CIÊNCIAS
COP-16: a ameaça da biopirataria digital
Na cúpula global em Cali, se debate uma proposta arriscada. Criação de banco de dados de material genético tenta atrair com discurso sobre vacinas e remédios, mas abre (ainda mais) margem para a pilhagem de recursos do Sul Global pelas grandes farmacêuticas
Nesta segunda-feira (21/10), teve início na cidade colombiana de Cali a COP-16, ou 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Proposto e assinado pelos países do mundo – com a única exceção dos Estados Unidos – há 22 anos na histórica conferência Rio-92, no Brasil, este tratado sobre a proteção da biodiversidade é um dos principais acordos globais da área ambiental e do desenvolvimento sustentável.
Mais que uma reunião de rotina entre líderes nacionais, a COP-16 sediada pelo governo de Gustavo Petro – eleito com um programa ousado para o meio ambiente e a saúde pública da Colômbia – será palco de uma decisão de grande importância para o futuro do mundo: a aprovação, ou não, de uma proposta de mecanismo multilateral de compartilhamento de representações digitais dos materiais genéticos de plantas, animais e microrganismos, que vem sendo descrita por ativistas do Sul Global como a “legalização da biopirataria”.
Os problemas da proposta foram detalhados em artigo de Nithin Ramakrishnan, pesquisador indiano da Rede do Terceiro Mundo (TWN, na sigla em inglês). O texto foi publicado em português, com exclusividade, por Outra Saúde. Nele, Ramakrishnan aponta que, se aprovado, “o mecanismo, em sua atual forma, vai efetivamente transferir o controle dos recursos genéticos dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos”. Isso porque o que está proposto é a criação de bancos de dados digitais de materiais genéticos, compartilhados entre os países, que poderão ser utilizados sem o “consentimento prévio” das nações de origem daquelas informações.
Os riscos são claros: as corporações, especialmente do Norte Global, visam lucrar com produtos biotecnológicos que pretendem criar sem nem ao menos informar os países que forneceram as “matérias-primas” para seu desenvolvimento – o que enfraquece a possibilidade de que se reivindique uma compensação justa. Para a Saúde, o tema é de primeira importância, já que muitas vacinas e medicamentos essenciais são criados com biotecnologia.
Assim, a COP-16 se vê frente a uma proposta que pode aprofundar o desigual cenário em que nações mais pobres pagam fortunas para proteger o bem-estar de seus cidadãos adquirindo insumos caros que, sem sua contribuição, nem mesmo existiriam. “Se a COP-16 não tomar as decisões corretas, ela legitimará uma grande pilhagem” e a biopirataria digital, alerta Ramakrishna.
Uma armadilha escondida no “compartilhamento de benefícios”
Como explica o jurista e pesquisador da TWN em seu artigo, a proposta que será discutida na COP-16 tenta dialogar com o conceito de “compartilhamento de benefícios” (ou benefit sharing, em inglês), que circula bastante nos meios diplomáticos com a simpatia das nações em desenvolvimento. Um exemplo para entendê-lo: se um país do Norte Global desenvolve uma vacina ou medicamento para uma doença a partir de pesquisas que utilizam amostras de um vírus cedidas por um país do Sul Global, o “compartilhamento de benefícios” sugere que é justo que esse Estado mais pobre tenha o acesso facilitado a esse produto.
O problema, na visão de Ramakrishnan, é que o “diálogo” da proposta é enganoso: no lugar de reduzir as desigualdades no acesso a medicamentos, vacinas e outros insumos, é provável que o mecanismo multilateral a ser avaliado na reunião em Cali as amplie.
O que se propõe no novo mecanismo é a criação de bancos de dados de Informações de Sequência Digital – ISDs, que são representações digitais de material genético – que possam ser acessadas pelos países que ratificaram a CDB, mas a proposta “não inclui medidas práticas para garantir benefícios globais reais, como medicamentos produzidos a partir de recursos genéticos”, ressalta o pesquisador da TWN.
Ele aponta que “isso levaria a uma situação em que as empresas sediadas em países desenvolvidos poderiam usar ISDs de todos os países por meio de qualquer um dos bancos de dados” e, por meio disso, lucrar com remédios patenteados que se baseiam nessas ISDs.
Um estudo publicado no Harvard International Law Journal avalia inclusive que essa dinâmica já existe, visto que “enormes quantidades do que é chamado de informações de sequência digital estão sendo usadas e patenteadas sem a permissão dos países que detêm os recursos genéticos dos quais as sequências se originam”, em uma verdadeira biopirataria digital.
Perpetuação e aprofundamento de desigualdades
Há quatro anos, recebeu a aprovação das autoridades sanitárias dos Estados Unidos o Inmazeb, um fármaco para tratar a ebola. A farmacêutica norte-americana que o patenteou, a Regenerou, utilizou uma cepa do ebolavírus oriunda da Guiné para desenvolvê-lo e recebeu cerca de US$800 milhões do governo dos EUA para esse fim. A Guiné foi um dos países mais afetados pela ebola na última década, com 2.500 mortes na epidemia que atingiu a África de 2013 a 2016 e novos óbitos em um surto nacional no ano de 2021, mas mesmo assim o país não teve o acesso facilitado ao Inmazeb.
A aprovação da versão do mecanismo atualmente em discussão no encontro multilateral na Colômbia, opinam entidades ligadas à defesa do acesso a medicamentos, tende a multiplicar casos como esse, em que não só a soberania nacional dos países mais pobres é flagrantemente desrespeitada mas os próprios objetivos da saúde pública acabam prejudicados. Mais pessoas ficam doentes e morrem, os sistemas de saúde ficam desfalcados e ideias muito discutidas em espaços como a Organização Mundial da Saúde, como as “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” e os “bens comuns globais”, não saem do papel.
Por isso, alerta Ramakrishnan, as delegações na COP-16 devem trabalhar para fazer alterações no mecanismo multilateral proposto. “Sem medidas de responsabilidade e transparência, ele continuará sendo um instrumento que legitima a extração injusta de recursos genéticos dos países em desenvolvimento”, ele conclui.
Leia a íntegra do artigo de Nithin Ramakrishnan, em Outra Saúde.
Fonte Portal Membro Outras Palavras
Sistema reticular: o filtro do nosso cérebro
O sistema reticular, também conhecido como formação reticular, é uma rede de neurônios localizada no tronco cerebral, que se estende do bulbo até o mesencéfalo. Ele desempenha um papel crucial em diversas funções do sistema nervoso central, incluindo a regulação do estado de alerta e da consciência, o controle do sono e da vigília, e a modulação da dor.
A formação reticular é responsável por filtrar os estímulos sensoriais que chegam ao cérebro, permitindo que o sistema nervoso central se concentre em estímulos relevantes e ignore os menos importantes. Além disso, ela está envolvida no controle do tônus muscular, da respiração e do ritmo cardíaco.
O sistema reticular é essencial para manter a atenção, sendo uma das estruturas fundamentais para o estado de vigília e alerta. Quando a formação reticular é danificada, pode haver uma alteração significativa nos níveis de consciência, levando até ao coma.
O sistema reticular recebeu esse nome devido à sua aparência em forma de rede (“reticulum” em latim significa “pequena rede”). Quando os cientistas estudaram o tronco cerebral, eles observaram que essa região é composta por uma densa rede de neurônios e fibras nervosas que se entrelaçam, distribuindo-se de maneira difusa. Essa estrutura em rede conecta diversas áreas do cérebro e da medula espinhal, o que explica seu nome e sua função integradora na regulação de diversos processos neurológicos.
O sistema reticular, especialmente a parte conhecida como Sistema de Ativação Reticular (SAR), desempenha um papel essencial na filtragem das informações sensoriais que recebemos do ambiente. Ele ajuda a determinar quais estímulos são relevantes e quais podem ser ignorados. No caso da estrutura linguística, o SAR colabora para processar a linguagem e as palavras, permitindo que o cérebro foque em informações específicas.
Aqui está como esse processo acontece:
1. Atenção seletiva: O SAR ajuda a filtrar as informações que são mais relevantes para nós com base no contexto linguístico e nas expectativas. Quando ouvimos ou lemos, nosso cérebro está constantemente recebendo uma grande quantidade de palavras e sons. O sistema reticular age como um filtro, permitindo que prestemos atenção apenas àquelas palavras ou frases que são mais importantes para o contexto ou que atendem a alguma necessidade ou interesse específico. Por exemplo, em uma conversa, você pode focar em certas palavras enquanto ignora ruídos de fundo.
2. Reconhecimento de padrões linguísticos: O sistema reticular, em conjunto com outras regiões do cérebro como o córtex cerebral, reconhece padrões na fala e na escrita. Se você está acostumado a certos padrões de fala ou estrutura gramatical, seu cérebro pode identificar rapidamente quando algo segue ou foge dessa norma, facilitando a compreensão ou destacando algo inesperado.
3. Palavras-chaves e significados: O SAR também é sensível a palavras e conceitos que têm importância pessoal ou emocional para você. Por exemplo, se alguém mencionar seu nome ou um assunto que você acha interessante, seu sistema reticular tende a focar mais rapidamente nesse estímulo, filtrando o restante da informação. Isso é particularmente relevante quando ouvimos várias conversas ao mesmo tempo (como em um ambiente com muitas pessoas falando) e conseguimos “captar” uma conversa relevante porque contém palavras que ressoam conosco.
4. Controle do foco e da distração: O sistema reticular ajusta a quantidade de atenção que damos aos estímulos externos. Na comunicação, isso permite que mantenhamos o foco em uma conversa ou leitura e evitemos distrações. Por exemplo, ao ler um texto, o SAR ajuda a focar em partes importantes e ignorar distrações ao redor, como ruídos externos ou movimentos periféricos.
Esse sistema, portanto, utiliza nossa estrutura linguística e a capacidade de reconhecer padrões e significados para priorizar o que é mais importante, assegurando que não sobrecarregamos nosso cérebro com todas as informações que recebemos ao mesmo tempo.
The Brain’s Way of Healing de Norman Doidge explora o conceito de neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro de se reorganizar e se adaptar, mesmo em situações de lesão ou doença. O autor apresenta uma série de casos clínicos impressionantes que mostram como pessoas com condições neurológicas aparentemente irreversíveis, como derrames, doenças neurodegenerativas e dores crônicas, conseguiram melhorar suas condições ou até se curar por meio de técnicas que estimulam a plasticidade cerebral.
Doidge destaca o papel da mente, do ambiente e de terapias inovadoras, como estimulação de luz, som, movimento e pensamentos, que ajudam a “reprogramar” o cérebro. Ele também examina como o cérebro pode criar novas conexões e caminhos para substituir os danificados, indo contra a antiga ideia de que o cérebro adulto é fixo e incapaz de mudanças.
O livro aborda ainda como diferentes partes do cérebro, como o sistema reticular ativador, desempenham um papel importante no processamento da informação sensorial e no foco da atenção, ajudando na cura e recuperação. Essas descobertas mostram que o cérebro não é apenas um órgão passivo, mas ativo na busca de cura e adaptação.
As principais ideias do livro incluem:
• Neuroplasticidade: O cérebro pode se adaptar e mudar ao longo da vida, mesmo após lesões graves.
• Terapias não convencionais: Métodos como luz, som e movimento têm se mostrado eficazes na estimulação de novas conexões cerebrais.
• Papel da mente e do ambiente: A interação entre o que pensamos, sentimos e experimentamos pode influenciar a forma como o cérebro se reestrutura.
• Esperança para doenças neurológicas: Muitas condições que antes eram vistas como incuráveis podem ser tratadas com novas abordagens, baseadas na plasticidade cerebral.
Fonte Portal Membro Blog Paulo Gala
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