o período dos governos de FHC com o período dos governos de Lula-Dilma. Os governos FHC promoveram ativamente as reformas e políticas neoliberais, enquanto os governos de Lula e Dilma, de forma passiva aceitaram a herança do período anterior, sancionando, mais do que aprofundando, esse Padrão de Desenvolvimento.

Além disso, alterações nas circunstâncias conjunturais internacionais, possibilitaram que os governos de Lula-Dilma flexibilizassem o Regime de Política Macroeconômico (RPM), especificamente denominado de Tripé Macroeconômico. O resultado disso foi um maior crescimento econômico e uma redução do desemprego; essa flexibilização, combinada com políticas sociais de vários tipos (renda mínima, cotas, salário-mínimo, moradia etc.) implicou em uma diminuição da pobreza absoluta e uma leve redução da concentração de renda, especificamente entre os rendimentos do trabalho. Em suma, no interior de um mesmo Padrão de Desenvolvimento existiram, em momentos distintos, diferentes Regimes de Política Macroeconômica.

Em resumo: o mesmo Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico conviveu nos últimos 34 anos com distintos Regimes de Política Macroeconômica, fortemente condicionados por diferentes conjunturas internacionais. A ideia, bastante difundida por parte majoritária da esquerda (o PT e o seu entorno), de que os governos Lula-Dilma haviam superado o “modelo neoliberal” e instituído um “modelo neodesenvolvimentista”, foi resultado de se confundir o PDLP (uma dimensão estrutural de longo prazo) com distintos Regimes de Política Macroeconômica (referentes a uma dimensão conjuntural). A rapidez com que os governos Temer e Bolsonaro desfizeram, total ou parcialmente, as conquistas obtidas pelos setores populares durante os governos de Lula-Dilma, assim como a anulação de todas as políticas e programas desses últimos, valem mais do que mil palavras – que as paixões políticas não conseguem desmentir.

Conclusão: legado e perspectiva

Desde a Crise da Dívida na década de 1980, seguida pelo Plano Real e a consolidação do PDLP nos anos 1990, o país foi tomado pelo crescente domínio político-econômico do capital financeiro; embora vivendo distintas conjunturas, mais ou menos favoráveis às forças políticas de esquerda e democráticas. Após o impeachment da presidente Dilma, a direita neoliberal retomou a iniciativa, trazendo de volta o tripé macroeconômico (metas de inflação, superávit fiscal primário e câmbio flutuantes) em sua forma mais rígida e relançou uma nova rodada de reformas neoliberais (Reforma Trabalhista e mais uma Reforma da Previdência). O resultado foi o aprisionamento da política fiscal (Teto de Gastos, do governo Temer) e da política monetária (Banco Central independente, do governo Bolsonaro).

Na sequência, essa direita foi deslocada politicamente pela extrema direita (o neofascismo-bolsonarismo), com o país reproduzindo uma tendência mundial derivada da crise da democracia liberal. A razão fundamental dessa crise localiza-se, de um lado, na incapacidade da direita neoliberal responder às necessidades da maioria da população; muito pelo contrário, suas reformas e políticas só pioraram a situação econômica e social. De outro lado, as correntes socialdemocratas passaram – desde os anos 1980 nos países centrais e a partir da década de 1990 na periferia – por um processo de transformismo, incorporando partes fundamentais do ideário neoliberal. Essa situação, de ausência de perspectiva para a maioria (desemprego, pobreza, insegurança, incerteza, desespero etc.), e sem uma alternativa robusta mais à esquerda, abriu uma oportunidade para a extrema direita neofascista se apresentar como anti-establishment apesar de, ironicamente, defender e propor um neoliberalismo ainda mais radicalizado.

No Brasil, após quatro anos de destruição do Estado e desestruturação de todas as políticas públicas, conseguiu-se derrotar eleitoralmente o neofascismo. No entanto, na atual conjuntura, e tendo as limitações estruturais do PDLP, tratadas anteriormente, o 3º Governo Lula vem sendo impedido de implementar o seu programa, consagrado nas urnas, por forças político-sociais que podem ser identificadas de forma clara, quais sejam: o capital financeiro (“o mercado” ou o “pessoal da Faria Lima”); a direita neoliberal encastelada nos meios de comunicação e em diversas instituições do Estado; o movimento neofascista com expressão parlamentar (Camara e Senado); e mais especificamente o chamado “Centrão”, que busca “emparedar” sistematicamente o governo Lula – retirando-lhe parcelas importantes de poder na formulação e execução orçamentária, e na implementação de políticas econômico-sociais, achacando e chantageando o Poder Executivo cotidianamente – através da exigência de liberação de “emendas parlamentares” como condição para votar matérias de interesse do governo.

Esses sujeitos vêm tutelando o governo Lula, impedindo-o de colocar em prática o seu programa, constrangendo-o por meio de uma política monetária restritiva (com elevadas taxas de juros), executada pelo Banco Central independente do governo, mas não do “mercado”, e por uma política fiscal subordinada ao “Arcabouço Fiscal” que garante, mais uma vez, a remuneração parasitária do capital financeiro. Na verdade, desde a criação do “Teto de Gastos” no Governo Temer, formalizou-se uma situação de “ajuste fiscal” permanente. Em suma, o Fundo Público está formalmente sequestrado por uma parcela reduzidíssima dos muitos ricos, brasileiros ou não.

Nas atuais circunstâncias, o dito “Presidencialismo de Coalizão” tem, aos poucos, se transformado quase que em uma espécie de “Parlamentarismo de Coalizão”, um “mostrengo” ilegítimo e ilegal, pois não está previsto e nem é acolhido de forma alguma pela Constituição brasileira. Na prática, uma tentativa, já parcialmente bem-sucedida, de anular o 3º mandato que Lula da Silva recebeu da maioria dos eleitores brasileiros. Portanto, uma espécie de “estelionato eleitoral” praticado pelas forças político-sociais derrotadas na eleição para presidência da República de 2022.

Essa situação evidencia a existência, de fato, de uma correlação de forças desfavorável às correntes político-sociais de esquerda e democráticas, colocando o governo Lula em uma posição defensiva e desconfortável. Mas também é a evidência de que a resposta que o governo e seus apoiadores mais próximos têm dado a essa conjuntura adversa, isto é, restringindo-se apenas a uma prática de negociação no âmbito exclusivamente institucional, está inviabilizando o alcance dos seus objetivos econômico-sociais mais importantes, anunciados e defendidos no processo eleitoral de 2022.

Mas uma correlação de forças, qualquer que seja ela, não pode ser tratada como uma fotografia, algo estático e imutável; não pode servir de justificativa para aceitar a tutela que o governo Lula vem sofrendo. Ela tem que ser entendida como um filme, um processo em movimento, cujos desdobramentos não estão previamente definidos. Isso significa dizer que a alteração ou manutenção de uma determinada correlação de forças dependerá fundamentalmente da luta política travada no presente, em cada momento.

As forças de esquerda e democráticas, que têm uma longa tradição e experiência de mobilização popular, precisam sair da atual passividade, como que esperando que Lula, e o seu governo, bem como o STF, resolvam os impasses políticos. Por sua vez, Lula e o seu governo não podem ignorar o apoio popular que possuem, não podem recear mobilizar e estimular esse apoio.

Na realidade, a explicação para a existência da atual conjuntura de desmobilização deve ser buscada na prática e ação política atual, acomodada, das forças de esquerda e democráticas. Se essas forças não reconhecerem isso, o “monstro” do outro lado parecerá maior do que de fato é, e a possibilidade de uma vitória eleitoral da extrema direita em 2026 ficará cada vez mais crível.

A recente greve dos servidores (técnico-administrativos e professores) das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), além da defesa das Universidades e Institutos e da remuneração de seus trabalhadores (a defesa do trabalho decente), vai na contramão da passividade, apontando a importância da organização e mobilização das forças antifascistas e antineoliberais, e denunciando as forças políticas que vêm impedindo o governo eleito em 2022 em implementar o seu programa econômicosocial.

Reiterando: só se muda uma correlação de forças desfavorável se houver ações nesse sentido. O momento positivo de aprovação da PEC da Transição apoiou-se ainda na mobilização derivada do processo eleitoral, mas que aos poucos foi-se dissipando; é preciso retomá-la, exigindo uma nova postura tanto do governo Lula como também de todas as correntes políticas de esquerda e democráticas. Só assim poderá haver alguma alteração da correlação de forças mais favorável.

Com negociações estritamente no Plano Parlamentar e desmobilizando a sua base social, Lula e o PT conseguirão, no máximo, “garantir” as conhecidas “migalhas” para o andar de baixo e reforçar a dependência da trajetória (neoliberal) ou, na pior das hipóteses, abrirão as portas para o retorno do fascismo na eleição de 2026. Sem apostar na mobilização política efetiva de suas bases sociais, no sentido de promover ações para além do parlamento, que conteste a atual correlação de forças, pressionando-a para modificá-la, não há a menor possibilidade de conciliar “austeridade fiscal” com distribuição de renda e redução das desigualdades sociais.

1 Esse texto vai na forma de um Ensaio, sem citações bibliográficas. Quem tiver interesse em conhecer minhas referências, que embasam esse texto, podem encontrá-las nos meus livros História do Plano Real e “O Brasil nas Trevas: do golpe neoliberal ao neofascismo”, ambos editados pela Boitempo.

2 Para os adeptos da Moderna Teoria Monetária, a URV se constituiu em uma nova moeda indexada, pois compreendem que a função de “unidade de conta” é a decisiva para caracterizar uma moeda.

A

A

OUTRAS PALAVRAS

Portal Membro desde 13/12/2024

Segmento: Notícias

Premiações: 

 







A

A

    


A bomba-relógio das finanças globais

Após a tempestade no Japão, convite a conhecer uma das grandes áreas sombrias do sistema: os derivativos, montanha de apostas especulativas que pode equivaler a 37 vezes o PIB global – e ameaça até mesmo os depósitos bancários

Não foram os atos altamente visíveis do Congresso,
mas as ações aparentemente mundanas
e muitas vezes não transparentes das agências reguladoras
que alavancaram a grande transformação
dos bancos comerciais dos EUA, de instituições
tradicionalmente conservadoras de captação de depósitos
e concessão de empréstimos, para prestadores de serviços
de gestão e intermediação de risco financeiro em atacado.
Professora Saule Omarova,
“The Quiet Metamorphosis”
University of Miami Law Review, 2009

Por Ellen Brown | Tradução: Antonio Martins

Enquanto o mundo está absorvido pelo drama das eleições dos EUA, a bomba-relógio dos derivativos continua a tiquetaquear ameaçadoramente nos bastidores. Ninguém sabe o tamanho real do mercado de derivativos, já que uma parte significativa é negociada over-the-counter, escondida em veículos de propósito específico fora do balanço dos bancos. No entanto, quando Warren Buffet chamou os derivativos de “armas financeiras de destruição em massa” em 2002, seu valor nocional foi estimado em US$ 56 trilhões. Vinte anos depois, o Banco de Compensações Internacionais estimou esse valor em US$ 610 trilhões. E comentaristas financeiros calcularam esse valor em até US$ 2,3 quadrilhões ou até US$ 3,7 quadrilhões, muito além do PIB global, que era cerca de US$ 100 trilhões em 2022.

A maior parte deste cassino é administrada pelos mesmos bancos que guardam nossos depósitos supostamente em segurança. Os derivativos são vendidos como “seguro” contra riscos, mas na verdade acrescentaram uma grossa camada de risco, porque o mercado é tão interconectado que qualquer falha pode ter um efeito dominó. A maioria dos bancos envolvidos também é considerada “grande demais para falir”, o que significa que nós, o povo, seremos responsáveis por resgatá-los se eles falirem.

Os derivativos são considerados tão arriscados que, nos EUA, a Lei de Falências de 2005 e o Código Comercial Uniforme lhes concedem (junto com as operações repo, de recompra de títulos públicos) “super-prioridade” em falências. Isso significa que, se um banco falir, os proprietários de derivativos e operações de recompra são pagos primeiro, retirando recursos do mesmo poço de liquidez que contém nossos depósitos. (Veja The Great Taking, de David Rogers Webb, e meus artigos anteriores aqui e aqui.) Uma crise de derivativos poderia facilmente drenar esse poço, não deixando nada para nós como depositantes — ou para os credores “garantidos”, incluindo governos estaduais e locais.

Conforme detalhado por Pam e Russ Martens, editores do Wall Street on Parade, em 31 de dezembro de 2023, os bancos Goldman Sachs, JPMorgan-Chase, Citibank, e Bank of America detinham um total de US$ 168,26 trilhões em derivativos, de um total de US$ 192,46 trilhões. Isso significa que quatro bancos detinham 87% de todos os derivativos em todas as 4.587 instituições seguradas federalmente então nos EUA.

Em junho de 2024, a Corporação Federal de Seguros sobre Depósitos (Federal Deposit Insurance Corporation FDIC) e o comitê de diretores do banco central dos EUA (Federal Reserve) divulgaram conjuntamente suas conclusões sobre os “testamentos em vida” dos oito mega bancos dos EUA – seus planos de resolução ou encerramento em caso de falência. O Fed e a FDIC criticaram todos os quatro maiores bancos de derivativos por deficiências em seus planos de encerramento de derivativos.

Bancos ou apostadores no cassino de derivativos?

Os bancos não são apenas intermediários no mercado de derivativos. Eles são jogadores ativos, que assumem posições especulativas. Neste século, escreve a professora Saule Omarova, os maiores bancos comerciais dos EUA tornaram-se “uma nova espécie de super-intermediário financeiro — um distribuidor atacadista de risco financeiro, conduzindo uma ampla variedade de atividades de mercados de capitais e derivativos, negociando commodities físicas e até mesmo comercializando eletricidade.” Ela observa que o Federal Reserve permitiu que várias empresas financeiras adquirissem e vendessem commodities físicas (incluindo petróleo, gás natural, produtos agrícolas e eletricidade) no mercado à vista para proteger suas atividades de derivativos de commodities, e tomassem ou entregassem essas commodities para liquidar as transações.

Não foi o Congresso dos EUA que autorizou essa expansão das atividades bancárias permitidas. Foi o Escritório do Controlador da Moeda (Office of the Comptroller of the Currency — OCC), parte do “deep state administrativo,” um corpo permanente de reguladores não eleitos que permanecem em seus postos, enquanto os políticos vêm e vão. Como Omarova explica:

Por meio de ações administrativas aparentemente rotineiras e muitas vezes não transparentes, o OCC efetivamente capacitou os grandes bancos comerciais dos EUA a se transformarem de instituições tradicionalmente conservadoras de captação de depósitos e concessão de empréstimos (cuja segurança e solidez eram protegidas por restrições estatutárias e regulatórias contra atividades potencialmente arriscadas) em uma nova espécie de “super-intermediários” financeiros, ou distribuidores atacadistas de puro risco financeiro…

Além disso, algumas das decisões mais cruciais escaparam ao escrutínio público porque foram tomadas no mundo subterrâneo das ações administrativas invisíveis ao público, através da interpretação de orientação política.

A autoridade do OCC para regular bancos remonta, nos EUA, à Lei Nacional dos Bancos (National Bank Act) de 1863, que concede aos bancos nacionais autoridade geral para se engajar em atividades necessárias para conduzir o “negócio bancário”, incluindo “os poderes incidentais que sejam necessários para conduzir o negócio bancário.” O “negócio bancário” não é definido na lei. Omarova escreve:

A Seção 24 (Sétima) da Lei Nacional dos Bancos concede aos bancos nacionais o poder de exercer todos os poderes incidentais necessários para conduzir o negócio bancário; descontando e negociando notas promissórias, saques, letras de câmbio e outros documentos de dívida; recebendo depósitos; comprando e vendendo câmbio, moedas e metais preciosos; emprestando dinheiro com garantia pessoal; e obtendo, emitindo e circulando notas.

Nenhuma menção é feita ao comércio ou negociação de derivativos.

Os poderes dos bancos foram ainda mais limitados pelo Congresso na Lei Glass-Steagall, de 1933, que explicitamente proibiu os bancos de negociar títulos de capital corporativo; e por outras normas aprovadas posteriormente. No entanto, a parte da Lei Glass-Steagall que separa a captação de depósitos do banco de investimento foi revertida pela Lei de Modernização dos Futuros de Mercadorias (Commodity Futures Modernization Act) em 2000. Omarova escreve que isso permitiu que o OCC articulasse “uma definição excessivamente expansiva do ‘negócio bancário’ como intermediação financeira e negociação de risco financeiro, em todas as suas formas, e … esse padrão de análise permitiu que o OCC expandisse a gama de atividades permitidas aos bancos virtualmente sem qualquer restrição estatutária.”

O que pode ser feito?

Tornou-se agora consenso que a crise financeira de 2008 foi em grande parte uma crise de derivativos. Mas os grandes esforços de reforma financeira nos anos seguintes foram incapazes de corrigir o problema subjacente. Em um artigo da Forbes intitulado “Big Banks and Derivatives: Why Another Financial Crisis Is Inevitable”, Steve Denning escreve:

Os bancos hoje são maiores e mais opacos do que nunca, e continuam a negociar derivativos por meio de muitas das práticas adotadas antes da crise – porém, em uma escala maior e com exatamente os mesmos riscos desconhecidos.

A maior parte dessa negociação de derivativos é conduzida pelos maiores bancos. Uma suposição comumente mantida é que o risco real dos derivativos é muito menor do que o “valor nocional” declarado nos balanços dos bancos, mas Denning observa:

Como aprendemos em 2008, é possível perder uma grande parte do “valor nocional” de uma negociação de derivativos se a aposta der muito errado; e particularmente se ela estiver ligada a outras apostas, resultando em perdas simultâneas sofridas por outras organizações. Os efeitos em cadeia podem ser maciços e imprevisíveis.

Em 2008, os governos tinham recursos suficientes para evitar uma calamidade total. Os governos de hoje, com recursos escassos, não estão em posição de lidar com outro resgate maciço.

Dennin conclui:

A regulamentação e a fiscalização só funcionarão se acompanhadas de uma mudança de paradigma no setor bancário que mude o contexto em que os bancos operam e a forma como são administrados, de modo que eles mudem seu objetivo de ganhar dinheiro a qualquer custo e passem a agregar valor às partes interessadas, especialmente aos clientes. Isso exigiria ação do Legislativo, da SEC, do mercado de ações e das escolas de negócios, bem como, é claro, dos próprios bancos.

Uma mudança de paradigma no “negócio bancário”

Em um artigo de setembro de 2023 intitulado “Rebuilding Banking Law: Banks as Public Utilities” [“Reescrevendo a Lei Bancária: Os bancos como serviços públicos”], Lev Menando, professor de direito de Yale, e Morgan Ricks, professor de direito de Vanderbilt, propõem mudar o objetivo dos bancos para que as instituições privadas não sejam meros negócios com fins lucrativos; eles têm obrigações afirmativas para com o público. Os autores observam que, sob o arcabouço do New Deal, que estava enraizado na Lei Nacional dos Bancos, de 1864, os bancos eram em grande parte geridos como serviços públicos. As cartas-patente para criá-los eram concedidas apenas quando consistentes com a conveniência e necessidade pública, e apenas bancos com carta patente podiam expandir a oferta de dinheiro concedendo empréstimos.


A proposta Menand e Ricks é bastante detalhada e inclui muito mais do que regular derivativos, mas sobre essa questão específica, eles propõem que:

Embora os bancos tenham permissão para celebrar swaps de taxas de juros para proteger seus clientes, não teriam permissão para participar da negociação de derivativos, ou fazer apostas neses mercados. A negociação de derivativos e a especulação não se coadunam com a função monetária dos bancos. Além dos compromissos de empréstimo, os bancos não entrariam no mercado de garantias ou outras formas de seguro.

Isso significaria o fim do cassino de derivativos? Não – mas dele estariam excluídos os bancos encarregados de proteger nossos depósitos:

O plano acima não diz nada sobre quais atividades podem ocorrer fora do sistema bancário. Diz apenas que essas atividades não podem ser financiadas com ativos sujeitos a corrida [referindo-se principalmente a depósitos]. Em princípio, poderíamos imaginar um grau muito amplo de latitude para empresas não bancárias — sujeito, é claro, a padrões apropriados de divulgação, medidas antifraude e proteção ao consumidor e ao investidor. Assim, empresas de valores mobiliários e outras instituições não bancárias poderiam ter liberdade para se envolver em finanças estruturadas, derivativos, negociações proprietárias, e assim por diante. Mas não teriam permissão para “financiar a curto prazo”.

Por “financiamento a curto prazo”, os autores referem-se basicamente a “criar dinheiro,” por exemplo, através de operações de recompra em que empréstimos de curto prazo são rolados continuamente. Em sua proposta, apenas bancos com carta-patente terim o poder de criar dinheiro na forma de empréstimos.

Expandindo o modelo

Richard Werner, professor da escola de administração da Universidade de Southampton que escreveu extensivamente sobre esse assunto, acrescenta que os bancos deveriam ser obrigados a concentrar seus empréstimos em empreendimentos produtivos que criem novos bens e serviços e evitem inflacionar ativos existentes como habitação e ações corporativas.

Derivativos especulativos são uma forma de “financeirização” – dinheiro fazendo dinheiro sem produzir nada. Os vencedores apenas tiram dinheiro dos perdedores. Especular não é ilegal segundo as leis dos EUA, mas as fichas no cassino não deveriam ser nossos depósitos ou empréstimos feitos com seu respaldo.

A proposta Menand/Ricks é para bancos privados, mas os bancos também podem ser transformados em “serviços públicos” através da propriedade direta pelo Estado. O modelo exemplar é o Banco da Dakota do Norte, que não especula em derivativos, não pode falir, faz empréstimos produtivos e tem sido altamente bem-sucedido. (Veja artigo anterior aqui.) O modelo de serviço público também poderia incluir um Banco Nacional de Infraestrutura, como proposto no projeto de lei [da Câmara dos EUA] 4052, que atualmente tem 37 co-autores

O “negócio bancário” pode incluir ganhar dinheiro em favor de acionistas privados e executivos, mas esse negócio deve ser subordinado ao interesse público, que prevaleceria quando os dois objetivos entrassem em conflito.

Infelizmente o Congresso norte-americano tem sido historicamente motivado a fazer grandes mudanças no sistema bancário apenas em resposta a uma Grande Depressão ou Grande Recessão que expõe as falhas fatais no sistema. Com a reversão da “deferência de Chevron”, no entanto, as regras do OCC agora podem ser contestadas no Judiciário. Um poderoso movimento de cidadãos poderia catalisar as mudanças necessárias antes que a próxima Grande Depressão nos atinja.

Uma economia financeirizada não é sustentável nem competitiva. A ênfase deve estar no investimento na economia real. Esse é o tipo de mudança de paradigma necessária se os EUA quiserem sobreviver e prosperar.

A

A

OUTRAS PALAVRAS

Portal Membro desde 13/12/2024

Segmento: Notícias

Premiações: 

 







A

A


    

Rentismo, o novo modo de produção

[Versão atualizada do texto] A partir do capital financeirizado, surgiu outra forma de capturar a riqueza coletiva. Quais seus meios de acumulação. Por que produz desigualdade e devastação brutais. Como a reapropriação social do conhecimento pode minar suas bases

Resumo: As mudanças no capitalismo mundial são demasiado amplas para nos contentarmos com classificar o que hoje acontece como Indústria 4.0. A revolução digital é tão profunda, em termos estruturais, como foi a revolução industrial há dois séculos e meio atrás. Trata-se de outro modo de produção em construção, em que a financeirização supera a acumulação produtiva de capital, a exploração por meio do rentismo supera a exploração por meio de baixos salários (mais-valia), inclusive porque se desloca o próprio conceito de emprego. Os que comandam não são mais os capitães da indústria, e sim os que controlam os algoritmos, e o próprio dinheiro imaterial, no quadro da financeirização. Em termos de análise científica, é hoje mais produtivo pensar no novo sistema, no rentismo que resulta da revolução digital, do que acrescentar adjetivos ao conceito tradicional de capitalismo.

Há tempos estamos rodando em torno do pote, sem meter efetivamente a colher. O que aconteceu com o capitalismo de antanho? Como os novos mecanismos não cabem nos conceitos tradicionais de análise do capitalismo industrial, acrescentamos qualificativos: Robert Reich fala sobre capitalismo corporativo, Mariana Mazzucato sobre capitalismo extrativo, Grzegorz Konat sobre capitalismo real, Joel Kotkin sobre neo-feudalismo, Zygmunt Bauman sobre capitalismo parasitário, Brett Christophers sobre capitalismo rentista, Shoshana Zuboff sobre capitalismo de vigilância, Eric Sadin sobre capitalismo cognitivo, Jonathan Haskel e Stian Westlake sobre capitalismo sem capital, este último no mínimo um qualificativo estranho: o capitalismo sem capital ainda é capitalismo? Interessante também o conceito de cannibal capitalism de Nancy Fraser: devora as capacidades produtivas de longo prazo, o próprio corpo da economia.


O capitalismo é chamado assim em época relativamente recente, e adquire raízes teóricas e científicas de análise a partir de Adam Smith em 1776, e Karl Marx um século mais tarde. No centro do conceito, está o mecanismo de acumulação de capital. Ou seja, não é ter riqueza, bens ou dinheiro, isso sempre teve, e sim estar inserido no processo de reprodução de capital, que vai se valorizando através de investimentos: não é ter iates e aviões, que constituem patrimônio, é ter uma empresa, que por exemplo produz aço, que vai ser vendido para outras empresas que irão produzir casas e automóveis, fornecendo mais bens e serviços, e gerando lucros que serão reinvestidos em mais capacidades produtivas, mais capital. É precisamente a acumulação de capital, um processo expansivo. Essa capacidade de investimento que vai se expandindo é alimentada por lucros, gerados a partir do pagamento aos trabalhadores de um salário que é inferior ao valor produzido: a mais valia. Trata-se, portanto, de exploração, mas de uma exploração que se transforma em mais investimentos, mais empregos, mais lucros, mais capital e mais impostos para assegurar políticas públicas. Era um sistema. Injusto, mas produtivo.

O conjunto do processo foi e continua sendo cada vez mais alimentado pela revolução científica tecnológica que nos deu a máquina a vapor, a locomotiva e o transporte ferroviário, a eletricidade, o motor a combustão, a criação de novos materiais através da química, e tantas inovações que explodiram no século XX com eletrificação generalizada, o carro, o avião, a televisão, o computador, a q2uímica fina, a biologia e os primeiros passos na manipulação do genoma e assim por diante. Essa pequena enumeração das transformações científico-tecnológicas é necessária porque se trata do principal motor das transformações: as pessoas tendem a glorificar o capitalista, que aplicou os avanços científicos, mas muito menos os cientistas que os criaram. James Watt, Benjamin Franklin, Michael Faraday, Albert Einstein, pesquisadores que revolucionaram a base energética do planeta, colocando nas máquinas industriais e nas nossas mãos um volume de energia que multiplicou por um fator de centenas ou milhares o que era a força dos nossos músculos, deslocaram de forma estrutural a relação entre o homem e a natureza. A transformação científica foi o motor principal das transformações econômicas.

A Rússia sai da idade média em 1917, e se torna em poucas décadas uma potência industrial, a China se expandiu de maneira absolutamente impressionante, utilizando diferentes formas de organização política e social. A Europa se cobriu de ferrovias e de empresas de transporte, organizadas e geridas pelo Estado, que funcionam de maneira eficiente. E as empresas industriais capitalistas contribuíram também sem dúvida para multiplicar as nossas capacidades produtivas exponencialmente. Esse olhar mais amplo é importante para lembrarmos que a sociedade está em plena mutação, que as tecnologias atualmente avançam ainda mais rapidamente, e que manter a ideia de que a nossa relativa prosperidade se deve aos “capitalistas” e aos “mercados” simplesmente significa um congelamento da forma como olhamos as transformações do planeta. O vetor principal das transformações foi a base científica da humanidade, com aporte transitório do capitalista industrial.

Aliás a fase mais próspera do capitalismo é a dos trinta anos de ouro do pós-guerra, em que houve um equilíbrio inovador entre o setor público e o mundo empresarial, no quadro do Estado de Bem-Estar, e funcionou apenas no grupo de países mais ricos, cerca de 15% da população mundial. Hoje gerou uma aristocracia financeira, gigantes da comunicação e corporações mundiais de intermediação de commodities (os traders), com a sua entusiasmada rapaziada manejadora dos algoritmos, que pouco têm a ver com o empreendedor industrial tradicional. Essa profunda mudança do sistema é que alimenta tantos qualificativos que se acrescenta ao “capitalismo”, simplesmente porque a nova realidade não cabe nos antigos conceitos. Mas não basta acrescentar qualificativos: é preciso pensar se isso ainda é capitalismo.

A fratura social: nova escala de exploração

Não ser capitalismo não significa não haver apropriação do excedente social por minorias, como houve nos diferentes modos de produção. O sistema escravagista se apropriava do produto de outros por meio da propriedade das pessoas, o modo de produção feudal através da posse da terra e do controle dos servos, não foi preciso esperar o capitalismo industrial para termos exploração, com minorias se apropriando do produto social. Mas enquanto o capitalismo industrial gerava ao mesmo tempo apropriação do excedente e geração de mais capacidades produtivas, o rentismo se apropria do excedente sem a contribuição produtiva correspondente. Como escrevem Gar Alperovitz e Lew Daly, é uma “apropriação indébita”.[1]

No centro do novo processo está a financeirização. É essencial entender o impacto do dinheiro não ser mais material, sob forma de notas impressas por governos, que levávamos na carteira e os bancos guardavam no cofre. Segundo o How Money Works, 92% da liquidez global é digital: ou seja, na carteira fica apenas um cartão, nos bancos o computador, o conjunto é gerido por algoritmos. E por constituir apenas sinais magnéticos, o espaço financeiro se tornou global, girando no quadro do High Frequency Trading, em volumes radicalmente desconectados da economia real. A BlackRock, gestora de ativos (asset management) administra 10 trilhões de dólares, enquanto o orçamento federal dos Estados Unidos é da ordem de 6 trilhões. O mercado de derivativos atinge, em 2022, 630 trilhões de dólares, para um PIB mundial de 100 trilhões, no qual aliás se incluem os lucros financeiros como se fossem “produto”.

Enquanto a apropriação do excedente por baixos salários é hoje bastante clara na mente das pessoas, levando inclusive à legalização de sindicatos, e lutas pelos reajustes periódicos, os mecanismos de exploração financeira já são bem descritos em tantos trabalhos, inclusive os mencionados acima, mas continuam uma realidade nebulosa para a quase totalidade da população, que não sabe quanto o banco leva quando realiza uma pagamento com cartão, que fica abismada ao se encontrar atolada em dívidas – precisam de educação financeira, comentam os banqueiros – e para quem o conceito de paraíso fiscal, onde hoje as grandes corporações colocam mais de 60% dos seus lucros – lembra ilhas com coqueiros, não o Estado de Delaware, Wall Street ou a City de Londres.


Um ponto chave é que a escala de apropriação do excedente por minorias mudou radicalmente. Os dados abaixo são do Crédit Suisse, incluídos no relatório da ONU: [2]

Fonte: UNRISD – Crises of Inequality – October 2022 – p. 5

Na coluna à esquerda, vemos que 62,5 milhões de pessoas, 1,2% da população adulta, detêm 47,8% da riqueza acumulada, 221,7 trilhões de dólares. Na coluna seguinte, vemos que 627 milhões de adultos, 11,8% do total, detêm 38.1% da riqueza, 176,5 trilhões. O que podemos classificar de classe média baixa, na terceira coluna, com riqueza acumulada entre 10 e 100 mil dólares, tem 13,0% da riqueza, 60,4 trilhões. E 2,818 bilhões de adultos, 53,2% do total, detêm apenas 5,0 trilhões, 1,1% do total. Basicamente, podemos dizer que inseridos de forma precária no sistema estão cerca de dois terços da humanidade, os 53,2% da última coluna mais uma parte da segunda coluna. Interessante é constatar que se tirarmos 2,2% da fortuna do grupo mais rico, que eles mal notariam, daria para dobrar a riqueza dos 53,2% mais pobres. E para quem é pobre isso significaria uma enorme melhoria da qualidade de vida.

Os dados constam da análise que o Crédit Suisse (hoje UBS) realiza da distribuição da riqueza familiar mundial, estimada em 463,6 trilhões de dólares nas mãos de 5,3 bilhões de adultos do planeta. O que o mundo tem de riqueza pessoal acumulada é de cerca de 87 mil dólares por adulto. Numa família com dois adultos, isso representaria 175 mil, equivalentes a 900 mil reais. Pela primeira vez na história da humanidade, temos o suficiente para todos, isso sem contar o valor das infraestruturas.

Mas o que nos interessa mesmo aqui é o fato da fratura estrutural profunda da apropriação da riqueza da sociedade, com uma escala de exploração sem precedentes no próprio capitalismo. Não visível neste gráfico, é o fato do profundo desnível dentro do 1,2% mais rico, pois o grosso das fortunas desta coluna está nas mãos dos 0,1 e em particular do 0,01%. [3] O relatório da ONU que apresenta a tabela acima comenta que “as atuais extremas desigualdades, destruição ambiental e vulnerabilidade a crises não constituem um defeito do sistema, mas a sua característica”. Hoje os dados mais detalhados encontram-se no WID (World Inequality Database), nos relatórios da Oxfam, em particular em Oxfam, Survival of the Richest, e comentados em tantos textos indignados.

Além da desigualdade em termos de riqueza familiar, que contabiliza por exemplo o valor da nossa casa, outras propriedades, o dinheiro no banco (deduzindo as dívidas), gerando o que se qualifica de patrimônio domiciliar líquido (net household wealth), também contabilizamos a desigualdade de renda. Aqui também a situação é catastrófica, com bilhões de pessoas atoladas em situação de pobreza. A relação com a riqueza acumulada é direta, pois enquanto um bilionário, aplicando por exemplo seu dinheiro para render moderados 5% ao ano, aumenta a sua riqueza no ritmo de 137 mil ao dia, a imensa maioria da população, os dois terços que mencionamos, como aproximação, mal consegue fechar o mês, que dirá se tornarem “investidores” para acumular riqueza. [4] É o que o Banco Mundial e outras instituições chamam de “poverty trap”, armadilha da pobreza.

A África tem uma situação particularmente desastrosa, mas na América Latina dois terços dos adultos, cerca de 100 milhões, estão sem qualquer acumulação significativa de riqueza, abaixo de 10 mil dólares. Segundo o Global Wealth Databook do Crédit Suisse (2022), “a distribuição de riqueza tanto na América Latina como na região Ásia-Pacífico se assemelha ao padrão do mundo como totalidade, com a América Latina apresentando 65% e a região Ásia-Pacífico 63% com patrimônio de menos de 10 mil dólares.”(133) Estamos falando de dois terços da população vivendo da mão para a boca.

Mas não faltam recursos. O mesmo relatório apresenta o estilo de vida e fonte de riqueza dos que têm mais de um milhão de dólares (HNW), e dos que têm mais de 50 milhões (UHNW): “Os indivíduos HNW e UNHW estão fortemente concentrados em regiões e países particulares, e tendem a compartilhar estilos de vida semelhantes, participando nos mesmos mercados globais de bens de luxo, mesmo quando residem em continentes diferentes. A composição de riqueza (wealth portfolios) desses indivíduos tende também a ser semelhante, com mais foco em ativos financeiros e, em particular, detendo ações de empresas abertas (public companies) negociadas nos mercados internacionais…Os indivíduos UNHW com patrimônio acima de US$50 milhões são atualmente 264.180, no mundo, segundo os nossos cálculos. Entre os países, os Estados Unidos lideram com 53% dos adultos UNHW. A China chega num distante segundo lugar com 12% do total de membros do UHNW”.(118) São poucos, são muito ricos, estão concentrados nos Estados Unidos, e as suas fortunas não são de produtores, mas de donos de aplicações financeiras.

Fonte: BIG THINK – Strange maps – October 12, 2019

Uma outra escala desta fratura estrutural da sociedade, no mapa acima, pode ser compreendida ao passarmos da análise por estratos da população para médias entre países. [5] Como ordem de grandeza, temos que o capitalismo desenvolvido, que temos chamado de “Norte Global”, ou de “Ocidente”, é constituído por apenas 14% da população mundial, mas controla 73% da renda. O resto do mundo, 86% da população, apenas 27%. Sem a China, esses números seriam ainda mais críticos. Interessante esse gráfico apresentar o capitalismo desenvolvido como uma gated community, um tipo de condomínio planetário, com seis portarias cada vez mais guardadas. A fratura social e a fratura territorial se cruzam e reforçam.

Os ricos dos países pobres podem adquirir os “passaportes dourados” em Malta, e viajarem o mundo como “europeus’. O capitalismo, aliás, nunca funcionou para todos. Como Ha-Joon Chang escreve tão bem, os de cima tiraram a escada. [6] A fratura social planetária, tanto entre como dentro dos países, contrasta com o fato de justamente termos atingido, graças à revolução científico-tecnológica, um nível de prosperidade que poderia assegurar a todos uma vida digna, sem a guerra permanente que vivemos. Se dividirmos o PIB mundial, 110 trilhões de dólares, pela população de 8 bilhões, constatamos que o que hoje produzimos de bens e serviços equivale a mais de 4200 dólares por mês por família de quatro pessoas. Com uma redução moderada da desigualdade, poderemos assegurar a todos uma vida digna e confortável. Não é uma questão de falta de recursos. Hoje se torna essencial entender como se transformaram os mecanismos que geram a fratura.

As novas formas de apropriação do excedente social

Uma coisa é a apropriação do excedente pelos grupos mais ricos da sociedade, com uma desigualdade que nos fratura em termos econômicos, políticas e sociais, e gera imenso sofrimento na base da sociedade. Outra coisa é constatar que se trata de rentismo improdutivo, de dreno das riquezas sociais, e não mais de “acumulação de capital produtivo” tão analisado, e que os rentistas modernos tentam utilizar como prova de sua própria legitimidade. Quando se rompe um mínimo de proporcionalidade entre o quanto as pessoas contribuem produtivamente, e o quanto enriquecem, o sistema se desloca: não é mais acumulação de capital, é rentismo improdutivo.

Brett Christophers, no seu Rentier Capitalism que foca em particular as dinâmicas do Reino Unido, mas com visão global, agrupa as formas improdutivas de acumulação de riqueza (the main varieties of rentierism) em sete fontes principais: [7]

● Financeiro: gerando renta sobre juros, dividendos e ganhos de capital

● Reservas de recursos naturais: apropriação das reservas e sua venda

● Propriedade intelectual: gerando rentismo sobre patentes, royalties, marcas

● Plataformas digitais: comissões, marketing

● Contratos de serviços: gerando taxas de serviços terceirizados

● Infraestrutura: privatização de empresas estatais, licenças governamentais

● Solo: aquisição de terras, privatização de terras públicas, gerando renta de solo (ground rent)

Segundo o autor, isso “resume como os rentistas do setor privado passam a controlar os ativos (assets), e os tipos de renta que tal controle lhes permite ganhar em cada caso.” (xxx) O livro detalha como cada um dos mecanismos permite a apropriação de riqueza pelos rentistas. No conjunto, é essencial lembrar que essas diversas formas de rentismo são acessíveis apenas à própria minoria que com elas lucra: a massa da população, os dois terços, mal fecha o mês, e, portanto, não tem como entrar no sistema que ganha dinheiro com dinheiro, monopólios, controle de recursos naturais e cobranças sobre os mais diversos tipos de transações, lucros de intermediação, a chamada economia de pedágio. Os rentistas ganham não tanto pelos serviços que prestam, como pela obrigação de todos passarem pelas suas catracas. Muitos serviços são úteis, ou até necessários, mas gerando lucros desproporcionais relativamente ao aporte, como no caso dos oligopólios da comunicação.

Isso sempre existiu, como vimos no caso dos atravessadores comerciais que exploram os pequenos agricultores, dos usurários tão bem apresentados no Mercador de Veneza de Shakespeare, ou ainda dos Robber Barons das finanças e do petróleo nos Estados Unidos no início do século passado. Mas o deslocamento da base científico-tecnológica do planeta mudou o peso e as relações de força dos diversos setores de atividade. No centro, evidentemente, está a revolução digital, que gerou avanços de produtividade nas áreas industrial e agrícola, mas que sobretudo revolucionou os processos de intermediação: onde antes “serviam” às atividades produtividades, por exemplo com crédito, hoje passam a delas se servir, e na guerra entre quem extrai mais, inclusive fragilizam a economia produtiva. O conceito de Cannibal Capitalism, de Nancy Fraser, é neste sentido adequado.

Os gigantes corporativos que hoje controlam o planeta não são donos de empresas concretas, são donos de papéis – hoje sinais magnéticos – que lhes dão direitos sobre elas. Sweezy e Magdoff já analisavam a fratura: “A diferença entre ser proprietário de ativos reais e proprietário de um pacote de direitos legais pode à primeira vista parecer pouco importante, mas isso, enfaticamente, não é o caso. Na realidade, essa é a raiz da divisão da economia em setor produtivo e setor financeiro.” [8] Os papéis, títulos, ações, registros de dívidas, opções de derivativos, até o dinheiro – hoje apenas um sinal magnético – são imateriais, circulam no planeta na velocidade da internet, são administrados por algoritmos, gerando um universo econômico paralelo que levou a que tantos se refiram hoje separadamente à economia real e à economia financeira no sentido amplo. A lógica principal do sistema, é que justamente ser dono de “papéis”, ou seja, de direitos sobre produtos e sobre produtores reais, é que permite a geração de fortunas em escala radicalmente diferente das que efetivamente produzem bens e serviços, o que por sua vez está na origem do agravamento radical da desigualdade.

A agricultura e a indústria continuam a existir, mas a lógica do seu desenvolvimento, ou da sua paralisia ou deformação, obedece aos interesses dos donos dos sinais magnéticos. O dono da fábrica de sapatos podia explorar os seus trabalhadores, mas precisava comprar máquinas e matéria prima, gerar empregos, e produzir bons sapatos, o que gerava conforto para os compradores, e receitas públicas para o Estado assegurar infraestruturas e políticas sociais. O rentismo atual é dono de “direitos” que lhe permitem drenar os produtores, os assalariados, ou qualquer pessoa que tenha um cartão de crédito no bolso ou que precise comprar um botijão de gás ou encher o tanque do carro. Com a privatização parcial da Petrobrás, em 2022 foram transferidos 217 bilhões reais para acionistas nacionais e internacionais, dividendos sobre um produto que é do solo, produzido pela natureza em milhões de anos, e cujo valor poderia ter sido reinvestido na empresa ou utilizado pelo governo para financiar o desenvolvimento na economia real.

Outro fator essencial da fratura, além dos mecanismos financeiros de exploração, é que o sistema rentista não depende de oferecer empregos para gerar renta, ou apenas marginalmente, o que mantém grande parte da população em situação de pobreza e insegurança, multiplicando relações precárias de trabalho, com a chamada “flexibilização”. Um terceiro fator importante, é que produtores de bens e serviços de consumo precisam que haja consumo de massa, ou seja, capacidade de compra por parte da população: isso se torna secundário para os diversos tipos de rentistas. Ou seja, o rentismo precisa apenas marginalmente da força de trabalho e da demanda popular. Gera-se um processo de marginalização, já sentido com força nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e outros países do “Norte”, mas em particular na imensa massa dos países ditos “em desenvolvimento”. A fratura de certa forma se reforça, e cristaliza.

O conhecimento, conceito amplo que inclui as nossas transformações científicas e tecnológicas, faz parte desse deslocamento sistêmico. É impressionante a rapidez com a qual se enraizou o conceito de plataforma, onde antes falávamos de empresas, ou de corporações. Na base está a convergência de um conjunto de atividades que o André Gorz qualificou de “o imaterial”. Gorz adota claramente a visão de que os deslocamentos nos processos produtivos em geral levam a uma mudança da própria ciência econômica: “A ampla admissão do conhecimento como a principal força produtiva provocou uma mudança que compromete a validade das categorias econômicas chaves e indica a necessidade de estabelecimento de uma outra economia”. [9]

Delinear uma economia que leve em conta a generalização da dimensão conhecimento como elemento chave dos processos produtivos aponta para duas transformações básicas. Primeiro, é que uma inovação tecnológica representa um custo na sua criação, mas a sua reprodução e disseminação, nesta era informática, pode em geral se fazer a custo zero. Ou seja, enquanto na era fabril o produtor tinha de produzir grandes quantidades para ganhar mais dinheiro, no caso da inovação, uma vez identificada determinada tecnologia, o ganho é feito travando ao máximo o acesso, para gerar um efeito de monopólio. Se a tecnologia se generaliza, reduz-se o lucro. Ao patentear o “one-click” a Amazon tentou impedir milhares de empresas no mundo de desburocratizar as vendas. Com isso, tira-se das ideias a sua força maior, o fato de poderem fertilizar a criatividade dos mais variados atores sociais. A semente da Monsanto foi dotada de um gene “exterminador” para evitar que os agricultores possam reproduzi-la. Diferentemente de um produto material, um avanço imaterial é indefinidamente reproduzível. Ou seja, para a corporação, é preciso travar o acesso: Gorz ainda: “Sempre se trata de contornar temporariamente, quando possível, a lei do mercado. Sempre se trata de transformar a abundância ‘ameaçadora’ em uma nova forma de escassez” (11). A economia do conhecimento, que resulta da revolução digital, obedece a uma lógica diferente. A Elsevier ganha bilhões tornando o acesso à ciência mais difícil.

Segundo, as formas tradicionais de remuneração do trabalho se veem ultrapassadas, notadamente na visão tradicional de oito horas de trabalho “alugadas” para o que a empresas necessite. A criatividade não se faz “por horas”. Há gente que pode ficar sentada semanas em um ambiente de trabalho e não trazer ideia alguma. Como se remunera a criatividade? O trabalhador, neste nível, se torna um tipo de empresário de si mesmo, negociando o seu produto. “A ideia do tempo como padrão do valor não funciona mais.” E se o tempo de trabalho não é mais o padrão de valor, como se determina o preço de venda do produto? Gorz passa naturalmente a analisar a função da marca, da publicidade, dos valores simbólicos como base da nova formação do valor, delineando assim gradualmente a mudança sistêmica que enfrentamos. Ao ser criticada pelo valor exorbitante cobrado por um medicamento de produção barata, a empresa responde que devemos pensar não no custo do produto, mas no valor da vida que salva. A teoria do valor, base da ciência econômica, se desloca.

“Se não for uma metáfora, a expressão ‘economia do conhecimento’ significa transtornos importantes para o sistema econômico. Ela indica que o conhecimento se tornou a principal força produtiva, e que, consequentemente, os produtos da atividade social não são mais, principalmente, produtos do trabalho cristalizado, mas sim do conhecimento cristalizado. Indica também que o valor de troca das mercadorias, sejam ou não materiais, não mais é determinado em última análise pela quantidade de trabalho social geral que elas contêm, mas, principalmente, pelo seu conteúdo de conhecimentos, informações, de inteligência gerais. É esta última, e não mais o trabalho social abstrato mensurável segundo um único padrão, que se torna a principal substância social comum a todas as mercadorias. É ela que se torna a principal fonte de valor e de lucro, e assim, segundo vários autores, a principal forma do trabalho e do capital”(29) [10]

O que o mundo do dinheiro e o mundo do conhecimento hoje têm em comum, é que ambos são, precisamente, imateriais, ou ‘intangíveis’, como encontramos em outros autores. Ou seja, ambos circulam na internet na velocidade da luz, sob forma de sinais magnéticos, e no espaço planetário, sem que haja a antiga ‘territorialidade’, local de produção, da fábrica ou da fazenda, de residência dos trabalhadores, dos espaços de socialização. O fenômeno se manifesta de forma mais ampla ainda nas áreas hoje imbricadas de comunicação e de informação, como vemos nos gráficos abaixo: [11]

Vemos aqui o peso da plataforma Meta (Facebook), que atinge praticamente 3 bilhões de usuários. Youtube, da Alphabet (Google) atinge 2,3 bilhões, WhatsApp (Meta também) 2 bilhões, ultrapassando populações como a da China ou da Índia. O gigantismo está ligado à característica técnica básica, de que sinais magnéticos circulam no planeta de forma quase instantânea, e a dominação do mais forte se torna rapidamente planetária. Resultam os chamados ‘monopólios de demanda’: temos de usar o que os outros usam, porque sem isso não comunicamos. Além do alcance planetário, são extremamente concentrados:

O grau de oligopolização das atividades fica evidente, e aqui também se trata do imaterial, de sinais magnéticos, navegação de comunicação e informação em que os volumes, na era dos computadores modernos, deixam de ser um problema. A indústria da comunicação e da informação torna-se dominante, gerando inclusive a tão estudada batalha pelo tempo de atenção das pessoas, com o crescente caos de informações reais, fake-news, marketing comportamental e sistemas de vigilância baseadas na invasão das comunicações pessoais.

Mais impressionante ainda é a gradual osmose dos subsistemas da economia imaterial, de sinais magnéticos, quer representem dinheiro, conhecimento, informação ou comunicações, tendo todos em comum, neste eixo principal para onde se orienta a economia e a apropriação de valor, o fato de banharem o planeta, de atingirem qualquer pessoa, e de serem controlados por um número restrito de megacorporações. Interessante neste sentido que a Amazon trabalhe com acesso de informações a terceiros, além da intermediação comercial, enquanto por sua vez a própria Amazon, mas também Google, Facebook, Apple, Microsoft são em parte controladas pelos três maiores gigantes financeiros, BlackRock, Vanguard e State Street. Forma-se assim um universo de controle multisetorial, de impacto planetário.

E não é secundário que também sejam dominantemente norte-americanos, e conectados com a NSA e outros sistemas de informação política, gerando a guerra contra a Huawei, a Tiktok e outras corporações chinesas: os “mercados” se tornaram mais políticos, a política se torna ainda mais ferramenta das corporações. Em outros termos, ao rentismo que drena os recursos para os acionistas no topo da pirâmide financeira mundial, se acrescenta o controle algorítmico das pessoas, e a submissão do universo produtivo à lógica do shareholder, e cada vez menos do stakeholder. O rentismo se transforma em modo de produção. Não substitui as empresas tradicionais, sejam industriais, agrícolas ou de diversos tipos de serviços, ou ainda planos de saúde ou universidades, ou mesmo comportamentos individuais, mas as submete à sua lógica. Não constitui apenas um dreno de recursos e a formação de uma poderosa elite rentista global: altera em profundidade como nos organizamos como sociedade.

Como as pessoas em geral não se dão conta a que ponto os drenos financeiros concentram a renda e a riqueza, colocamos aqui um gráfico que mostra a quem o sistema financeirizado, extraindo recursos por meio de ações e títulos diversos, aproveita: quem são efetivamente os shareholders:

Fonte: https://public.tableau.com/app/profile/ips.inequality/viz/StocksFundsbyIncome-Oct2023/Dashboard1

A manipulação capilarizada

Se a extrema concentração no topo, e a osmose dos diversos subsistemas que têm em comum o fato de manejarem apenas sinais magnéticos, massa virtual em que banha o planeta, também é preciso insistir no fato dos algoritmos e da inteligência artificial permitirem uma capilaridade que atinge cada pessoa do planeta. Para a capacidade moderna de computação, 8 bilhões de pessoas não representam uma massa incalculável, tornam-se indivíduos isoláveis, fontes de informação, e clientes, quer queiram quer não. O sistema Experian permite que o gerente da sua conta no banco tenha informações detalhadas sobre a sua situação financeira, e o seu custo de crédito será ajustado segundo os interesses do banco. E foi legalizado. [12]

A faxineira que me presta serviços uma vez por semana, contratou um plano privado de saúde, NotreDame, que tem entre os seus acionistas a BlackRock: uma parte do salário de uma pessoa modesta da periferia de São Paulo é transferida em frações de segundos, pelos algoritmos, para acionistas nos Estados Unidos e outros países. Ao tomar um Uber na minha cidade, pago ao motorista, mas automaticamente boa parte do que pago vai para acionistas internacionais, preço exorbitante pago para pertencer a uma rede que permite estar conectado. Ao pagar uma compra com cartão, na modalidade crédito, cerca de 5% do valor da minha compra vai para intermediários financeiros, Visa ou outro. Se procuro algo no computador, não consigo me mexer se não estiver o tempo todo autorizando alguma rede a instalar cookies, entrando no sistema global de dreno de informações pessoais. Gerou-se assim um sistema de micro-drenagem de recursos e de informações pessoais de bilhões de pessoas de qualquer parte do mundo, inclusive dos mais pobres. Somos uma unidade no sistema planetário de comunicação e informação. E pagamos a cada passo, tanto em custos como em tempo da nossa atenção, gerando inclusive o cansaço do que tem sido chamado de sobrecarga sensorial.

[13] Fonte: https://merehead.com/blog/average-marketing-budget-different-business-areas/

Todos os custos da publicidade que me invade por todo lado e por todo meio estão incluídos nos preços que eu pago pelos produtos. Na TV me dizem que o programa é gentilmente oferecido por determinada empresa, mas esquecem de dizer que sou eu que pago para que interrompam o programa, em qualquer compra. Em 2021, 97,5% dos rendimentos da Meta (Facebook) vêm da publicidade. Como a mídia comercial se torna dependente das empresas que pagam a publicidade, o resultado é que o conjunto dos sistemas de informação, inclusive os noticiários, se tornam enviesados. Nós os pagamos para que nos convençam. Não se trata aqui de informação sobre produtos, e sim de influenciar comportamentos em geral. Com as horas que passamos vendo telas, tornamo-nos prisioneiros de um sistema que pesa nos nossos bolsos. [14]

A Amazon começou prestando serviços comerciais, mas entendeu que a sua dominância do mercado lhe permitia se tornar o intermediário obrigatório como plataforma de serviços virtuais, com o AWS (Amazon Web Service) e FBA (Fulfillment by Amazon): “AWS como FBA são o fruto da Amazon ter construído infraestruturas cruciais para a entrega dos seus próprios serviços, e então ter tornado essas infraestruturas de serviços, entregas disponíveis comercialmente – podemos dizer, alugando-as para fora – a terceiros para a entrega dos seus serviços. Ambos são, neste sentido, rentistas de infraestruturas… A Amazon controla infraestruturas críticas para a economia da internet – de formas que seria difícil novos interessados (entrants) replicar ou tentar enfrentar com competição” [15]

Quando se atinge uma situação de monopólio, pode ser cobrar preços muito além dos que seriam praticados num mercado competitivo, do capitalismo concorrencial. “No ano fiscal de 2021, as “big tech” tiveram um crescimento combinado de 27%, de um ano para outro.” Esses ganhos aparecem nos preços que pagamos. A tabela abaixo mostra os avanços dos cinco grandes (GAFAM): [16]

Isso é particularmente visível na apropriação privada de infraestruturas. Um produtor precisa escoar o seu produto, mas não vai poder escolher que ferrovia vai utilizar em função das tarifas, nem em que poste de energia vai se conectar. As redes de infraestruturas, transportes, energia, telecomunicações, e água e saneamento constituem redes de âmbito nacional e frequentemente internacional, e onde funcionam de maneira adequada são planejadas e geridas por instituições públicas: propriedade privada e “liberdade econômica”, quando não há concorrência, levam a abusos. É propriedade privada, mas não mercado. Perde o objetivo do interesse público, e não tem os benefícios da concorrência.

Christophers, no capítulo sobre rentismo de infraestruturas privatizadas no Reino Unido, apresenta esse “dinheiro de monopólio”: “Entre 2010 e 2015, as margens de lucro operacionais no setor estiveram entre um nível baixo de 41% e alto de 56%, com uma média ponderada de 51,5%.”(323) Isso gerou sem dúvida lucros impressionantes para as corporações que passaram a controlar as infraestruturas, mas depois de décadas de desmandos a Grã-Bretanha esta reestatizando ferrovias e outros setores, tal como Paris, Berlim e tantos outros re-estatizaram a gestão de água. A privatização em setores não concorrenciais leva a um rentismo improdutivo. Todos pagamos por isso.

Não se trata apenas de preços, mas também de perda de produtividade sistêmica. Na França, por exemplo, segmentos privatizados desativaram ramais ferroviários menos produtivos, em regiões menos povoadas, gerando isolamento e protestos. Faz todo sentido o Estado levar infraestruturas para regiões menos desenvolvidas, ainda que com perdas durante um tempo, justamente para dinamizá-las e equilibrar o desenvolvimento territorial. A combinação de facilidade de elevar preços em situação de monopólio, com objetivo de maximização de lucros para os acionistas em vez de gerar economias externas para produtores em escala mais ampla, levam a rentas elevadas e baixa produtividade sistêmica.

A área de recursos naturais é particularmente sensível. Raymond Baker traz dados sobre diversas partes do mundo, inclusive da região amazonense: “Estima-se que 50% a 90% da madeira na Amazônia é cortada sem autorização. Na Indonésia, cerca de 50%, e na Rússia, com as maiores florestas de coníferas do mundo, 25%… Global Witness, que tem examinado extração ilegal de madeira há décadas, estima que o financiamento de projetos de agricultura na Amazônia vem do Deutsche Bank, Santander, BlackRock, American Capital Group e outros.”(46) [17] Grupos financeiros internacionais obtêm renta a partir da apropriação de florestas que não precisaram plantar, apenas financiam e cobram dividendos de quem extrai. Isso vale evidentemente para minérios, petróleo, água e outros recursos naturais que levam não só à apropriação de recursos naturais, ou seja, que são da natureza, não ‘produzidos’, mas também leva a um conjunto de deformações políticas, na medida em que corporações globais passam a pressionar ou derrubar governos na batalha pelo acesso.

A reprimarização do Brasil, o próprio golpe de Estado de 2016, mas também as tragédias do Congo ou da Indonésia, fazem parte deste conjunto de atividades que não são propriamente produtivas, e constituem essencialmente a apropriação privada de bens naturais, com empresas de extração sem dúvida, em geral terceirizadas, mas antes de tudo controladas por grupos financeiros mundiais e os seus acionistas, que por sua vez se associam com grupos empresariais e políticos locais, assegurando a legislação correspondente aos seus interesses, como no caso da Lei Kandir no Brasil (1996), que isenta de impostos exportações primárias. Neste setor como em outros, acima dos executores locais das políticas extrativas, encontramos os donos de ações que recebem dividendos em qualquer parte do mundo. Os desastres de Brumadinho e de Mariana, com a Vale e a Samarco privatizadas, mostram a priorização dos lucros financeiros sobre a capitalização e reinvestimento na empresa. Hoje é o rentismo que estrutura o setor produtivo, e sua matéria prima são apenas sinais magnéticos.

Há ainda o rentismo tradicional, como no caso dos imóveis, mas que adquiriu novas dimensões. Christophers cita um comentário do Churchill a este respeito: “Estradas são construídas, ruas são construídas, serviços são melhorados, a luz elétrica muda a noite para o dia, a água é trazida de reservatórios a cem milhas de distância nas montanhas – e o tempo todo o proprietário do imóvel (landlord) fica sentado. Cada uma dessas melhorias é realizada com trabalho e custo para outras pessoas e contribuintes. O proprietário monopolista, como monopolista do solo, não contribui com nenhuma dessas melhorias, e, no entanto, com cada uma delas o valor da sua propriedade aumenta.”(351) [18] Hoje são empresas financeiras que adquirem o solo, habitações, nas mais diversas partes do mundo, elevando os alugueis, adquirindo bairros inteiros. Não estão contribuindo para que pessoas tenham mais residências, ou agricultores mais acesso ao solo, geram um mercado financeiro baseado nas valorizações futuras, uma grande rede que gera fortunas especulativas e aumento generalizado dos custos para a população. O imóvel se torna “um puro ativo financeiro.”(358)

A privatização e controle corporativo das políticas sociais constitui outra área que se transformou num gigantesco sistema especulativo. Lembremos que essa área se agigantou nas últimas décadas. Só a saúde representa nos Estados Unidos em torno de 20% do PIB, muito superior à própria indústria. Apresentei acima a forma como a BlackRock drena uma parte do que eu pago à minha faxineira, através do plano de saúde Notre Dame. Mas me interessei no desvio do meu próprio salário de professor universitário. A minha universidade me inscreveu no plano de saúde Sulamérica, descontando do meu salário cerca de 4.500 reais mensais. A Sulamérica por sua vez foi comprada pela Rede D’Or, outro grupo financeiro, que adquiriu uma fortuna de 27 bilhões de reais, e tem entre os seus acionistas importante fundo financeiro de Cingapura, GIC. Assim parte do meu salário migra automaticamente para Cingapura, alimentando acionistas com lucros astronômicos. Esses lucros financeiros podiam ser investidos em saúde. Pela desproporção entre o que alocam, e o quanto retiram, trata-se de um dreno.

Um exemplo clássico nesta área é o dos Estados Unidos, onde a saúde se tornou um setor econômico gigantesco, e um exemplo mundial de ineficiência: representa o maior custo por pessoa por ano hoje entre os países da OCDE, mais do dobro do custo no Canadá, por exemplo. O Canadá está entre os primeiros em termos de nível de saúde da população, os Estados Unidos entre os últimos. A facilidade com a qual se atinge este nível de rentismo na saúde está ligada à insegurança das pessoas relativamente a eventual situação crítica que exija grandes investimentos. O rentismo navega aqui na insegurança das pessoas. Comparação igualmente interessante é entre a Dinamarca e a Suíça, esta última com o sistema de saúde em grande parte privatizado: com custos muito menores, a Dinamarca atinge resultados radicalmente superiores.

Particularmente importante é o exemplo da educação, onde a privatização avança com rapidez, em particular navegando na transformação mundial da economia: o principal fator de produção, na era tecnológica, é o conhecimento, por sua vez matéria prima da educação. O endividamento generalizado da nova geração, para conseguir os diplomas, gera uma nova crise mundial: com a educação privatizada, os jovens chegam na idade de trabalhar atolados na dívida estudantil, que os amarra durante décadas. E já estão se atolando no aluguel que explode ou na dívida imobiliária. Os ‘investidores’ são frequentemente os mesmos. [19]

Outro mecanismo importante da evolução do capitalismo para o rentismo, é o caso de patentes, copyrights, diversas formas de controle do conhecimento por grupos financeiros que cobram direitos de acesso. Na concepção inicial da proteção de direitos intelectuais, tratava-se de assegurar remuneração privilegiada para o inventor de novos processos ou para o escritor, de forma a estimular os avanços científicos e culturais. Hoje patentes imobilizam uma tecnologia por 20 anos, o que há um século atrás poderia ser razoável, mas no ritmo moderno de avanços técnicos representa um latifúndio, claramente visto durante o desastre do acesso a vacinas durante a Covid-19. Os direitos autorais se expandiram, teremos acesso aberto aos livros de Paulo Freire apenas em 2067. Com a centralidade do conhecimento no conjunto das transformações econômicas, sociais e culturais no planeta, a guerra por dificultar o acesso está no centro de mais um mecanismo rentista. Com o Open Access, Creative Commons e outros mecanismos abertos de divulgação do conhecimento, poderíamos ter uma generalização radicalmente nova de acesso mundial ao conhecimento. [20]

Uma nova articulação global

Elencamos aqui vários mecanismos de apropriação do excedente social no quadro da evolução do capitalismo industrial para o rentismo digital. Esses mecanismos envolvem o domínio das plataformas relativamente às empresas tradicionais, e em particular o fato de se tratar do controle do imaterial, ou intangível, o que permite mecanismos muito mais amplos de apropriação, em escala planetária, sem a correspondente criação de bens e serviços, empregos e bem-estar econômico. Os sistemas de intermediação financeira, o controle financeiro dos sistemas comerciais e de marketing, a apropriação privada das infraestruturas, a extração de recursos naturais, o rentismo baseado na apropriação de imóveis rurais e urbanos, o uso especulativo das políticas sociais, como saúde e educação, a guerra para dificultar o acesso ao conhecimento acumulado na sociedade, com patentes e copyrights, são exemplos de uma conjunto de atividades em que acima do nível do produtor efetivo de bens e serviços, do pesquisador, do país dono de recursos naturais, gerou-se uma classe de rentistas que se apropriam de cada movimento, colocando juros, tarifas, sobre-preços, levando por sua vez à formação de um clube dos ricos que detém imenso poder econômico, financeiro, político e midiático, essencialmente ao controlar direitos sobre atividades ou patrimônio de terceiros.

Há uma década o ETH, instituto federal suíço de pesquisa tecnológica, apresentou uma pesquisa de grande importância, primeiro estudo global da estrutura do poder corporativo mundial, que utilizei no meu livro A era do capital improdutivo. [21] No essencial, os autores mostraram que no mundo 737 grupos controlam 80% do mundo corporativo, e nestes um núcleo de 147 controla 40%. A qualificação de “clube dos ricos” é dos autores, e a justificam: no topo, são inclusive pessoas que se conhecem, e criaram instituições de articulação, como o IIF. Guerras sim, para ver quem compra quem, mas nada de concorrência para prestar melhores serviços: eles essencialmente gerem ‘ativos’ (assets), ou seja, constituem uma superestrutura de controle e extração, por meio do mundo digital. O estudo do ETH (Glattfelder e outros) representou um avanço sem dúvida, mas hoje precisamos de pesquisa em nível mais amplo, já que o denominador comum do controle encadeado (A controla B, que controla C, D, E etc.) com tomadas cruzadas de participação, hoje se amplia pelo fato dos sistemas digitais permitirem dinâmicas em escala muito mais ampla.

Michael Hudson tem razão em afirmar que está em jogo o destino da civilização. [22] Uma BlackRock tem mãos nos mais diversos setores, nos mundos da saúde, da mineração, da comunicação, trabalhando em nível planetário. A infraestrutura produtiva – a indústria com as suas máquinas, proprietários de meios de produção, trabalhadores assalariados – é controlada por plataformas, computadores, algoritmos e inteligência artificial, mas a superestrutura – o Estado regulador e marco jurídico correspondente – está em busca de novos rumos.

Enquanto não surge um sistema regulador global, o mundo global da economia digital, nas suas diversas dimensões que vimos acima, simplesmente reina. E drena. A economia mundial está na era digital, as instituições públicas, a gestão política, as regras do jogo, continuam no século passado. Sem instrumentos de influência ou regulação, o mundo se aprofunda na catástrofe econômica, social e ambiental. A impotência institucional que enfrentamos nos leva a uma desarticulação sistêmica desastrosa, justamente quando a ciência e a riqueza que produzimos permitiriam uma vida digna para todos, sem destruir o planeta. Nosso problema não é econômico, é de governança. A gestão pública não é o problema, é a solução.

Um desafio metodológico e teórico

Como listamos os diferentes qualificadores que muitos pesquisadores sentiram necessidade de adicionar a “capitalismo”, no início deste trabalho, a questão básica aqui é se continuar a chamar esse sistema de capitalismo é adequado. A sugestão aqui é que é cientificamente mais produtivo e teoricamente mais adequado reunir as diferentes transformações do sistema capitalista e considerar que estamos diante de um novo modo de produção, um novo sistema. O fato básico é que a revolução digital trouxe mudanças profundas no sistema capitalista, assim como a revolução industrial trouxe para os diferentes modos de produção rural, em particular o sistema feudal. Em termos teóricos, é bastante coerente considerar que a partir de certo nível de mudanças quantitativas, o sistema sofre uma mudança qualitativa, que exige uma reformulação conceitual mais ampla.

A infraestrutura técnica mudou radicalmente, com as tecnologias que nos ligam instantaneamente em todo o mundo, dinheiro virtual, acesso virtual à informação e ao conhecimento. O tempo e o espaço pertencem atualmente a outro paradigma de organização. Mais importante ainda, o principal fator de produção passou a ser o conhecimento, com IA, informação virtual, a tecnologia em geral. As máquinas podem ser trancadas numa fábrica, mas o conhecimento é radicalmente diferente, na medida em que pode ser difundido sem custos adicionais, levando ao entendimento do conhecimento como bem comum [23]. O mecanismo dominante de extração de excedentes econômicos, por outro lado, passou da exploração através de baixos salários, mas com atividades produtivas, para plataformas financeiras, de comunicação, de informação e de apropriação de informações privadas, com os diferentes mecanismos de extração de rentas que temos visto. Consiste mais na extração de renta do que na acumulação de capital produtivo, no que também tem sido chamado de financeirização, sem a correspondente contribuição produtiva.

O conceito de modo de produção, neste sentido, volta a ser particularmente interessante. Permite um recuo no tempo, e um enfoque de mudança estrutural, no próprio sistema que nos rege. O esquema abaixo, ainda que possa parecer simplista, ajuda a repensar a atualidade de uma forma sistêmica:

Modos de produção feudal, capitalista, informacional

Quando há 10 ou 12 mil anos atrás começou a se generalizar a agricultura, indo além da caça e colheita, essa atividade passou a ser o eixo estruturante das sociedades. Até a revolução industrial no século 18, a base da economia era a terra, o seu controle gerava feudos, o trabalho era com servos ou escravos, em proveito de diversos tipos de aristocracia. A apropriação do excedente social se dava por taxas de diversos tipos que os trabalhadores da terra tinham de pagar. Os territórios eram províncias, ou feudos, essencialmente divisões territoriais mantidas com força militar, o porrete, e a inquisição. Na narrativa, era o sangue azul dos nobres e a vontade de Deus.

A revolução industrial leva a que a máquina se torne o principal eixo estruturante da sociedade. A agricultura não desaparece, mas passa a ser coadjuvante. Onde o núcleo de poder econômico era o feudo com os servos, agora temos fábricas e operários. Os que se apropriam do excedente social são os capitalistas, por meio salários baixos e mais-valia. Os operários são livres de pedir emprego, é o liberalismo. No caso de greves mais amplas, sempre há o porrete. No espaço expandido, formaram-se as nações, fenômeno recente, inclusive na Alemanha e na Itália.

O conceito de revolução digital permite pensar a era atual não como uma “deformação” do capitalismo industrial, mas como um novo modo de produção, informacional. A indústria não desaparece, e nem a agricultura, mas o eixo estruturante passa agora a ser a informação, o conhecimento, a tecnologia, a economia imaterial. No esquema acima, colocamos o conhecimento como a principal base de construção da economia, as plataformas com forma de organização, o surgimento do precariado em que o trabalhador é chamado quando necessário, e a principal forma de apropriação do excedente social torna-se o rentismo, cujos formatos vimos no texto acima. As grandes fortunas e o poder econômico e político não dependem mais de aristocratas, ou de capitães da indústria como Ford, e sim dos donos das plataformas, os GAFAM, BAT, SIFIs, gestores de sinais magnéticos no nível planetário. Aqui também, no quadro do neoliberalismo, que justifica com suas narrativas a desigualdade e a destruição ambiental, e nos mantém colados nas telinhas, temos, no caso de não aceitação das narrativas, o porrete.

O que temos em comum, é que sempre temos elites prontas para viver do trabalho dos outros, usando para isso diversos mecanismos econômicos da apropriação do excedente que a população produz, mas também narrativas para justificar a apropriação, e o porrete para quem não acredita nas narrativas. Mecanismo, narrativa e porrete. É tempo de nos civilizarmos. Inclusive porque o conhecimento, sendo imaterial, com potencial de multiplicação sem custos adicionais, pode ser a base de uma sociedade colaborativa planetária.

É importante notar que enquanto o controle das novas tecnologias e as formas de organização do rentismo já estão na era digital, a política e a regulação, o que chamamos de democracia, ainda andam perdidas em leis da era analógica, dos tempos da produção material. Nos níveis político e institucional, estamos assistindo a tentativas de correr atrás das profundas transformações tecnológicas provocadas pela revolução digital: as nossas leis e regulamentos são para a economia material do século passado. As finanças e outras plataformas funcionam em escala global, enquanto a regulação é basicamente gerida em escala nacional, levando a vazios institucionais catastróficos, paraísos fiscais entre outros, mas também a impotência das instituições internacionais que datam de Bretton Woods, de outra época.

Eu sugeriria que seria muito mais produtivo identificar os principais desafios – ambiente, desigualdade, pobreza, as principais causas do sofrimento e do desespero humanos – e trabalhar nas mudanças institucionais indispensáveis. Isto significa que temos de reconciliar as instituições com a modernidade, com as novas engrenagens e estrutura de poder da revolução digital. Não se trata de uma questão de ambição excessiva, mas de uma compreensão clara de quão dramáticos são os nossos desafios, em escala global. A mudança institucional tornou-se vital, no sentido original da palavra. Compreender que enfrentamos um novo conjunto de desafios, tendo a revolução digital como base de um novo sistema, ajudar-nos-á a construir soluções sem carregar o fardo de tantas simplificações e polarizações ideológicas em relação ao que conhecíamos como capitalismo.

A

A

OUTRAS PALAVRAS

Portal Membro desde 13/12/2024

Segmento: Notícias

Premiações: 

 








A

A

    

BC vendeu U$30 bilhões e aliviou o mercado de câmbio

Intervenção do Banco Central

O destaque d eontem foi a intervenção significativa do Banco Central, com uma injeção de US$ 8 bilhões no mercado cambial. O mês de dezembro terá uma intervenção total de US$ 30 bilhões, a maior da história para este período. Ontem também ocorreu o maior leilão único já realizado, superando o recorde registrado em maio de 2020, durante a pandemia.

Efeito nos Juros e Liquidez

Além da intervenção cambial, o Tesouro Nacional realizou recompras significativas, o que resultou em:

  • Uma queda de quase 100 pontos-base (bps) nos juros longos.
  • A curva de juros foi ajustada para uma trajetória mais estável, com novos leilões programados para hoje.

Essas ações visam suprir a demanda elevada de fim de ano, marcada por grandes remessas de multinacionais ao exterior.


Política Monetária

Em entrevista durante a divulgação do Relatório Trimestral de Inflação, os diretores do Banco Central, incluindo Roberto Campos Neto e Gabriel Galípolo, destacaram os próximos passos da política monetária:

  • Estão previstas duas elevações consecutivas de 1 ponto percentual na taxa Selic, em janeiro e março, elevando-a para 14,25%.
  • O objetivo é trazer a inflação para a meta de 3% em 2026, conforme os modelos apresentados.

O BC enfatizou que possui instrumentos suficientes para atingir seus objetivos e manter a trajetória de inflação controlada.


Cenário Fiscal e Avanços no Congresso

No âmbito fiscal:

  • O Congresso aprovou medidas importantes, como a PEC de cortes de gastos e o ajuste no salário mínimo, que agora terá crescimento alinhado ao novo arcabouço fiscal.
  • Essas ações são vistas como fundamentais para controlar o impulso fiscal e evitar maior pressão sobre a política monetária.

O vice-presidente Geraldo Alckmin reforçou a importância de ajustes contínuos para manter as despesas dentro do limite do arcabouço fiscal e garantir a sustentabilidade econômica.


Cenário Global

Os mercados internacionais também influenciaram os movimentos no Brasil:

  • Fed (Banco Central dos EUA) sinalizou cortes limitados na taxa de juros para 2025, com uma redução projetada de duas vezes ao longo do ano, contra expectativas anteriores de quatro cortes. Isso gerou volatilidade nos mercados, com o rendimento dos títulos de 10 anos subindo para 4,50%.
  • A economia americana segue robusta, com crescimento do PIB de 3,1% no último trimestre e um déficit fiscal de US$ 1 trilhão, equivalente a 5% do PIB.

Essa força econômica americana exerce pressão inflacionária e aumenta a expectativa de juros mais altos, impactando mercados emergentes como o Brasil.


Perspectivas para o Brasil

No cenário doméstico, o Brasil deve encerrar 2024 com:

  • Crescimento do PIB acima de 3,5%.
  • Um mercado de trabalho aquecido, com desemprego em 6%.
  • Pressões inflacionárias persistentes, mas sob controle em comparação aos últimos anos.

Para 2025, as projeções indicam:

  • Crescimento econômico moderado, em torno de 2%.
  • Selic alta, possivelmente estabilizada em 15%, para conter as pressões inflacionárias.

A manutenção da disciplina fiscal será essencial para evitar desequilíbrios adicionais, especialmente em um ambiente de juros elevados.


Resumo

As intervenções do Banco Central e do Tesouro Nacional trouxeram maior estabilidade ao mercado cambial e aos juros. No entanto, o cenário global desafiador e as pressões inflacionárias internas exigem continuidade nos ajustes fiscais e monetários. Enquanto os EUA impulsionam sua economia com déficits elevados, o Brasil busca um crescimento mais sustentável, alinhado ao controle da inflação e à disciplina fiscal.


A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 






A

A

    

Riscando o Desconhecido: A Origem Náutica do Conceito de Risco

A origem da palavra “risco” é frequentemente associada ao contexto náutico dos grandes descobrimentos marítimos, quando marinheiros exploravam territórios desconhecidos. Uma das interpretações etimológicas sugere que “risco” deriva do italiano medieval risicare, que significa “arriscar” ou “aventurar-se”. Essa ideia está intimamente ligada à prática de “riscar” rotas nos mapas — desenhar trajetos em direção ao desconhecido.

Na época das caravelas, navegar implicava traçar caminhos em mapas incompletos ou até mesmo em áreas não mapeadas. Cada rota “riscada” no mapa representava uma decisão carregada de incertezas, pois os navegadores enfrentavam mares não cartografados, tempestades, recifes ocultos, e outras ameaças desconhecidas. Assim, “riscar” tornava-se um ato simbólico de ousadia e cálculo, em que o explorador aceitava o perigo como parte do processo de alcançar novos horizontes.

Essa metáfora evoluiu ao longo do tempo para expressar a ideia moderna de “risco” como a exposição a incertezas em busca de um objetivo. Tal como os marinheiros precisavam equilibrar coragem e planejamento para explorar o mundo, o conceito de risco hoje carrega essa dualidade de ameaça e oportunidade, refletindo a natureza incerta das decisões humanas em diferentes contextos.

A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 







A

A


    

UE-Mercosul: Anatomia de um acordo colonial

Celebrado por neoliberais e governo, compromisso aprofunda desindustrialização do país, limita políticas públicas e agrava nossa condição primário-exportadora. Vale examiná-lo – e torcer para que suas contradições internas o inviabilizem

Meus amigos, os brasileiros que procuram defender o Brasil têm vida quase sempre difícil. Alcançamos, em geral, pouco ou nenhum sucesso e raramente temos algo a comemorar. Uma razão é a tenebrosa “quinta coluna”. Não sei se o leitor conhece a origem dessa expressão. Durante a Guerra Civil Espanhola, os republicanos diziam que pior do que as quatro colunas do General Franco, que marchavam sobre Madrid, era a quinta coluna franquista que operava dentro da capital. Pois bem, a nossa quinta coluna faz sombra à madrilenha. É um numeroso exército de oportunistas e vassalos de interesses estrangeiros. Dou meu testemunho: ao longo da vida inteira, passei grande parte do tempo lutando contra esses quinta-colunistas.

Veja-se, por exemplo, o recém-concluído acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Foi recebido com certa empolgação no Brasil. Celebraram, por um lado, os setores liberais e seus porta-vozes na mídia tradicional. E, por outro, os defensores incondicionais do governo, muitos dos quais pouco informados sobre o assunto. Os liberais querem expor a economia aos ventos da concorrência europeia. Os demais defensores do acordo simplesmente não admitem a hipótese de que o governo possa errar em questões fundamentais. Não são da quinta coluna, claro, mas acabam colaborando com ela sem saber.


No final do ano passado e início deste, escrevi vários artigos explicando por que este acordo, herdado do governo Bolsonaro, era uma verdadeira fria para o Brasil (Ver, por exemplo, O Brasil não cabe no jardim da Europa”, de março deste ano). A conclusão não poderia surpreender ninguém. Afinal, o que de positivo deixou Bolsonaro?

O governo Lula obteve modificações em alguns aspectos do acordo. Embora não sejam desprezíveis, não mudam a essência neoliberal do acordo. É essa ideologia, dominante na época em que a negociação com os europeus foi lançada há duas décadas, que estabelece a orientação do acordo. O princípio da liberalização fundamenta as suas principais partes– a eliminação de tarifas sobre importações, a proibição de impostos sobre exportações e a abertura das compras governamentais a empresas estrangeiras. O pressuposto central é que a liberalização é benéfica, tão benéfica que vale a pena consagrá-la em acordo internacional, protegendo-a de decisões nacionais.

Ressalte-se que o neoliberalismo foi abandonado nesse meio tempo em quase toda parte, inclusive nos Estados Unidos e na Europa. Encontrou, porém, uma sobrevida entre nós. Como dizia Millôr Fernandes, quando ficam caquéticas, as ideologias vêm morar aqui no Brasil.

Uma curiosidade: o acordo com a União Europeia fica aquém do que seria um acordo de livre comércio para bens e serviços. Mas vai além disso em diversos outros campos, como por exemplo em compras governamentais e na proibição de tributação sobre exportações de minerais críticos.

Alterações no acordo

As alterações obtidas pelo governo Lula foram em três áreas principais: a) certa margem de manobra em compras governamentais; b) algumas exceções à proibição de taxar exportações de minerais críticos; e c) um pequeno alongamento do cronograma de desgravação tarifária no setor automobilístico.

Um ponto essencial, leitor. O que se conseguiu foi algum damage control (controle de prejuízos), e não propriamente vantagens. Esse ponto nem sempre é compreendido. Explico sucintamente.

Em compras governamentais, não temos hoje qualquer restrição à sua utilização como forma de favorecer a produção e a geração de empregos em território nacional. Temos a liberdade de definir margens de preferência para produtores nacionais nas licitações públicas, favorecendo-os relativamente a fornecedores estrangeiras. Pelo acordo com a União Europeia, fica limitado o uso desse instrumento de política desenvolvimento econômico e de política industrial. O que o governo conseguiu foi apenas introduzir exceções setoriais à liberalização. No que diz respeito a compras do Sistema Único de Saúde, agricultura familiar e pequenas empresas, por exemplo, conservou-se o direito de favorecer os produtores nacionais relativamente aos do exterior. Ou seja, limitou-se o estrago, mas a liberalização foi preservada no essencial.


No que diz respeito a minerais críticos, essenciais para áreas estratégicas como economia digital e energia, foi definida uma pequena lista de produtos sobre os quais o governo poderá estabelecer impostos de exportação até um limite de 25%. Ora, hoje o governo pode tributar exportações desses e outros produtos sem exceção e sem pedir licença a ninguém. Isso pode ser importante para garantir o nosso acesso a esses insumos e estimular que a sua elaboração seja feita em solo nacional, no lugar de exportá-los em estado bruto. Como esses minerais são decisivos para a produção em setores de vanguarda, preservar essa margem de manobra teria sido essencial. Obteve-se a título de damage control uma pequena lista sobre a qual impostos serão admissíveis até certo teto.

Quanto à eliminação de tarifas sobre bens industriais pelo Mercosul, adiou-se a redução a zero desse imposto para alguns tipos de veículos. No caso dos carros eletrificados, a eliminação das tarifas se dará em 18 anos. No caso de veículos a hidrogênio, a desgravação passa para 25 anos e para os de nova tecnologia, para 30 anos. Para os demais setores industriais, permanece o prazo original de 15 anos. Depois desse período, a indústria brasileira, com as exceções mencionadas, ficará exposta à concorrência desimpedida com a indústria europeia, que conta com acesso a fontes de financiamento e economias de escala muito mais vantajosas.

Na verdade, leitor, era impossível melhorar suficientemente o acordo fechado no tempo de Bolsonaro. Não era recomendável aceitar ponto de partida tão desfavorável para a retomada dos entendimentos com os europeus. Melhor teria sido simplesmente abandonar o acordo, como fez recentemente a Austrália em negociação semelhante com a União Europeia. E explorar outros caminhos para incrementar as relações econômicas com os europeus de forma equilibrada e mutuamente benéfica.

O que ganhamos?

Repito a pergunta que fiz nos meus artigos anteriores. O que exatamente ganhamos com esse acordo, mesmo modificado? Não estou falando em damage control, mas em vantagens concretas. Essa pergunta nunca foi respondida.

Ganhamos acesso adicional aos mercados europeus para produtos industriais? Praticamente nenhum. As tarifas europeias sobre importações industriais já são muito baixas.

Ganhamos acesso adicional para a nossa agropecuária? Pouco. O comércio desses bens em que o Mercosul é amplamente competitivo permanecerá regulado por cotas restritivas. Não é um acordo de livre comércio, portanto.

Nas áreas em que somos competitivos, prevalece o protecionismo. Só haverá livre comércio para os bens industriais em que a Alemanha e outros países têm largas vantagens competitivas. Não por acaso, a Alemanha se empenha pelo acordo. Depois de um período de transição, as tarifas de importação serão zeradas. Vamos assim exportar empregos industriais para a Alemanha. As montadoras estrangeiras, várias delas europeias, se inclinarão a produzir menos ou fechar fábricas no Brasil. Resultado: uma provável substituição de produção local por importações.

Bovinamente, os nossos representantes aceitaram negociar dentro desse esquema assimétrico…

Outra área que fica vulnerável com esse acordo é a agricultura familiar, setor para o qual não se prevê salvaguardas no processo de abertura. Não por acaso, o MST se pronunciou várias vezes contra esse acordo. O Ministério de Desenvolvimento Agrário, entretanto, parece ter ficado à margem do assunto.

Um rebanho bem comportado

Um aspecto curioso é que, mesmo sendo poucos os ganhos para a agropecuária do Mercosul, os agricultores europeus resistem ferozmente. Por isso, a França se posiciona abertamente contra a ratificação do acordo, assim como outros países com setores agrícolas vulneráveis à concorrência com o Mercosul.

Argumenta-se que o acordo não é tão ruim assim. Prova disso seria que a CNI, a Fiesp e outras entidades industriais são favoráveis a ele. Argumento falacioso. É preciso ter em conta o que realmente são essas entidades. Depois de décadas de desindustrialização, elas são industriais apenas no nome. As suas lideranças, em sua maior parte, não são empresários da indústria, mas burocratas de federações ou confederações. Ou então importadores e montadores, interessados em remoção de barreiras. Ou, ainda, filiais de empresas multinacionais, inclusive europeias, sem autonomia de decisão em relação a suas matrizes.

A verdade é que a burguesia industrial brasileira foi trucidada por décadas de políticas econômicas neoliberais, desde Collor e Fernando Henrique Cardoso. Foi-se o tempo em que havia um Antônio Ermírio de Moraes, um Cláudio Bardella, um Paulo Cunha, um José Alencar. Agora temos luminares como Paulo Skaf ou Robson de Andrade. Não sobrou quase ninguém.

Com a eliminação de tarifas sobre produtos industriais, inaugura-se provavelmente uma nova fase da desindustrialização da economia brasileira. O governo enche a boca para falar em “neoindustrialização”. Mais realista seria falar em neodesindustrialização.

Uma pequena sugestão: por que não criar uma medalha de mérito Visconde de Cairu, aquele discípulo de Adam Smith que, no início do século 19, pregava a abertura irrestrita da economia brasileira? Os negociadores desse acordo seriam os primeiros candidatos a receber essa honraria.

Realmente, como dizia Nelson Rodrigues, subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos.

Um acordo natimorto?

Termino o artigo com uma nota (envergonhada) de esperança. O que pode nos salvar dessa arapuca são alguns países europeus, notadamente a França. Ficamos nas mãos dos outros, como se colônias ainda fôssemos.

O melhor que ainda pode acontecer é a França montar uma coligação suficientemente forte, em termos de número de países e de população, capaz de constituir uma “minoria de bloqueio”. Pelas regras europeias, se houver oposição de pelo menos quatro países com pelo menos 35% da população do bloco, o acordo não passa. Mesmo que essa minoria não seja alcançada no âmbito dos poderes executivos, resta saber se os parlamentos europeus irão aprovar.

Ursula von der Leyen e Lula podem ter celebrado um acordo natimorto. O presidente Lula chegou a declarar, com notável desapego por ganhos concretos, que não era “tanto pela questão do dinheiro” que ele buscava finalizar o acordo, mas sim porque era preciso encerrar negociações que se arrastavam há mais de 20 anos…

De um diplomata que participou ativamente dessas negociações cheguei a ouvir que, embora pouco vantajoso para nós, o entendimento com os europeus teria o valor geopolítico para o Brasil de fazer um contraponto à China. É um mistério para mim que um acordo desvantajoso, que praticamente não abre mercados adicionais para as nossas exportações, possa servir como contrapeso à China, nosso maior parceiro comercial por larga margem. Não se fazem mais diplomatas como antigamente.

Essa mistura de ignorância, servilismo e desorientação estratégica nos levou a esse beco. Agora é torcer, passivamente, para que a França e outros países da União Europeia inviabilizem esse acordo danoso.

[Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista Carta Capital]

A

A

OUTRAS PALAVRAS

Portal Membro desde 13/12/2024

Segmento: Notícias

Premiações: 

 





A

A

    

Verdade Tropical: Uma Reflexão sobre Arte, Cultura e Identidade Brasileira

Verdade Tropical, de Caetano Veloso, é uma obra que combina memórias pessoais e reflexões culturais para traçar um panorama da cultura brasileira, especialmente no contexto da Tropicália, o movimento cultural que ele ajudou a fundar na década de 1960. O livro foi publicado em 1997 e é considerado uma espécie de autobiografia intelectual e artística, repleta de ensaios, histórias e análises críticas. Abaixo, destaco as principais ideias e temas do livro:

1. A Tropicália como síntese cultural

Caetano apresenta a Tropicália como um movimento estético e cultural que buscava misturar elementos da cultura popular brasileira com influências da cultura global, especialmente do rock e da contracultura da época. Ele reflete sobre como o movimento subvertia as convenções culturais, incorporando sons, ritmos e imagens que eram vistos como “cafonas” ou “populares”, como o brega, a música de protesto e a música tradicional brasileira.

A ideia central é que a Tropicália não era apenas um movimento artístico, mas uma forma de pensar a identidade brasileira de maneira híbrida, reconhecendo suas contradições e complexidades. Caetano defende que o Brasil deveria abraçar tanto sua tradição quanto sua modernidade.

2. A relação com a ditadura militar

O livro explora como a Tropicália se desenvolveu em um contexto de repressão política durante a ditadura militar (1964-1985). Caetano reflete sobre sua prisão e exílio na Inglaterra, discutindo como essas experiências moldaram sua visão de liberdade artística e política. Ele aborda a tensão entre a Tropicália e os movimentos de esquerda da época, que muitas vezes viam o movimento como alienado ou pouco comprometido politicamente.

3. A modernidade e o regionalismo

Caetano analisa a tensão entre o regionalismo e a modernidade no Brasil, discutindo como a Tropicália tentava superar essa dicotomia. Ele celebra a música popular brasileira (MPB) e seus ícones, como João Gilberto, mas também critica o conservadorismo de alguns setores culturais que resistiam a influências estrangeiras.

O autor defende que o Brasil deveria ser capaz de dialogar com o mundo sem perder sua essência, um equilíbrio entre o local e o global que é central para a estética tropicalista.

4. A música como expressão universal

A música é tratada como o ponto de encontro de todas as influências culturais que moldaram a Tropicália. Caetano reflete sobre sua admiração por músicos como João Gilberto, Bob Dylan e os Beatles, e como eles influenciaram sua visão artística. Ele também analisa a letra e o impacto de algumas de suas canções mais icônicas, como “Tropicália”, “Alegria, Alegria” e “Sampa”, conectando suas escolhas estéticas às ideias políticas e culturais do período.

5. A identidade brasileira

Caetano questiona o que significa ser brasileiro, especialmente em um país marcado por desigualdades e uma história de colonização. Ele aborda a miscigenação cultural como uma força criativa, mas também reflete sobre as contradições e os preconceitos que permeiam a sociedade brasileira. Para ele, a Tropicália foi uma tentativa de responder a essa complexa identidade nacional, misturando o erudito e o popular, o tradicional e o moderno.

6. Memórias pessoais e autorreflexão

O livro é também uma autobiografia intelectual, em que Caetano narra sua infância na Bahia, o impacto de sua família e de sua cidade natal, Santo Amaro, em sua formação artística, e os momentos-chave de sua carreira. Ele revisita sua trajetória com um olhar crítico, refletindo sobre suas escolhas, conquistas e fracassos.

7. A influência da filosofia e das artes

Caetano demonstra um profundo interesse por filosofia, literatura e artes visuais ao longo do livro. Ele cita influências como Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Roland Barthes e pensadores brasileiros como Gilberto Freyre e Oswald de Andrade. Essas referências enriquecem sua análise cultural e ajudam a situar a Tropicália em um contexto mais amplo de pensamento crítico.

Conclusão

Verdade Tropical é uma celebração da criatividade e da liberdade artística, mas também uma reflexão crítica sobre a cultura brasileira e os desafios de construir uma identidade em um país tão diverso e contraditório. Caetano não apenas narra os eventos de sua vida e carreira, mas também explora as ideias que moldaram sua visão artística e política, oferecendo ao leitor uma visão rica e complexa do Brasil e do papel da arte em tempos de transformação social.

A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 





A

A

    

O Gigante Emergente: A Industrialização da Coreia do Sul e o Papel do Estado no Desenvolvimento Econômico

“Asia’s Next Giant: South Korea and Late Industrialization”, de Alice H. Amsden, é uma obra seminal que analisa o desenvolvimento econômico e a industrialização da Coreia do Sul. Amsden explora como o país se tornou uma potência econômica após a Segunda Guerra Mundial, desafiando as teorias tradicionais do desenvolvimento e introduzindo o conceito de “industrialização tardia” como chave para entender a trajetória de sucesso sul-coreana. A seguir, estão algumas das principais ideias do livro:

1. Industrialização Tardia

Amsden destaca que a Coreia do Sul é um exemplo de “industrialização tardia”, um processo em que países em desenvolvimento se industrializam utilizando tecnologias já existentes, em vez de criar inovações de ponta. A diferença crucial, segundo ela, está no foco na assimilação, adaptação e melhoria das tecnologias estrangeiras.

• Imitação disciplinada: Em vez de inovar desde o início, a Coreia do Sul focou em aprender rapidamente e em adaptar tecnologias importadas.

• Necessidade de intervenção estatal: Amsden argumenta que, na industrialização tardia, o mercado sozinho não é suficiente para orientar o desenvolvimento. É necessário um papel ativo do Estado.

2. O Papel do Estado Desenvolvimentista

Amsden enfatiza a importância de um Estado forte, com capacidade de implementar políticas industriais eficazes. Na Coreia do Sul, o governo desempenhou um papel central ao direcionar investimentos, proteger indústrias nascentes e fomentar o desenvolvimento de setores estratégicos.

• Subsídios direcionados: O Estado ofereceu subsídios para setores prioritários, como o aço, automóveis e eletrônicos, mas exigia desempenho em troca, como aumento de produtividade e sucesso nas exportações.

• Política de crédito: O governo controlava o sistema financeiro e direcionava crédito barato para empresas em setores estratégicos, especialmente conglomerados como os chaebols (Samsung, Hyundai, LG, entre outros).

3. Estratégia de Exportação

Amsden mostra como a Coreia do Sul focou na criação de uma economia voltada para a exportação, usando as receitas das exportações para reinvestir no crescimento interno.

• Compromisso com a competitividade internacional: Para garantir que suas empresas pudessem competir globalmente, o governo incentivou altos padrões de qualidade e desempenho.

• Competição gerenciada: As empresas sul-coreanas competiam intensamente nos mercados globais, mas a competição interna era controlada pelo governo, para evitar que rivalidades internas prejudicassem o desempenho externo.

4. Capital Humano e Educação

A educação e o desenvolvimento do capital humano foram pilares do crescimento sul-coreano. Amsden argumenta que a ênfase na formação técnica e no treinamento em massa foi essencial para sustentar a rápida industrialização.

• Educação técnica: A Coreia do Sul investiu pesadamente em escolas técnicas e universidades que pudessem formar trabalhadores qualificados e engenheiros.

• Mobilidade social: A expansão da educação criou oportunidades de mobilidade social e ajudou a reduzir desigualdades, pelo menos nas primeiras décadas do crescimento.

5. O Papel dos Chaebols

Os conglomerados industriais, ou chaebols, foram cruciais para o sucesso da industrialização. O governo sul-coreano os utilizou como instrumentos de suas políticas industriais.

• Apoio estratégico: Os chaebols receberam apoio financeiro e político, mas eram obrigados a atingir metas de desempenho, como a ampliação de exportações.

• Integração vertical: Muitos chaebols integraram suas operações verticalmente, controlando tanto a produção quanto a distribuição, o que ajudou a aumentar a eficiência e reduzir custos.

6. Desafios e Críticas

Embora o livro reconheça os sucessos da Coreia do Sul, Amsden também aponta os desafios e os custos desse modelo, como:

• A concentração de poder econômico nos chaebols, que levou a desigualdades econômicas.

• A dependência de exportações, tornando o país vulnerável a choques externos.

• As pressões sociais e políticas geradas por um Estado autoritário que controlava o processo de desenvolvimento.

7. Contribuição para a Teoria do Desenvolvimento

“Asia’s Next Giant” desafia as visões neoliberais que pregam o livre mercado como solução universal para o crescimento. Amsden demonstra que o sucesso sul-coreano foi construído com intervenção estatal estratégica e planejamento a longo prazo. Ela argumenta que o Estado desempenhou um papel que as empresas privadas e os mercados não poderiam ter desempenhado sozinhos.

Impacto do Livro

O trabalho de Amsden teve um impacto significativo nas teorias de desenvolvimento econômico, oferecendo uma alternativa às abordagens centradas no laissez-faire. Seu conceito de “industrialização tardia” tornou-se referência para estudos de países que buscaram replicar o sucesso da Coreia do Sul, como China, Taiwan e outros países asiáticos.

Em suma, “Asia’s Next Giant” é um estudo aprofundado e inovador sobre o papel do Estado e das estratégias industriais no desenvolvimento econômico. A obra destaca como a Coreia do Sul superou obstáculos históricos para se tornar uma potência econômica, oferecendo lições importantes para outros países em desenvolvimento.

A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 




A

A

    

Caminhos Divergentes: Estratégias de Industrialização na Coreia, Taiwan, Brasil, México e Índia

O livro “The Rise of ‘The Rest’: Challenges to the West from Late-Industrializing Economies”, de Alice H. Amsden, explora como várias economias emergentes, principalmente da Ásia, América Latina e Oriente Médio, desafiaram a dominação econômica dos países ocidentais no final do século XX. A obra destaca o papel da industrialização tardia e as políticas de desenvolvimento estratégico adotadas por esses países. A seguir, estão as principais ideias do livro:

1. O Conceito de “The Rest”

Amsden usa o termo “The Rest” para se referir a países que não pertencem ao mundo industrializado ocidental, mas que, desde a década de 1960, registraram crescimento econômico acelerado e uma integração crescente à economia global. Exemplos incluem Coreia do Sul, Taiwan, China, Brasil, México e Índia.

• Industrialização tardia: Esses países seguiram um modelo de desenvolvimento baseado em imitar e adaptar tecnologias de economias mais avançadas, combinando isso com estratégias próprias.

• Desafios ao Ocidente: O avanço de “The Rest” começou a redefinir a divisão global de poder econômico e a questionar o monopólio ocidental sobre tecnologia e produção industrial.

2. O Papel do Estado no Desenvolvimento

Assim como em seus outros trabalhos, Amsden enfatiza o papel crucial do Estado no processo de desenvolvimento. Em “The Rest”, ela argumenta que as economias emergentes prosperaram devido a intervenções governamentais estratégicas.

• Políticas industriais: Governos forneceram subsídios, direcionaram o crédito e controlaram investimentos em setores estratégicos, como manufatura, tecnologia e infraestrutura.

• Protecionismo temporário: Barreiras comerciais foram usadas para proteger indústrias nascentes, permitindo que elas se tornassem competitivas antes de enfrentar o mercado global.

• Contrapartidas rígidas: Em troca de apoio, empresas eram obrigadas a cumprir metas, como exportações e aumento de produtividade.

3. A Importância do Aprendizado Tecnológico

Amsden destaca que o sucesso de “The Rest” foi baseado na capacidade desses países de absorver, adaptar e, eventualmente, dominar tecnologias estrangeiras.

• Imitação criativa: Em vez de criar inovações radicais, os países de industrialização tardia focaram em melhorar e diversificar tecnologias existentes.

• Investimento em capital humano: A educação, especialmente em engenharia e ciências aplicadas, foi crucial para sustentar a capacidade tecnológica e a competitividade internacional.

4. Industrialização e Desigualdade

Embora o desenvolvimento econômico tenha gerado avanços significativos em “The Rest”, Amsden reconhece os desafios relacionados à desigualdade econômica e social.

• Concentração de riqueza: Muitos países emergentes viram o crescimento concentrado em conglomerados ou elites empresariais, como os chaebols na Coreia do Sul ou grandes grupos industriais na Índia e Brasil.

• Crescimento desigual: Certas regiões e setores econômicos prosperaram mais rapidamente do que outros, criando disparidades internas.

5. Os Desafios do Capitalismo Global

Amsden também analisa como “The Rest” enfrenta desafios em um sistema econômico global dominado por instituições ocidentais, como o Banco Mundial e o FMI.

• Dependência de mercados externos: A integração à economia global tornou essas economias vulneráveis a crises financeiras e flutuações de demanda nos países desenvolvidos.

• Relações de poder assimétricas: Apesar do crescimento, “The Rest” continua em desvantagem em negociações comerciais e no acesso a tecnologias avançadas.

6. O Modelo Diferenciado de “The Rest”

Amsden argumenta que o modelo de desenvolvimento de “The Rest” difere das trajetórias de industrialização ocidentais em vários aspectos:

• Esforço disciplinado: Governos de “The Rest” mantiveram controle rígido sobre o setor privado, garantindo que os subsídios e incentivos fossem usados para gerar resultados econômicos concretos.

• Foco na manufatura: Esses países investiram intensamente na construção de indústrias manufatureiras robustas, enquanto muitos países ocidentais estavam migrando para setores de serviços.

• Menor dependência da propriedade intelectual: “The Rest” priorizou aprender com tecnologias existentes, em vez de depender exclusivamente de inovações tecnológicas originais.

7. Impacto na Ordem Global

Amsden sugere que o sucesso de “The Rest” representa uma redistribuição significativa de poder econômico global. Isso desafia as economias ocidentais a repensar suas estratégias de dominação tecnológica e comercial.

• Redefinição da competitividade global: Com economias emergentes competindo em setores de alta tecnologia, o Ocidente enfrenta crescente pressão para inovar e se adaptar.

• Multipolaridade econômica: O crescimento de “The Rest” contribui para um mundo econômico mais multipolar, com diferentes centros de poder.

8. Legado e Lições

O livro conclui com lições para outras economias em desenvolvimento, destacando a importância de:

• Ter uma visão de longo prazo para o crescimento econômico.

• Construir instituições fortes que possam sustentar políticas industriais.

• Equilibrar os interesses do setor público e privado.

Importância do Livro

“The Rise of ‘The Rest’” é uma contribuição fundamental para o estudo do desenvolvimento econômico, desafiando as narrativas neoliberais que enfatizam o livre mercado como única solução. A obra de Amsden oferece insights valiosos sobre como estratégias não convencionais podem levar ao crescimento econômico sustentável em países fora do eixo tradicional de poder.

Alice Amsden, em suas obras, especialmente em “The Rise of ‘The Rest’”, explora as diferentes estratégias de industrialização e desenvolvimento econômico adotadas por países de industrialização tardia. Ao comparar as trajetórias da Coreia do Sul e Taiwan com as da Índia, Brasil e México, Amsden destaca várias diferenças importantes que explicam os distintos resultados alcançados por esses países. Abaixo, as principais distinções apontadas por ela:

1. Coreia do Sul e Taiwan: Estratégias Centradas no Estado e Exportações

a) Intervenção Estatal Forte

• Tanto a Coreia do Sul quanto Taiwan adotaram políticas industriais centralizadas e um Estado desenvolvimentista, que dirigia o processo de industrialização.

• Os governos desses países não apenas financiaram a industrialização, mas também controlaram rigidamente as condições para receber apoio. Empresas precisavam demonstrar desempenho em exportações para continuar recebendo subsídios e crédito.

• O Estado era autoritário e disciplinador, exigindo resultados claros de empresas privadas.

b) Foco na Exportação

• Coreia do Sul: Investiu em setores intensivos em capital, como aço, automóveis e eletrônicos, com forte suporte estatal e metas rígidas de exportação.

• Taiwan: Focou em pequenas e médias empresas, promovendo setores intensivos em trabalho e manufaturas leves, mas com um modelo igualmente orientado para o mercado externo.

• Ambas as economias priorizaram competitividade global desde o início, obrigando empresas a competir internacionalmente, o que ajudou a alcançar eficiência e qualidade.

c) Controle sobre o Capital Privado

• Na Coreia, o Estado apoiou os grandes conglomerados (chaebols), como Samsung e Hyundai, mas controlou suas operações, garantindo que não ficassem independentes demais do planejamento estatal.

• Em Taiwan, a propriedade estatal foi mais significativa, com empresas públicas liderando setores estratégicos, especialmente em infraestrutura e tecnologia.

2. Índia, Brasil e México: Dependência de Mercados Internos e Estratégias Menos Rígidas

a) Foco no Mercado Interno

• Tanto o Brasil quanto o México adotaram estratégias de substituição de importações, priorizando a produção local para abastecer seus mercados domésticos, em vez de competir nos mercados globais.

• Índia: Optou por um modelo mais autárquico, com restrições ao comércio internacional e forte ênfase no desenvolvimento de indústrias pesadas sob controle estatal, mas com pouca integração ao comércio global.

b) Fraca Disciplina Estatal

• O Estado nesses países também interveio na economia, mas sem a mesma disciplina de desempenho vista na Coreia e em Taiwan.

• No Brasil e no México, muitas vezes as empresas recebiam subsídios e proteção, mas não eram pressionadas a alcançar resultados, como exportações ou aumento de produtividade.

• A Índia, por sua vez, priorizou indústrias públicas e proteção de mercados internos, mas falhou em criar incentivos para que essas indústrias fossem competitivas globalmente.

c) Dependência de Capital Estrangeiro

• Brasil e México dependeram fortemente de investimentos estrangeiros diretos (IED) para impulsionar a industrialização, permitindo que multinacionais controlassem setores-chave, como automóveis e petroquímica.

• Em contraste, Coreia e Taiwan limitaram o papel de empresas estrangeiras, promovendo o desenvolvimento de conglomerados nacionais e a absorção de tecnologias externas sem ceder o controle das indústrias.

d) Baixo Foco em Exportações

• No Brasil e no México, as exportações eram um objetivo secundário. O foco principal era criar mercados internos robustos, o que, segundo Amsden, resultou em baixa competitividade internacional.

• A Índia seguiu um caminho semelhante, com a maioria de sua produção voltada para o consumo interno, negligenciando a competitividade global até os anos 1990.

3. Desempenho Econômico Diferenciado

a) Coreia do Sul e Taiwan: Sucesso Global

• A combinação de um Estado disciplinador, estratégias voltadas para exportações e controle sobre o capital privado permitiu que a Coreia e Taiwan se transformassem em potências industriais competitivas globalmente.

• Esses países alcançaram crescimento sustentado, inovação incremental e diversificação econômica.

b) Brasil e México: Crescimento Limitado

• A estratégia de substituição de importações e a dependência de IED levaram ao crescimento econômico inicial, mas geraram ineficiências de longo prazo.

• Muitos setores industriais no Brasil e México permaneceram dependentes de proteção tarifária, com baixa produtividade e pouca inserção nas cadeias globais de valor.

• Além disso, a liberalização econômica nas décadas de 1980 e 1990 expôs as fragilidades desses modelos, resultando em desindustrialização parcial.

c) Índia: Crescimento Moderado

• A Índia conseguiu desenvolver indústrias pesadas e setores como TI, mas sua estratégia autárquica atrasou a integração econômica global. O crescimento mais significativo ocorreu apenas após as reformas econômicas de 1991.

4. Resumo das Diferenças

Aspecto Coreia e Taiwan Brasil e México Índia

Foco Estratégico Exportações e integração global Substituição de importações Mercado interno e autossuficiência

Intervenção Estatal Forte e disciplinadora Moderada, mas pouco exigente Forte, com foco em indústrias públicas

Controle sobre o capital Controle rígido sobre empresas locais Dependência de capital estrangeiro Propriedade estatal

Setores Prioritários Alta tecnologia e manufaturas pesadas Indústrias tradicionais Indústrias pesadas

Resultados Alta competitividade e crescimento sustentável Crescimento inicial, seguido de estagnação Crescimento moderado, integração tardia

5. Conclusão de Amsden

Amsden conclui que o sucesso de países como Coreia do Sul e Taiwan se deveu à combinação de um Estado disciplinador, foco em exportações e controle estratégico sobre o capital. Em contraste, Brasil, México e Índia enfrentaram dificuldades porque:

• Adotaram estratégias menos orientadas para o mercado global.

• Dependeram de multinacionais ou políticas protecionistas sem exigir resultados claros.

• Falharam em construir uma base produtiva suficientemente competitiva para sustentar o crescimento a longo prazo.

Essas diferenças ilustram como a disciplina estatal, o foco em resultados e a inserção internacional podem determinar o sucesso ou o fracasso de economias em desenvolvimento.

A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 





A

A

    

São Paulo depende do Brasil: um raio-X do comércio interestadual no país

*escrito com Daniel Bispo

Os dados apresentados mostram que o estado de São Paulo possui um forte superávit no comércio interestadual, destacando a importância econômica do restante do Brasil como destino das mercadorias produzidas no estado. Essa dinâmica pode ser observada nos seguintes pontos:

1. Superávit Geral no Comércio Interestadual

• O saldo geral do comércio interestadual entre São Paulo e os demais estados em 2021 foi R$ 289 bilhões, evidenciando a elevada demanda nacional pelos produtos paulistas.

• A região Nordeste registrou um saldo de R$ 152,2 bilhões, sendo a principal parceira comercial de São Paulo no comércio interestadual.

• O Sudeste, apesar de ser a região mais desenvolvida e próxima, ainda manteve um superávit expressivo de R$ 105,2 bilhões, com destaque para Minas Gerais e Rio de Janeiro.

2. Importância Regional do Nordeste e Centro-Oeste

• O Nordeste, devido à sua crescente industrialização e urbanização, é um mercado consumidor essencial para os produtos paulistas, especialmente em setores de manufaturas e bens intermediários.

• O Centro-Oeste, com um superávit de R$ 130 bilhões, mostra o fornecimento de produtos industrializados e insumos que complementam as atividades agropecuárias dessa região.

3. Desafios no Comércio com o Norte

• A Região Norte, principalmente Amazonas e Rondônia, registrou déficits comerciais. Esse padrão reflete a menor capacidade de absorção de produtos de São Paulo e desafios logísticos para abastecimento.

4. Sul como Parceiro Importante, mas Equilibrado

• O Sul, embora tenha também um déficit geral de R$ 57 bilhões, apresenta uma dinâmica econômica mais equilibrada, com estados como Santa Catarina sendo mais deficitários e Paraná e Rio Grande do Sul em posição próxima do equilíbrio.

Conclusão: Importância Nacional de São Paulo

Os dados confirmam que São Paulo atua como o principal polo industrial, comercial e logístico do Brasil, vendendo produtos industrializados, alimentos processados, químicos, máquinas e equipamentos ao resto do país. A dependência do mercado interno para absorção da produção paulista reforça a importância do restante do Brasil como cliente final, garantindo a estabilidade econômica e a geração de emprego no estado.

Por outro lado, esse cenário também indica a necessidade de diversificação, buscando explorar o mercado externo para reduzir riscos de desaceleração interna e ampliar oportunidades para os setores produtivos paulistas.

São Paulo é um estado altamente industrializado e diversificado em sua produção. A exportação para outros estados do Brasil reflete essa variedade de setores econômicos. Os principais produtos que São Paulo exporta para outras unidades federativas são:

1. Produtos Industriais

• Automóveis e peças: São Paulo é o maior polo automobilístico do Brasil, exportando veículos, motores e componentes.

• Máquinas e equipamentos: Equipamentos industriais, agrícolas e de construção são amplamente produzidos no estado.

• Produtos químicos: Inclui fertilizantes, defensivos agrícolas, resinas, tintas e outros químicos industriais.

• Petróleo e derivados: Refinarias localizadas em São Paulo, como a de Paulínia (Replan), abastecem grande parte do país com combustíveis.

2. Alimentos Processados

• São Paulo possui uma forte indústria de alimentos e bebidas, com destaque para:

• Produtos como óleos, margarinas e laticínios.

• Alimentos processados como massas, conservas e enlatados.

• Bebidas como cervejas, refrigerantes e sucos.

3. Bens de Consumo Duráveis e Não Duráveis

• Eletrodomésticos e eletrônicos: Equipamentos como televisores, refrigeradores e celulares são produzidos em larga escala.

• Têxteis e vestuário: A indústria têxtil paulista exporta roupas, calçados e outros produtos de moda.

• Medicamentos e produtos de saúde: São Paulo concentra grandes indústrias farmacêuticas e de insumos médicos.

4. Produtos Agrícolas e Agroindustriais

• Cana-de-açúcar e seus derivados: Etanol, açúcar e outros produtos da agroindústria canavieira.

• Café industrializado: São Paulo é um polo exportador de café torrado e moído.

• Carne processada: Produtos como embutidos e cortes congelados.

5. Produtos Metalúrgicos e Siderúrgicos

• Aços, metais e ligas metálicas: Produção de itens siderúrgicos e metalúrgicos para construção civil e indústria.

Importância para o Mercado Nacional

A diversidade produtiva de São Paulo atende à demanda nacional por bens industrializados, insumos agrícolas, combustíveis e produtos de consumo, consolidando o estado como o grande fornecedor para o restante do Brasil. Essa dinâmica reforça a dependência econômica de outras regiões do país dos produtos paulistas, ao mesmo tempo em que impulsiona o crescimento industrial e logístico de São Paulo.

A

A

BLOG DO PAULO GALA

Portal Membro desde 30/08/2017

Segmento: Economia

Premiações: Prêmio Portal do Ano 2021

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SAÚDE

CIÊNCIAS